sábado, 30 de abril de 2011

Descrença.

O mundo parou. Em nenhuma língua, haveria maneira tão clara de dizer o que aconteceu naquele breve momento em que ela desapareceu. Eu reabriria todas as portas, se fosse preciso, para entender o que se passou. O que passsou despercebido por mim. Achava que éramos um para o outro - creio, hoje, que acham-se assim todos os amantes. Mas naquele derradeiro segundo, o que antes eu achava, acabava de se perder para sempre. Sua primeira aparição poderia ser comparada com a de um cometa que, por sorte, meus olhos acompanharam. Ela cintilava com o neon. Dez minutos depois de meia-noite, inesperadas pancadas de chuva e ininterrupta garoa. Ela me chamou os olhos. Mas seria exagero dizer que, justo ali, eu pude sentir meu coração inchar de modo diferente. Ela não era a única que se destacava no cinzento deslizar da noite. Mas Deus - em momentos de raiva, eu a jogava até para o diabo - quis que fosse ela. E o pior, quis que fosse assim. Não sei se por vingança, ou vaidade, atirei a culpa de tudo em todos - nisto, em qualquer um que não fosse eu. Por quase um segundo, eu chegava a me sentir mais leve. Nunca ninguém disse que seria fácil lidar com a perda. Se houvessem dito, quem é que teria acreditado? O mundo é dos ignorantes, eu acho. Talvez só eles sejam capazes de viver - pois, em certos momentos, respirar é tão duro, que é impossível se desvencilhar dos sonhos de morte. Eu tinha amigos antes dela. Privacidade entre quatro paredes. Parcelas já quase quitadas de uma viagem com tudo pago para a Europa. Sonhava acordado. Sonhava dormindo. Eu ainda dormia antes dela. E, mesmo aos Sábados à noite, era quase sempre tudo calmo. Do jeito que as coisas tem que ser, eu mesmo me dizia, para não confundir a paz com monotonia. Ao reler estas linhas, percebo não esconder tão bem a raiva que ainda me resta - única forma de tê-la por perto é estando com as mãos sedentas por sua garganta. Mas eu não posso me esquecer dos níveis mais próximos da felicidade plena. Como quando eu ria da minha própria risada. E via cores até em uma tela em branco. Não me esquecia dos olhos dela. Como se neles eu enxergasse a luz. Não me esquecia do sorriso dela. Como se neles eu me acabasse em gargalhadas. A cicatriz que ela carregava desde a infância - um motivo para dormir feliz. Os pequeninos riscos em seu par de lábios - verdadeiros versos e poemas. E o meu tato tateando toda a superfície daquele corpo - tão forte, mas já tão ferido. Meu Deus, como é doentio o amor. A dependência em outro ser vivo para estar vivo também. As coisas mudam - não é preciso ser nenhum poeta para prever. O tempo passa - já diriam os deuses. Reconstruo, como posso, nossa história em minha cabeça. Desde seus fios de cabelo no ralo, aos seus pés congelados da neve. Desde o primeiro olhar - com o qual achei que seria, ainda, para sempre o mesmo - aos retalhos de um bilhete. Ela sequer se deu ao trabalho de escrever uma carta, ou me esperar chegar do trabalho, ou deixar a geladeira cheia. Nem agradeceu por eu tê-la amado sem nunca ter pedido nada de volta. Nem explicou os motivos da separação. Nem se lembrou do que havíamos vivido e voltou para a ceia de Natal. Nem nunca me ligou. Nem nunca mais a vi. Restaram as fotografias da memória, que perdem a nitidez na velocidade das coisas que se perdem assim tão rápido. Foi acreditando no amor, que eu acabei desacreditado de tudo.

domingo, 24 de abril de 2011

Que Amor.

Quem diria, que acabaria assim, em um recomeço. Quem diria, que o quê todo mundo dizia, era verdade. Era de se esperar. E então esperamos. O que vai, volta. E a gente se foi, logo então - desmereço assim o tempo -, voltou. E eu, que sempre te amei, agora amo mais. Mais devagar, mais cuidadosamente. Amo mais, em cada parte de mim. E apesar de tudo, e de todos, e mesmo que pese, em nós e em outros. Eu te amaria se estivéssemos os dois debaixo d'água disputando por resgate. Eu te amaria se estivésssemos os dois debaixo do chuveiro, morrendo de calor no fim de tarde. Eu te amaria se os Sábados não fossem de sol. Eu te amaria se todo dia fosse Domingo. Eu te amaria se você me desse ressaca. Eu te amaria se você não me desse nada. Eu te amaria se estivesse cansado. Eu te amaria se você estivesse se cansando. E eu não preciso que você acredite. Eu não preciso que você retribua. Nem que sorria. Não preciso que me olhe. Nem que me ligue. Eu não preciso te falar. Nem preciso escutar de volta. Eu preciso que você exista. Para este amor não sair sem rumo. Pois o que voa, também se perde. E sentimentos, tais como este, não podem se perder. Pois as coisas se transformam. E amor, de repente, vira raiva. E da raiva contraem-se os punhos. E dilatam-se as pupilas. Há prazer quando há dor. Mas a dor sabe por quais veias circular. O prazer se espalha, os vasos incham, e depois tudo passa. A dor vinga, e permanece. A dor pede por vingança. Nada disso deve acontecer. Não porque eu quero, mas porque eu preciso. Eu nunca te olharia de olhos vermelhos e mãos atadas. Eu nunca desistiria de lutar. Nem te colocaria como inimigo. Eu nunca te escreveria tais palavras se elas não saltassem do meu peito. Não busco por respostas - não preciso entender a graça. Também não quero encontrar seus lábios quando terminar esta linha. Eu quero te encontrar por inteira quando colocar tudo para fora - tudo aquilo que é tão vivo aqui dentro. Eu quero te ter por inteira. Sem desmerecer, nem desperdiçar, nenhuma parte. Cada letra é um beijo que alcança cada um dos centímetros do seu corpo. Que é tão pequeno, mas que ocupa tudo - desde o espaço das raízes das árvores, as ervas daninhas, os sete mares, o contorno das nuvens, os pêlos dos meus braços. Eu não lembro da vida antes de você. Não lembro do mundo. Não lembro se já vivia. Será que com seus abraços eu acordei? Ou nasci. Ou renasci. Se a morte foi lenta ou dolorosa. Se estava aconchegado no plasma. Se levei uma pancada na cabeça e desfaleci. Minha primeira lembrança é de suas mãos alcançando minha cintura. E meu corpo sendo sugado pelo seu. Logo depois alma, e também vísceras, espírito, mágoas, subconsciente, alterego. Talvez eu tenha apagado tudo que houvera acontecido antes - e eu te amaria mesmo que não tivesse valido à pena. Talvez nada tenha realmente importado. Talvez nada importasse - se não houvesse você. E ainda com todas as desculpas, e descasos, e desconcertos. Ainda que o mundo não orbite em volta do nosso. Estamos de volta para onde tudo começou. E eu te amaria sempre como se fosse a primeira vez. Eu te amo como se tivesse te conhecido neste segundo - assim, concluímos que houve um pacto, mesmo sem saber a procedência. Eu te amaria ainda que não houvesse espaço. Eu te amaria por esta e todas as próximas vidas. Eu te amaria mesmo que você não existisse.
Eu te amo.
E este, seria o tão procurado infinito.

Sonhos.

Lá vai ele, outra vez, tentar secar as feridas que nunca viu sangrar.
Lá vai ele, outra vez, escrever as dores que nunca sentiu.


Caminhando, vagarosamente, pelas ruínas da cidade que eu construí com a ganância da minha mente. Caminhando, como um santo, pelas sombras, com o sangue escorrendo pelas mãos. Os glóbulos que não me pertencem escorrendo, como as gotas da chuva - que chove agora - nas janelas. E os prédios, e as calçadas, e os paralepípedos, e as placas, se destruindo atrás de mim. Meus passos alimentando o caos. Você disse, melhor que nunca tivesse existido. Mas eu não vim para falar de você. Nem dos seus dizeres. Eu tento me esquecer. Dizem que é melhor levar com calma que, devagarzinho, vai saindo do coração. Às vezes meu peito dói um pouco, e eu juro, juro mesmo, que é você fazendo os primeiros cortes, até que abra um buraco grande o suficiente para sair. Espero que você não passe em frente aos meus olhos. Mas eu não vim para falar de você. Não é como se merecesse minhas palavras - embora escassas. Nem meu choro - ah! se eu ainda chorasse. Se eu ainda desperdiçasse tempo chorando. Com muitas lágrimas eu poderia fazer dos meus olhos um par de oceanos. Das minhas íris, dois barcos. Duas grandes navegações. Onde sua imagem já navegou, boiou, flutou, habitou e, depois se foi. Uma embarcação vistosa, momentos depois, naufragada - quando cedi as lágrimas. Mas eu não vim para falar de você. Embora seja difícil. Uma das tarefas mais árduas da vida é tirar da ponta da língua aquilo que mora no coração. Caminhando, nos momentos em que eu deveria estar com você. Eu achei que seria assim. Dois oceanos que se cruzam. Oceanos, não rios ou lagos, por percorrerem infinitos alcançáveis, portanto não tão infinitos assim. Se há infinito, ele parece finito para mim. Ainda que a linha do horizonte pareça longe, é possível tocá-la com os dedos. Debruçando-se sobre o asfalto - ainda quente dos dias e mais dias de sol -, acendendo um cigarro, vendo desenhos nas nuvens, e apontando os dedos. Todos eles, tem-se a linha mais distante e mais desejável acima de seus pés. A distância seria, para todos e para tudo, a melhor saída. Se sair fosse fácil, se eu tivesse realmente entrado. Não duvido de ter estado presente em seu coração. Ninguém diria o que me foi dito só por dizer. Que era novo e, sendo assim, delicado. Que era delicado e, sendo assim, precisávamos ter cuidado. E, por isso, não me toque. Nem me olhe. Nem me beije. Vamos manter em segredo. Mas você sabe que eu guardo tudo que é sincero para você. Eu acreditaria em tudo, de novo. E você ria e sorria e tocava e não era eu. Você pedia para que não mas, ainda assim, eu olhava. Ciúmes eu teria se você tivesse se permitido. Não sei o que diabos havia de tão errado. Para você me evitar, logo depois me procurar, e então me empurrar, e despir seus ombros, e aproximar seu rosto, e roubar meus suspiros. Eles poderiam ser os últimos. E você não os merecia. Mas nada te importava. Nada te comovia. Nada te tocava - se é que havia algo sólido. Nada havia em você, senão o desespero. Um desespero que te rejuvenescia dez ou doze anos. Sorria que nem menina quando deitava a cabeça em meu peito. Mas eu não vim para falar de você. Nós nem nos falamos mais. Desde o dia em que você me pediu vá embora, e eu não quis ceder. Eu não quis, eu não quis, eu não podia! Você disse, melhor que nunca tivesse existido. Foi quando tudo em volta se desmanchou. E eu não reconhecia a boca que sibilava aquelas palavras. Não é isso que eu quero para mim. E você entrou no carro. Dois segundos até dar a partida. Dando ré, quase atropelou um pombo. Chequei, tendo desconhecido até então o meu reflexo, todos os espelhos. Você não olhou para trás. Você nunca olhou para trás. É possível ainda escutar o atrito da água com as rodas, e o volante girando com as curvas. E você nunca olhando para trás. Com os vidros abertos, seus cabelos voando com o vento. Os fios todos mais escuros. Ali, a vida perdeu um pouco do contraste. Eu acendi aquele cigarro que nos prometemos. E cantei aquela música que, tempos depois, esquecemos. Tentei, ainda, te alcançar. Caminhando, vagarosamente, pelas ruínas da cidade que eu construí com a ganância da minha mente. Imaginando se aquilo tudo havia realmente acontecido ou se haviam colocado algo na minha bebida. Eu sequer bebia, na esperança do celular tocar, e eu ter que sair correndo para te encontrar em algum outro continente. Foram cinco anos, e eu contei os centésimos de segundo. Nenhuma notícia sua. Nem debaixo da minha janela - como você fazia, quando, embriagada, precisando de alguém que soubesse te amar da forma que não sabia aceitar -, nem nos jornais. Nenhuma notícia sua, e eu voltei a caminhar. Como se o mundo ainda fosse o mesmo - apesar de sua ausência nele, ainda presente em mim. Leva-se um tempo para aceitar a verdade. O que me assustava, tendo lidado tão pacientemente com as suas mentiras.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Escrita.

Seus olhos. Seus olhos quando encontravam os meus - parece o início de um poema, mas é só uma declaração de amor. Nem todas as declarações de amor são poéticas, ou amáveis - como o próprio amor -, elas podem ser amargas, letais, infecciosas. Ou apenas declarações de amor, sem qualquer qualidade ou utilidade prevista. Eu nunca te deixei partir, mesmo quando me implorava, dizendo que doía demais viver por mim. Viver o que eu não pude, digo. Sempre tive problemas em encarar a realidade. Então melhor era me esconder nas fantasias ou sob o seu sorriso. Melhor era levar a vida como um ensaio para uma outra vida que fosse de verdade. Um dia você ainda vai morrer, você me dizia, disfarçando sua preocupação com a ordem dos talheres na mesa. Um dia você vai morrer, e até lá você sofrerá muito. Você meio que previa, e eu ria sarcástico. Não que eu não acreditasse na morte, é claro que eu acreditava, apesar da minha insuficiência psicológica e do meu ceticismo. Eu acreditava na morte como uma ponte. Eu sempre te falava das pontes, as pontes que nos levariam as coisas reais da vida. As pontes concretas e a magia de estarem tão seguramente presas ao chão, ao chão que ninguém vê, cobertos por metros e mais metros de água e nosso instinto de atirar-se delas. Você achava engraçado, e eu não entendia como. Eu levava aquilo com tanta seriedade. Talvez a única coisa na vida na qual eu realmente me segurava. Eu vivia pregado naquela idéia de atravessar por quilômetros, sentindo o vento balançar os cabelos, e de repente, chegar do outro lado e ver tudo mudar. As vistas mudam de acordo com o ponto de referência. Isto eu não precisaria dizer para ninguém. É algo sempre muito claro. E, isto seria, para mim, a verdadeira morte. Cruzar uma ponte, e ver tudo que eu antes via - e vivia - de uma outra forma. Com mais suavidade ou leveza. Ainda que os arcos balançassem durante o caminho - isto se houvessem arcos, eu não sei prever o quão simplória ou não é a arquitetura em volta deste ritual de verdadeira partida. Eu não tinha medo da morte. Nem medo de pontes. De cruzá-las ou me sentir tentado a desafiá-las em um salto. Ou desvendá-las. Voltando a você - e tudo aquilo que orbita em sua volta -, eu devo dizer que nunca conheci ninguém igual. Talvez eu tenha conhecido. Mas meu amor foi capaz de te mudar para mim. Eu te olhava com olhos diferentes daqueles que olhavam para os lados. E quando você se refletia neles, o mundo todo mudava. Mas não era o suficiente para que eu me desgarrasse dos meus instintos primários. O homem foi feito para a reprodução, todos sabem. O poeta foi feito para a decapitação. Alheia, nunca a dele. Somadas estas duas partes, eu me tornei o que sou. O que fui para você. Convencido de que todos os meus pecados deveriam ser perdoados - antes, convencido de que não eram sequer pecados -, afinal estava tudo no sangue. E, ao menos que você fosse capaz de me prover uma transfusão de sangue - e alma -, nada poderia mudar. Eu tentei, acho que você sabe. Tentei lutar contra meu desejo de carne e minha sede de morte - desta vez, como algo espiritual, com ressureições e renascimentos. Tentei ir contra minha natural busca por sentimentos. Sim, era impossível apenas vê-los de longe. Eu precisava sentí-los invadindo meu corpo. Você se cansou, e eu entendo. Cansou-se de me pedir para que parasse, para que não me destruisse, não definhasse. Cansou-se de me amar tanto enquanto eu amava a tantas. De ter que me buscar de madrugada em coma, descontrolado, violento, insandecido, insaciável. De me dar amor depois de eu ter roubado suspiros de outras. Eu sabia exatamente quais palavras usar para te convencer de que com você era diferente. Com você realmente era diferente. E eu sabia todas as palavras, para todos os momentos. E você sempre era minha, e se aguentava com pílulas para dormir e meias para manter seus pés aquecidos. Você me resgatava dos fundos dos poços, e depois eu te agradecia com um amor desgraçado. Eu acabava contigo e, no fundo, não era só você que sabia. Você me levantava, você me erguia, e eu te beijava, mas nada do que eu te dava cabia. E você aceitava. E vez ou outra se indignava. E então tudo sempre acabava, com a cara lavada de quem não devia nada, felicidade ou repulsa ou mais vinte anos. A minha cara ingrata. Com a feição monstruosa de quem se julga melhor que qualquer um. Eu selecionava minuciosamente as palavras e, novamente, você voltava. E eu te abandonava, ia atrás de carícias. E escrevia um haikai, depois um poema, media bem as sílabas, decidia optar por um conto, quando me doía demais, eu escrevia um livro. E eu pedia para você ler. E você sorria, mesmo inconsolável. Você podia contornar claramente as pernas de cada uma delas através das minhas páginas. E sentir o meu beijo alcançando-as. E meu desejo crescendo. E o gozo final, quando você chorava. E dizia que era tudo muito lindo, mas que não aguentava. Eu te amo para além da vida, mas isso não é amor, é a própria vida. Você lia e relia em voz alta. Seus olhos lambuzados de rímel e lágrimas. Você escorria toda. E era tudo tão lindo, mas nada ali era seu. E você não se continha e permanecia chorando, isolada por horas. Relendo tudo para tentar entender porque não havia sido com você, porque não podia ter sido com você. Era tudo mesmo tão lindo. As vírgulas, os travessões, os segredos. Um deles, eu nunca te contei. Mas permanece, além de qualquer linha ou exclamação. Eu escrevo através do que você escreveu em mim.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Headlights.

For once I want to be the car crash,
Not always just the traffic jam.
Hit me hard enough to wake me,
And lead me wild to your dark roads.



Na boca do viaduto, escondidos da saudade. Seguros. Aqui, amor, melhor deixar ir. Finja que são cinzas, encha suas mãos o bastante para escapar pelo espaço entre seus dedos. Depois as abra - se mais confortável, também abra os braços -, e deixe ir. Deixe voar. Por ser noite, e pela noite trazer, em si, pouca luz, não poderemos acompanhar os segundos em que boiarão na superfície do esgoto. Mas, ao menos, saberemos que resistirá um pouco. Eu sei, o cenário deveria ser mais bonito, mais amplo, menos asqueroso. Para fazer valer todo o tempo em que estivemos juntos. Feito fôssemos um só. Você se lembra? Eu não. Não tento recordar, melhor não insistir. Está sendo indolor, e este é o melhor dos caminhos. Mesmo te vendo chorar e se debater contra mim. Não me restaram lágrimas, nenhuma que eu possa deixar para você. Como sempre disseram, tudo chega ao fim. Até aquilo que prometemos fazer durar. Existem coisas, raras exceções, coisas que são eternas. Nós não fomos. E não por descuido ou por descaso. O motivo é simples e claro. Os corpos mudam e os encaixes se desgatam ao tentar qualquer adaptação. Nossos corpos se oxidam, e enferrujam e, de repente, um par que era perfeito, já não é mais par. Não que tenhamos atingido a perfeição. Longe disso. Estávamos mais para um desastre. Uma falta de sintonia, uma desorganização. Eu e você poderíamos estabelecer o caos no mundo. Quantos lados tem um mundo? Para saber o quão longe ficarei de você. É melhor não nos olharmos, nem nos sabermos, nem nos encontrarmos. Fingir que nada nunca aconteceu. Meu Deus, como as palavras são fáceis. Eu posso não me lembrar exatamente de como éramos quando formando um corpo só, chorando uma dor só, amando um amor só. Mas eu sei do impacto que você teve em mim. Suas mil malícias e seus furacões. Era te olhar para sofrer de desritmia, estar suscetível a ataques cardíacos, perder o chão - e também a cabeça. Você ainda diz que me ama, que é arriscado me perder de vista, que não consegue se controlar, e tenta me roubar um beijo e tenta - mais uma vez - me roubar a vida. Mas tornou-se difícil acreditar em você. Que primeiro estava aqui, e depois estava com outros. E me tinha nas mãos, e beijando seus pés. Jurando todos os amores que lhe eram possíveis. Mas dividindo seus lábios - tão meus - com outros. Eu não soube amar deste jeito. E só você sabe como tentei. Amor livre, você me dizia, não sei amar de outro jeito, você insistia. E então reviramos as explosões dos outros. Reviramos os mundos dos outros - para dar sentido ao nosso, talvez. Pois é tão perfeito e você me faz feliz - e então você lambia minha nuca, e escorregava por minhas costas, e eu me cedia a todos os seus caprichos. Nós nos sentávamos em uma rua cheia de gente e de bares. E acendíamos nossos respectivos cigarros. E você apoiava sua cabeça com as mãos, e ignorava minha presença. E depois me percebia acuado. Escolha uma explosão - e era você, era você mais e acima de tudo. Eu não me interessava por outras pernas, nem outras transas, nem outras semi-paixões. Era sempre você. E você não pôde prever, nem com seus papos espirituais, nem com seus filtros-dos-sonhos, nem com nada. Você acreditava que eu nunca iria embora. Pois bem, você mesma me expulsou. E se dói agora, foi uma escolha que você abraçou. Também dói em mim, embora eu disfarce com amnésia. Quando se abre mão de um amor assim, é sábio abrir mão da memória. De alguns bons momentos da vida. De alguns cheiros e sabores. Doerá muito mais, e a dor parecerá incurável, incessável, mas uma hora passa. Daqui alguns anos e outros beijos, talvez a gente se esqueça. Assim, se esqueça de verdade, e fique desconcertado em não mais lembrar um do nome do outro. Ou talvez a gente apenas se acostume. E substitua por alguns amassos. Eu não queria que terminasse assim. Mas você não sabe amar. E eu precisava disso. Como se fosse algo forte o suficiente para me salvar de tudo. Agora eu só espero que você se salve de si. E não se arrebente entre as quinas e calçadas.
"Tenho muito medo de me apaixonar. Também tenho muito medo de morer. E, ambas, são coisas que eu sei que, um dia, irão acontecer."
Eu lembro de quando você me disse, e eu acreditei.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Tanto Quanto Maior.

