sábado, 30 de abril de 2011

Descrença.

O mundo parou. Em nenhuma língua, haveria maneira tão clara de dizer o que aconteceu naquele breve momento em que ela desapareceu. Eu reabriria todas as portas, se fosse preciso, para entender o que se passou. O que passsou despercebido por mim. Achava que éramos um para o outro - creio, hoje, que acham-se assim todos os amantes. Mas naquele derradeiro segundo, o que antes eu achava, acabava de se perder para sempre. Sua primeira aparição poderia ser comparada com a de um cometa que, por sorte, meus olhos acompanharam. Ela cintilava com o neon. Dez minutos depois de meia-noite, inesperadas pancadas de chuva e ininterrupta garoa. Ela me chamou os olhos. Mas seria exagero dizer que, justo ali, eu pude sentir meu coração inchar de modo diferente. Ela não era a única que se destacava no cinzento deslizar da noite. Mas Deus - em momentos de raiva, eu a jogava até para o diabo - quis que fosse ela. E o pior, quis que fosse assim. Não sei se por vingança, ou vaidade, atirei a culpa de tudo em todos - nisto, em qualquer um que não fosse eu. Por quase um segundo, eu chegava a me sentir mais leve. Nunca ninguém disse que seria fácil lidar com a perda. Se houvessem dito, quem é que teria acreditado? O mundo é dos ignorantes, eu acho. Talvez só eles sejam capazes de viver - pois, em certos momentos, respirar é tão duro, que é impossível se desvencilhar dos sonhos de morte. Eu tinha amigos antes dela. Privacidade entre quatro paredes. Parcelas já quase quitadas de uma viagem com tudo pago para a Europa. Sonhava acordado. Sonhava dormindo. Eu ainda dormia antes dela. E, mesmo aos Sábados à noite, era quase sempre tudo calmo. Do jeito que as coisas tem que ser, eu mesmo me dizia, para não confundir a paz com monotonia. Ao reler estas linhas, percebo não esconder tão bem a raiva que ainda me resta - única forma de tê-la por perto é estando com as mãos sedentas por sua garganta. Mas eu não posso me esquecer dos níveis mais próximos da felicidade plena. Como quando eu ria da minha própria risada. E via cores até em uma tela em branco. Não me esquecia dos olhos dela. Como se neles eu enxergasse a luz. Não me esquecia do sorriso dela. Como se neles eu me acabasse em gargalhadas. A cicatriz que ela carregava desde a infância - um motivo para dormir feliz. Os pequeninos riscos em seu par de lábios - verdadeiros versos e poemas. E o meu tato tateando toda a superfície daquele corpo - tão forte, mas já tão ferido. Meu Deus, como é doentio o amor. A dependência em outro ser vivo para estar vivo também. As coisas mudam - não é preciso ser nenhum poeta para prever. O tempo passa - já diriam os deuses. Reconstruo, como posso, nossa história em minha cabeça. Desde seus fios de cabelo no ralo, aos seus pés congelados da neve. Desde o primeiro olhar - com o qual achei que seria, ainda, para sempre o mesmo - aos retalhos de um bilhete. Ela sequer se deu ao trabalho de escrever uma carta, ou me esperar chegar do trabalho, ou deixar a geladeira cheia. Nem agradeceu por eu tê-la amado sem nunca ter pedido nada de volta. Nem explicou os motivos da separação. Nem se lembrou do que havíamos vivido e voltou para a ceia de Natal. Nem nunca me ligou. Nem nunca mais a vi. Restaram as fotografias da memória, que perdem a nitidez na velocidade das coisas que se perdem assim tão rápido. Foi acreditando no amor, que eu acabei desacreditado de tudo.

5 comentários:

Unknown disse...

Eu não saberia explicar o efeito que a tua escrita têm sobre mim. Só sei que sempre que eu tenho algo para falar - que encontro alguma dificuldade em me expressar, são nos teus textos que eu me encontro, me acho...


Você traduz tudo o que eu sinto, e o sentimento de não estar sozinha no meio da multidão diminui ao saber que ainda existem pessoas com tanto dentro, e que ainda sentem algo tão bonito.. assim!
Parabens Julianna.

Julianna Motter disse...

Que bom saber que o quê escrevo serve para o (re)encontro de algumas pessoas. Obrigada, de verdade! Continue se encontrando aqui!

Anônimo disse...

(...) Meu Deus, como é doentio o amor (...) pensei nisso ontem a noite. E esse tal amor que me intriga não consigo escapar, será que foi feito só pra machucar?

Danubya Medeiros. disse...

"Nem agradeceu por eu tê-la amado sem nunca ter pedido nada de volta..."
Sem mais, esse texto encaixou perfeito em algumas coisas dos meus últimos dias.
E você, é um talento!

Luara Quaresma disse...

Você escreve intensamente bem (: