domingo, 15 de novembro de 2009

A Mulher da Mala.

Era sempre vista vagando pelos Eixos, caminhando lentamente pelas consoantes da cidade. Seus cabelos, brancos e longos, chamavam a atenção de quem por ela passava. Viam-na somente como mais uma das personagens do cotidiano. Carregava uma mala e alguns livros. Sentava-se na grama, folheava algumas páginas. Perdia-se em sua literatura sem nunca ser perdida de vista. Estava sempre por aí, a capturar alguns olhares curiosos. Sua saia longa balançava com o vento, contrastava com os ipês. Poucos sabiam o quão aguda era a voz por detrás daquela cabeça cabisbaixa, daquele rosto enrugado, daqueles olhos perdidos. Caçoavam de sua excentricidade olhando-a dos pés à cabeça. Quando pedia por alguma coisa, pedia por histórias novas. Para esquecer-se da sua? Quem sabe...disseram-me que havia enlouquecido e sido abandonada, pelas centos, trezentos, quatro mil e quinhentos, da cidade. Sua loucura era rica em conhecimento e sobriedade. Um dia, sentada na varanda de um bar, vi-a conversar com um grupo de homens, tão sérios e engomados, erguiam seus copos de cerveja enquanto riam escandalosamente de suas falas. Chamei-a, pedi para que chegasse mais perto. Quis olhá-la com cuidado, fotografando cada milímetro de sua existência. Vi, em seus olhos, um punhado de sonhos desfragmentados. Reparei na ausência de sua mala, reposta por duas sacolas de plástico. Tentei fazê-la entender que só queria escutar sua voz, e tudo que essa tinha para dizer-me. Desconcertada, pouco disse. Perguntei-lhe o que queria, achando que falaria-me daqueles sonhos por detrás de sua íris amargurada. Disse-me querer um café. Apenas um café. Dois mínimos reais. Dei-lhe uma nota de vinte, ficou meio sem entender. "Quer que eu traga-lhe o troco?". Não, não, quis apenas que trouxesse-me um pouco da vida.

Um comentário:

Mariana disse...

juro que eu sinto vontade de dar um beijo no seu blog. e abraçar.