É assim que eu me curo das grandes coisas na minha vida. Através da reclusa. Do confinamento. Da solitária. Quando ela foi embora, eu precisei me curar. Eu me tranquei nos quartos. Em todos eles. Em qualquer lugar. Eu atirei minha cabeça - repetidas vezes - contra a parede. Eu descasquei os pedaços sólidos de tinta em volta das rachaduras. Eu cortei a ponta dos meus dedos. Eu sangrei. Eu sangrei para caralho. E eu morri. De forma a renascer. Depois de um ano ou seis. Quando o formato do rosto dela perdeu a nitidez. E eu esqueci da cor de seus olhos. Da saliência - ou não - de suas olheiras. Quando eu a deixei ir. E não mais amava suas coxas, nem seu sorriso, nem seu pâncreas, nem seu fígado. Quando eu não fiz mais questão de sabê-la de cor ou de tê-la no coração, eu acordei para ver o sol. Era um dia quente. Provavelmente por ser verão, ou por eu ter quebrado o ar-condicionado em um chute. Ela existiu por pouco tempo na minha vida. Digo, fisicamente. Eu não recebi muitos abraços vindos dela. Nem muitos beijos. E ela não me chupou, nem me amou. Nem me pediu em casamento, nem quis ter filhos, nem veio contra meu corpo em movimentos desejosos ou horizontais. Nem ziguezagueou pela minha cama. Ela gostava de me puxar pela barba e, achando que eu gostava de volta, ria e me beijava a ponta do nariz. Sempre dizia que eu tinha cara de moleque. Se eu tivesse sido mais homem - com isso, quero dizer mais violento -, talvez ela teria achado instintivo pertencer a mim. E ficar comigo, por mais dez ou três mil noites, pela eternidado. Ficar comigo até a hora do jogo, e limpar a poça de cerveja, e reclamar das manchas nos móveis, e me trazer um guarda-copos, e morder minha orelha e se colocar para dormir em cima de mim. E ficar comigo. Por um tempo, era tudo que eu quis. Que ela tivesse ficado. Porque algo ali era diferente, e especial, e imediato, e inconsequente. Tipo de coisa na vida que é fácil de se inventar motivos para evitar. Ela evitou, entre um piscar de olhos e dois segundos tentando tirar um cílio preso na pálpebra, ela pegou a bolsa e saiu. Sequer se deu o trabalho de fechar a porta. Dois dias depois estava se enroscando e brincando de amor com um outro. Não procurei saber, mas são coisas que, sem querer, a gente sabe. A garganta aperta, o ar arranha, o coração acelera e de repente a gente pensa que alguma coisa ruim está prestes a acontecer, e conta para um amigo, que te serve uma dose de whisky e te diz que você anda muito estressado por causa do trabalho. Mal sabendo ele que você pediu as contas na semana passada porque queria arrumar uma mochila e se mudar para Toscana por um mês ou dez anos, porque tinha encontrado a pessoa certa e você merecia aqueles momentos felizes nos vinhedos no sofá no chão da cozinha sem as partes de baixo ou totalmente pelados coberto de chocolate ou sujos de lama sem se importar com nada. Eu soube. Eu senti alguém se aproximando dela, e ela sem se esquivar. E meu celular tocando, e um amigável aviso ei, amigo, eu vi a Fulana aqui na festa com Fulano num movimento estranho vocês ainda estão juntos? Nessas horas a gente só responde, e em algum momento estivemos? E finge que está tudo bem. Porque está tudo bem não está? Porque eu nunca olhei para ela e a amei sem precisar explicar como eram amáveis seus lábios como eram amáveis suas maçãs-do-rosto suas negligências suas overdoses seus rins seu nariz seus lábios sua timidez sua língua suas artérias seu fígado suas sardas suas pintas sobre os ombros seus joelhos arroxeados sua vontade de correr mundo. Porque eu nunca a olhei de olhos fechados. Nem a tive em sonhos. Nem a guardo como um tumor que a cada vez mais cresce e cresce e cresce e me definha e me tira o apetite a razão a vontade de acordar sorrindo a vontade de acordar apenas. Mas eu disse que a deixei ir e mantenho a palavra. Nunca mais liguei depois das duas da madrugada perguntando se viu a lua e pedindo para alguém rir ao fundo só para ela achar que eu não estava ligando por estar desesperado nem em crise de abstinência. Para disfarçar o amor primitivo e irracional que eu cultivava. Para disfaçar porque esconder era impossível, bastava escutar a primeira sílaba de seu nome que meu coração já acelerava e escapava do corpo e ia até onde você estava só para te observar e pensar meu Deus como eu escolhi amar o amor certo. Mas depois se arrependia, quando outro par de olhos de invadia e não era eu deitado ao seu lado assistindo televisão e comendo pipoca e sendo amado. Era difícil me amar, mas seus motivos eram outros. Não era você, era eu. Com você tudo bem, coração a mil, jovial, com um ou dois hematomas, nada muito sério, né, Doutor, eu vou conseguir amar assim de novo, né, só vai doer um pouco, mas vai ficar tudo bem, né. Ficou sim, você só não precisava dizer que o problema era contigo e me deixar angustiado, perdendo noites tentando descobrir quem diabos havia te deixado assim e arquitetando planos para acabar com o tal cara, enfiar a cara dele na privada e dar um belo chute no saco que um dia, pelo visto, você amou sem pudor algum. O problema era comigo, com o amor que você não quis me dar porque, aparentemente, eu não era digno de receber. A cor da minha pele é a mesma de quase todos os homens, a minha estatura também, meus olhos tem a mesma cor de uma poça de lama e eu não tenho nada de especial. Mas mesmo assim você preferiu se entregar a outro. Eu não representava nenhum mal. Não tinha nem charme para instigar ciúmes, nenhum músculo para aumentar o calor. Eu era o mais simples dos simples, vai ver isto te deu medo. Porque eu andava na rua e as pessoas olhavam surpresos com o meu rosto que era o mesmo que poderiam ver do outro lado do mundo. Só uma coisa me salvava de não ser mais um na multidão. E não eram minhas palavras nem meus poemas nem meus surtos psicóticos nem minha depressão nem meu umbigo para fora nem meu vinho favorito: era o amor que eu deixava explodir na minha pele por você. E era inegável, irrevogável, e todos sabiam. E quem não sabia, imaginava. Era tanto amor que eu podia distruibir à noite para os pobres, servir em um panelão e depois dar abrigo. E nunca faltaria mais, pois se multiplicava. Tigelas quentes de um amor que você negou receber. Eu devo ter te assustado, mas eu não era assim tão claro, a não ser através da minha pupila que dilatava toda vez que você surgia na frente dela. Eu te esqueci. E isso chega a aumentar a dor. Porque eu falo da boca para fora. Já tão cansado por ter permanecido anos e anos calado. É assim que eu me curo das grandes coisas na minha vida. Através da reclusa. Do confinamento. Da solitária. Quando ela foi embora, eu precisei me curar.

O Romance do Século.

Eu começaria falando dos seus olhos, ou da cor dos seus lábios, ou dos seus fios grossos de cabelo. Poderia começar, também, pela ponta do seu pé esquerdo, e subir por sua canela, atravessar a ponte até as coxas, descrever cuidadosamente qualquer rigidez ou umidade. Eu também poderia não falar, e apenas observar. Mantendo em segredo sua beleza oculta. Eu queria te beijar até que não faltasse nem um pedaço. Nem um mínimo pedaço. Assim eu saberia que, pelo menos neste momento, você foi completamente minha. E completamente conhecida e adorada por mim. Adoração é uma coisa que poucos conhecem. Limitam aos deuses e santos. Eu posso dizer que pude adorar algo mais concreto, palpável. Eu pude adorar seu corpo, e também suas diversas formas de dizer a mesma coisa, e suas mãos coçando os olhos toda vez que o sol entrava e eu não podia te proteger. Queria eu ter sido capaz de te proteger de tudo, sempre. Mas você tem suas pequenas cicatrizes. Cada uma com uma história, uma tragédia, uma redenção. Você sempre me diz que não se arrepende nunca de nada, e depois me pergunta se me sinto do mesmo jeito quando as coisas acontecem. Eu nunca sei o que te falar. São sempre tão ineficientes minhas palavras comparadas as suas. Talvez por você falar com tamanha consciência da vida. Como se sabendo do peso e da podridão de cada coisa. Você parece ter nascido anos-luz antes de mim. Toda sábia com sua saia-rodada fazendo cócegas em mim. Sob a sombra de uma árvore, puxando os pêlos da minha barba, e discursando sobre o imenso azul do céu. A imensidão que eu conheço vem dos seus olhos. E voa dentro de mim. Sem pressa, sem se preocupar. Desbravadora e destemida. Um desejo de viver e ser feliz. E ainda que todos falem que é errado, errado mesmo é não saber amar assim. Porque nós temos tudo. Desde que baste termos a nós mesmos. E espero que seja assim para sempre. Seus olhares mútuos de si. Foi assim que um dia nos descrevi. Quando tentei colocar em palavras todos os efeitos causas e colisões que aconteciam entre nós. Até entre os seus defeitos eu poderia morar. E dizem que se passou o tempo, e que ele ainda passará. Eu digo dane-se. Eu não tenho pressa, só desejo. Desde a primeira vez em que coloquei os olhos em você. Eu ainda me lembro. Sem nenhuma dificuldade. Meu estômago começou a bater e meu coração se ocupou da digestão. Acreditando que, na vida - assim como nos romances -, existe apenas um ponto de clímax, eu me sinto sincero o sufiente ao dizer que foi ali. Eu poderia ter culpado o álcool, ou o neon, ou as batidas altas o suficiente para me deixarem tonto, mas foi você que me sufocou. E me tirou do chão. E me tirou da terra. E me tirou de tudo. Entrei em você como se já houvesse passado pelo purgatório e, ali, em suas curvas, eu estivesse tateando o paraíso. Que bela vista de lagos e mares e prazeres. Eu te desejei como nunca, e vem sido assim desde então. Um incessante e incansável desejo que só se satisfaz quando...um desejo que nunca se satisfaz. E que, agressivo, não te permite escapar de mim, nem mesmo nos sonhos. Eu sinto você me sentindo. Um amor menor do que o meu. Eu não me desespero, nem desisto, ou tento remendar comigo. Eu vou levando, e esperando que um dia aumente. Ou que fique assim, contanto que não diminua, ou não acabe refratando para outros lados. Seu amor reflete uma miniatura do meu. Eu não quero te acordar. Você parece em paz. Não sei de onde ela vem. Mas eu gosto de te ver assim. Mesmo com a possibilidade que não seja por mim. E são o suficiente para saber que eu não sou tudo na sua vida. Vou continuar calado, como estava, antes de te perturbar - sem que você saiba - com meu amor inquieto. Continuarei lendo os maiores romances do século. São todos tão desprezíveis, insossos. Mas, apesar de tudo, são bons os autores. Só há um problema. Eles não puderam escrever o maior amor do mundo. Mas nós podemos vivê-lo.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Doce Realidade.

Eu só vou falar daquilo que você não quer saber. Dos olhos dela, da força de seus abraços, de como dormimos o sono dos santos. De como ela não me lembra você, nem por um minuto. De como ela te faz ir para cada vez mais longe. De como ela não é você. De como ela tem sido aquilo que você não quis, não pôde...você fugiu. Em um desencontro, eu cheguei com meia-hora de atraso, e você não estava mais lá. Depois disso passei a me questionar se, um dia, realmente esteve. Eu achei ter escutado você dizendo meu nome. Mas era o barulho do vento. Eu confundi a presença das damas-da-noite com o seu cheiro. De todo o amor que eu te dei, você só me deixou a loucura. De tudo que eu te dei, ficou, apenas, um espaço. Um vácuo entre as células. Outro bem no centro do coração. Nas paredes, e na cabeceira da cama. Você arrancou tudo, e será que percebe? Será que notou? Será que sofreu? Com mais meia-hora e dois anos de atraso, você voltou. E queria tudo do mesmo jeito. Foi de revirar o estômago. Você de pé na entrada do prédio abrindo os braços e dizendo voltei. Como se nada nunca pudesse ter mudado. Como se você tivesse feito um pacto com o diabo e parado o tempo. O meu tempo. Do seu pacto, eu não duvido. Você encobria muito bem todos os seus segredos. E se mostrou tão assustada quando viu alguém saindo do carro logo ao meu lado, segurando as mãos que um dia foram suas, e te olhando sem saber quem você era. Acho que isso foi o que mais te assustou. Descobrir que eu não te mantive viva para sempre. Não descarto a possibilidade de nosso amor ter sido apenas uma ilusão de óptica. De nada daquilo ter realmente existido. Nem nosso tempos juntos, nem o nosso reencontro - prefiro, na verdade, chamar de seu retorno, porque ali, a única coisa que eu encontrei, foi a personificação de um pesadelo. Você não demorou muito tempo até subir em cima de mim e tentar me agredir com sua ilusão de amor. Ao mesmo tempo, querendo beijar meus lábios, e querendo pendurar minha cabeça em uma praça. Você me contou, logo no nosso começo, que achava linda a cor e a densidade do sangue. Quanto eu te perguntei os motivos para tantas tatuagens. Eu gosto de ver escorrer, e se virou para a janela. Estava toda nua, mas completamente ausente. Vidrada na velocidade dos carros, ou na velocidade de nossos sentimentos. Fumando um cigarro, e prendendo suas longas mechas de cabelo em um coque. Naquele momento eu soube que era amor, e não só crises de ansiedade. Naquele momento eu te quis mais do que nunca, mais do que alguém um dia poderia te querer - era difícil para alguém te querer tão inflamável como você era. Tão volúvel. Inconsistente. Inconstante. Quando eu achava que você estava em minhas mãos, você escapava. Com o olhar preso às rachaduras do teto, aos títulos dos livros na estante, falando das asas das borboletas e dos signos astrológicos. Você nasceu que horas? Nunca me dei muito bem com escorpianos...e eu só querendo enxergar qualquer possibilidade de entrar em você. Pela boca ou pelos seus outros buracos. Eu me encantava por cada fibra de seu corpo. Por cada um dos seus suspiros. Quando você caía no sono, era quando eu nos sentia mais próximos. E eu me imaginava caminhando pelo seu inconsciente. E você vendo nós dois, bem mais velhos, sentados na varanda. Eu realmente acreditava que existia alguma paixão por mim em você. Que não fosse somente um surto ou um espasmo. Algo que, mesmo intocável, nos penetrasse de forma a nos manter ligados. No dia em que você desapareceu, eu cheguei a pensar que o mundo tinha acabado. Foi ali que ele começou. Quando eu realmente enxerguei o que era a realidade. Não era me sentindo tão preso a alguém que eu descobriria o que era estar acompanhado, ou ser amado. Eu te queria por você não precisar de mim. E, não me precisando, fazendo com que eu te precisasse mais e mais. Foi um vício, um dos mais difíceis de se largar. Se você não tivesse me largado tão desumanamente, eu nunca teria te enfrentado. Mas lá estava você, de braços abertos, fingindo que era amor de verdade, e como fingia tão bem. Não nego que quase acreditei. Mas ela estava lá para apertar meu ombro. E me lembrar que eu era humano. Portanto eu deveria viver a realidade. E não um engano.

