terça-feira, 31 de maio de 2011

Pupilas.

Nos humanos - e em outros seres vivos -, foi comprovado que as pupilas dilatam quando colocadas em frente a um estímulo prazeroso. Primeiro, os seres humanos, desde pequenos, são levados a irem em frente e evoluírem em razão dos estímulos - os primeiros passos e sorrisos, a repetição de palavras. Segundo, entende-se - quer dizer, é entendido por esta vulgar pessoa que vos escreve - "prazeroso" como qualquer resposta positiva a um estímulo - cuidado: aproximando-se ou não do campo do prazer sexual. Então, supostamente, bastava que ela sorrisse - ou melhor, bastava que aparecesse - para que minhas pupilas se dilatassem. As duas, instantaneamente, como se dissessem: você está, finalmente, aqui, agora posso abrir os olhos e me importar com o mundo. Digo "supostamente" pois, por hora, prefiro me manter distante das palavras que redijo aqui. As respostas aos estímulos - reações, por assim dizer -, na maioria dos casos, têm o mesmo peso que os estímulos em si. Por exemplo: a palavra que mais foi repetida por mim durante o período de aprendizagem foi "merda", que, na época, era a mesma palavra mais usada pelos meus pais. E, também, era a coisa mais feita por eles: merda. E era em volta disto que eu via minha vida girar, pois tratava-se basicamente disso: um carro alegórico feito de merda - construí esta imagem em cima do conceito de Carnaval para deixar claro que, obviamente, havia uma fantasia em volta de toda a bosta. E não preciso sequer adicionar a parte de que todo Carnaval - aliás, toda festa - acaba. E mesmo toda a merda tendo desabado em cima de mim, prefiro não me prolongar com detalhes agora. Só precisei de um exemplo. Voltando, é claro que existem estímulos que geram respostas opostas a eles: mesmo cercado daquele ambiente insalubre - para não dizer mal-cheiroso, escroto, grotesco - eu cresci para me tornar um homem de férias de fim de ano em um resort na praia - praias privadas, é claro -, cinco carros empoeirando na garagem, e todas as cartas e todos os naipes na manga. Quanto ao estímulo do meio, então acho que respondi e me desvencilhei bem - e rápido, visto que, já aos 23 anos de idade, eu ouvia dizer que tinha o mundo aos meus pés -, e o que eu tinha, por mérito próprio, era extremamente limpo e invejável. Mas do que adiantava respirar um ar tão puro sem encontrar reais motivos pelos quais, repetidas vezes, inchar os pulmões? A felicidade - aquilo que eu chamava assim - me levou à exaustão. Os tantos estímulos e as tantas áreas de reação - o corpo, a alma, os sentimentos, os ambientes - desencadeiam uma série de variadas - e mutáveis - respostas. Que se sequenciam - e, às vezes, se atropelam ou se atraem - numa espiral. Vejam, comecei a escrever aqui sem grandes prentensões, e agora percebo que desvendei toda a estrutura que sustenta a vida. Suponho assim que, deve ter sido sentado na cozinha, lambendo os dedos - ou em qualquer outro momento particular - que Shakespeare percebeu que dois amantes mortos - em razão de serem "amantes" em seu significado real -, fariam um fiel retrato do amor verdadeiro. Ou que Einstein formulou a Teoria da Relatividade. Ou que Deus decidiu criar Adão e Eva. A verdade, é que eu cambaleei do quarto para o escritório, e me sentei aqui, e cacei umas folhas utilizáveis, e forcei a caneta até que saísse tinta, para que eu pudesse encontrar maneiras de contar uma história. Tem a ver com a dilatação das pupilas, a criação do universo, os estímulos, o momvimento dos pulmões, a sobressalência da merda, as respostas: a vida, no final das contas, tudo acaba na vida. Tendo passado os primeiros estímulos, bem depois dos primeiros sorrisos, passos, da repetição de palavras, do começo do Carnaval, do cheiro de merda, da válvula de escape, das tentativas falhas, do fim do Carnaval, da revolta, seguida da fuga, e depois a reviravolta, e então branco, clareza, bom cheiro, felicidade, água quente, oceanos, coquetéis, crise de meia idade: era Fevereiro, eu deveria estar, mais uma vez, na praia. Combinando cervejas com coquetéis excessivamente coloridos e