domingo, 3 de abril de 2011

Amanhã Não Pode Ser Outro Dia.

Estou sem notícias suas desde que nos despedimos mais cedo. Você entrou no carro, e eu levei alguns minutos para querer sair dali. O que construímos é secreto, portanto delicado. E ninguém nunca saberá - nem entenderá. Melhor assim. Nós dois vivendo paralelamente, por uma hora ou duas, e depois enfrentando o que há na vida. Sei que prometemos não confundir, nem idealizar. Mas me enoja somente a idéia de te imaginar encostando sua boca em uma outra. De imaginar outra língua desvendando suas palavras. Sua saliva é minha. Meu amor é seu. E seriam só encontros desgarrados de tudo. Só encontros. Um café ali e um cigarro aqui. Uma mão subindo e uma calça descendo. Coisas que acontecem entre quatro paredes e ninguém pode saber. Eu não nos contei para ninguém. Existe um pouco de medo, de me convencerem de que realmente é errado, desnecessário, insalubre. Eu não fugiria de você nem mesmo se, outra vez, me mostrasse suas garras. É preciso se machucar, você mesmo já me disse. Da primeira vez que passou por um surto e resolveu me deixar. Mesmo dizendo que não estava me deixando, porque aquilo não era nada, e não o sendo, não tinha como deixar para trás. Quando você fala, com sua voz rouca, porém suave, você não imagina como despedaça tudo. Você não sabe como é afiado. Até mesmo não falando. Somente existindo. Quando você existe no mesmo cômodo que eu, todo o resto se apaga - e nisto, incluo tudo o que mais importa na vida. Quando você existe e ainda se faz presente no mesmo mundo que eu, eu declaro feriado. Tiro férias prolongadas e o resto que se foda porque eu tenho você. Às vezes eu tenho mesmo a sensação de te ter. E me iludo pensando que poderíamos existir assim juntos para sempre. Você se vai. E eu não me espanto. Já me acostumei com a dor. E assisto, calmamente, você me dar as costas. É o momento em que tudo para, e o coração desinfla. Parece que tudo se perde. Pois eu vejo aumentarem as chances de te perder. São milhões de pessoas vagando por aí, vai que em uma delas você se encontra. Temo pelo dia que você me dirá que nada disso vale à pena. Que é melhor irmos. E só você se vá. Porque é difícil abrir mão daquilo que te mantém de pé. Não suporto a hora em que acendem as luzes dos postes. Não consigo entender como o dia virou noite e tudo pode se tornar diferente. Não consigo aceitar como isso pode acontecer com a gente. Se suas luzes se acenderem e você se tornar distante. Se tornar passado. Eu me tornar passado para você. E você tentando me explicar que tudo foi realmente nada. Não vou ser capaz de entender, nem de me livrar. Nem de você, nem das lembranças, e a vontade de querer bem e querer perto. Prevejo seu rosto intacto e o meu escorregadio de tantas lágrimas. E você indo embora. Dizendo que desta vez é pra valer. Se um dia eu te perder na multidão, não saberei onde encontrar abrigo. Você não sabe o quanto isso tudo machuca. Quando você me conta que conheceu alguém, e que por isso não poderá ficar muito tempo. Que encontrou alguém e não sabe no que vai dar. Quando você me diz - ainda sem dizer -, que não se encontrou em mim.