tropicais, sentindo o sal, o mar, o sol, e a areia, abrirem meus poros. Mas era Fevereiro e, pela primeira vez, eu me questionava: do que adiantava respirar um ar tão puro sem encontrar reais motivos pelos quais, repetidas vezes, inchar os pulmões? E, também pela primeira vez, eu percebia que, aquilo que eu chamava de felicidade, havia me levado à exaustão. Pois, em algum trecho do caminho entre os amontoados de bosta e as mesmas mulheres bêbadas em cima dos mesmos lençóis impecáveis, eu confundi geometria proporção cautela cuidado exatidão com felicidade. Em menos de dois minutos eu percebi que nunca havia sido, realmente, ou por mais de um momento solto no tempo, feliz. Eu estava escorregando do controle da minha própria vida quando a visão foi, certamente, a mais inesperada. Se, até então, eu jurava que meu coração havia sido destruído junto a uns outros brinquedos quando eu estava beirando os nove anos, ali eu o percebi ainda comigo. Supersônico, na velocidade da luz, tanto faz, bateu. Da forma que bateria de novo, e de novo, todas as vezes que aquela imagem apontasse no alcance de meus olhos. Não vou citar nomes. Nem dizer que, mesmo com todas as sensações teatrais incontestáveis, eu acreditei desde o primeiro momento. Nem negar que permaneci cético pelo máximo de tempo que pude. Não vou dizer que foi amor à primeira vista. Até porque, só neste momento eu dei vida à minha imagem. E ainda dou mais, aliás, devolvo: aqueles longos cabelos de uma cor que nem Deus sabe, formando pequenas ondas que desciam por pouco mais abaixo dos ombros brilhantes de sardas, o par de olhos perfeitamente encaixados sobre...provavelmente, tudo mais belo por encanto do que por verdadeira beleza. Mas eu ainda prefiro acreditar. E quando, enfim, veio o amor, eu mal podia diferenciá-la dos deuses. O amor tem esse poder de enfeitar o pouco para, no final, só nos fazer feios. Foi vivendo por ela que eu descobri o que era a vida. Assim como foi tentando escrever sobre ela, que eu pude desvendar a estrutura desta vida que ela mesma me trouxe. Ou reafirmar o que ela tantas vezes repetiu. Que eu havia me tornado um louco. Eu entendo este julgamento dela, pois meu amor tomou formas ridículas, desleixadas e compulsivas. Mas quando minha genialidade fizer de mim louco, não se preocupem, eu vou ser o primeiro a lhes alertar - até então, podem continuar medíocres. Enlouqueci por acreditar no amor. Mas ele se transforma e é difícil reconhecê-lo. Mas não quero falar da escuridão. Clichê, mas se ela nunca tivesse me salvado, eu nunca teria a chance de ter me perdido - e deliciosamente - de novo. Depois do primeiro encontro, eu não pude deixá-lá escapar - ao menos não fui capaz até nos percebermos completamente lascivos um ao outro. E não foi preciso muito para mantê-la ao lado: nenhuma extravagância, nem excesso de perfume, nem elaboração de outra perfeita e compatível personalidade. Ela soube quem eu era desde o primeiro desvio de assunto, e nunca foi preciso disfarçar. Acho que amor é isso, esse entendimento mútuo. Ela foi a única pessoa a me fazer entender que o mundo não precisa ser só redondo. Que não há um mundo que seja só meu. Ela limpou a poeira do meu Universo. E bastava que ela sorrisse - ou melhor, bastava que aparecesse - para que minhas pupilas se dilatassem. As duas, instantaneamente, para dizer de forma que só ela escutasse: você está, finalmente, aqui, agora posso abrir os olhos e me importar com o mundo. Agora que, tudo aqui, faz um pouco de sentido, eu consigo rever, nitidamente, o primeiro ato. A raiz de toda emoção. O primeiro olhar, a primeira palavra, o primeiro toque, o primeiro beijo. Estiveram, desde o começo, claros os desejos. E com o amadurecimento - e a sequência dos atos -, também claros os sentimentos e, pior, os pensamentos. Quando o amor se torna absurdamente grande, é difícil diagnosticar e controlar qualquer tipo de psicose. De repente, de amantes - hoje em dia, melhor "amores" -, nos tornamos até videntes. Foi de tanto medo que eu te fiz ir embora. Era tanto medo de te perder, te ver saindo às escondidas, de te perder de vista na multidão, ou de ser abandonado por outro, que acabei por te sugerir tudo isto. Maior era o medo de que você descobrisse que ainda era pouco amar assim. Que o mundo era maior do que podíamos imaginar - fiz uso das suas lições. Eu nunca quis que você se assustasse. Mesmo tendo enlouquecido - para você -, no final parece que eu fiquei com o "são" do "salvo" - se houve entre nós esta separação tão regrada. Até as coisas mais lindas acabam. Aliás, principalmente as coisas mais lindas acabam. A beleza tem o dom de sufocar as coisas. Era tão linda a espontânea como nos pertencíamos um ao outro. Tão lindo como parecia estar predestinado. Como parecia que éramos predispostos geneticamente a isso: sermos um par. Como parecia que não existiam, no mundo, forças suficientes para, mesmo somadas, nos separarem. A imagem que tenho de nós agora, depois do fim do último ato, é a de que havíamos tomado controle de um trem transcontinental e, depois de termos passado por longas e prósperas vegetações, depois de lagos e beira-mar, encontramos com o deserto. Entre escolher um ou outro caminho, cada um puxou mais para um lado. Você sabia que nunca teriam nos alcançado, mas teve medo. Um medo que eu te dei. E eu sabia que tudo iria explodir logo depois. Como fogos de artifício, caixas de dinamite, como um par de pupilas se explode toda vez que se ama.
Como é natural a todos os amores que, mesmo explosivos, dilatam-se e acabam.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Bordados.

Vai ver era só dizer a ela assim: oi, moça, por favor, cuida bem de mim.


Ainda vemos as estrelas. Mesmo anos e anos depois de terem partido - será se estrelas, quando morrem, também vão para o céu? Ainda sentimos o amor. Mesmo anos e anos depois de termos partido - será se amores, quando morrem, também vão para ao céu? Não faz muito tempo desde que virou a esquina. Seu cheiro ainda resiste. Mas a cor dos seus lábios nunca mais foi a mesma - memórias também perdem o contraste. Nos dizem, desde pequenos que as coisas todas passam - e é verdade. Especialmente por cima de alguns. Tenho a certeza de que nunca mais fomos os mesmos - nem para nós, nem para outros. E certeza de que foi melhor assim. Mas a verdade é que sempre ficam marcas. Sempre ficam marcas. E se as minhas foram cortes, tenha certeza de que demoraram para fechar. Embora eu te desejasse infinitas felicidades, sorrisos, o mais quente dos amores. Embora eu te desejasse - ao menos te dizia que sim - as coisas mais bonitas, eu não aceitava que as recebesse longe de mim. Embora eu te desejasse, eu precisei te deixar ir. Haviam aqueles momentos em que meu amor e sua partida, somados, saltavam como raiva e violência. Haviam aqueles momentos em que a dor era tanta que qualquer outra coisa na vida perdia o sentido. Nos piores dias, a vida toda perdia o sentido - sofrer por alguém é, no mínimo, tentador, e eu me rendia. Passava horas me torturando por um retrato, uma peça de roupa que ficou esquecida, uma das milhões de frases que havia sido lida. Eu não sabia aceitar. Acho que, até hoje, ainda não aprendi. Pois ardeu tanto, e doeu sem prazo de ter fim, e eu não podia suportar a idéia de que termaria mesmo daquele jeito, naquele ponto - aliás, levaram-me anos e brutas pancadas para abandonar a inocente ilusão de eternidade. E o que adianta ser amado se você não se sente assim? Usava as palavras pra me confortar. Assim como as reações químicas são acionadas por substâncias, as reações humanas são acionadas por palavras. E eu voltava no passado e revivia os seus dias perturbados e, neles, mais uma vez você me expulsava - do quarto, da sala, do prédio, da sua vida. Para dias depois, manter do mesmo jeito. E, antes de atingir uma semana, eu me ajoelhar subindo as escadas implorando para voltar para casa. A verdade é que eu implorava por amor. Eu precisava te implorar para ser amado. No fundo, eu sei que você me amava até mesmo sem aquele dramalhão mexicano. No fundo, eu sei que você me amava e que, se não amasse, não adiantaria nada mendigar por sequer um cílio seu. Eu sabia, sabia sim. Mas perto dos vinte anos ninguém sabe diferenciar amor de serenata, nem infindável de paixão. Mas de quê adianta saber de amor se ele não explode os hormônios? Ainda que amor seja calma. Ainda que amor seja eterno - e por isto, lento. Mas de quê adianta saber que se ama, se não se sacrifica? Suas horas eram poucas para os meus dias. Seus lábios eram grandes demais para os meus sorrisos. Mas seu amor...seu amor para mim não teve tamanho, nem cheiro, nem gosto - seu amor não se libertava de seu corpo, mas ainda assim, eu o sentia levantar brevemente os pêlos. De tanto me relembrar, e repetir, alguns detalhes foram ficando gastos - nada faria completo sentido sem que eu descrevesse a estampa de suas camisetas, ou as ondas de seu cabelo. Seus fios foram perdendo o brilho, e as rosas viraram girassóis no bordado. Foi tentando me lembrar de você, que acabou que me esqueci. Primeiro de quantos graus circulavam seus olhos, depois de quantas linhas quase-rasgavam seus lábios. Finalmente, esqueci de como você fazia meu estômago reagir estranho - antes fossem borboletas, mas se tratava de vômitos. Fui te esquecendo, depois o coração foi desacelerando a cada vez que você me vinha à cabeça. Fui te esquecendo, e antes que você conseguisse fazer o mesmo, eu te deixei ir.



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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Para Novembro...

Era Novembro. Mas não sei dizer se fazia frio ou calor. Já me é tão falha a memória - depois de tantos aniversários, nos batem os anos. E tornou-se tão imprevisível o tempo. Eu peguei o carro, ainda meio desnorteado, tendo acabado de acordar. O céu estava aberto - o que nos daria uma pista, se não fossem os céus de Outonos para nos fazer questionar se há realmente uma ligação entre as cores e as temperaturas -, e eu descia a Avenida sem pressa. Na primeira oportunidade, estacionei. E caminhei até a padaria. Pisei no mesmo chão que, há anos, manchava com a sola dos meus sapatos - todo dia, com exceção dos Sábados e Domingos, entre às oito horas e às oito e quinze, a senhora, dona do lugar, passava um pano úmido para clarear os azulejos e, todo dia, com exceção dos Sábados e Domingos, entre às oito horas e às oito e quinze, eu pisava e quase escorregava para chegar ao balcão. Salvo os estados de espírito - que vez ou outra variavam com os hormônios, a temperatura do ambiente, o décimo terceiro, e os jogos do Brasileirão -, tudo naquelas manhãs era igual. Um expresso duplo e um cappucino para viagem, e eu era um dos poucos clientes que ainda ousava fumar sentado no balcão, enquanto esperava o pão quente sair da chapa. A soma daqueles odores todos, um cheiro que trazia conforto para mim - sabê-los lá todo dia, esperando por mim. Hoje, eu não consigo nem passar em frente de uma padaria. Os grãos de café torrados, a manteiga escorrendo pela mão, a canela dos cappucinos e rosquinhas, provavelmente um ou dois rapazes fumando na porta, o desinfetante do chão, eu fujo disso tudo. Pois, naquele dia, um outro odor se somou a aquele cheiro. E o seu corpo se alojou à minha vida. Pois bem, você entrou e o barulho dos seus saltos foi calado pela umidade que te levou ao chão. Gritou, mas depois disse que foi um riso. E então riu mesmo, depois de segurar a minha mão. Seus olhos castanho-claro e seus lábios desenhados com morangos - posso parar com a descrição, porque nem o melhor dos desenhistas conseguiria te colocar perfeitamente no papel. A primeira coisa que eu soube, é que havia sido hipnotizante - sem saber que este seria um estado constante. Pela primeira vez - seguida, depois, por uma sequência de vezes -, faltei o trabalho. Liga e diz que está doente, ou que seu tio morreu, e você me desafiou. Logo depois estávamos nós dois sentados na varanda de um bar. Não sei como, mas ficamos ali até o entardecer. Você tinha aquela coragem de bater de frente com tudo, que me dava vontade de ter coragem, ao menos alguma coragem. E você pegava dos meus cigarros e apertava meu joelho, e por um breve momento eu acreditaria se me dissessem que já nos conhecíamos há anos. Eu não podia evitar seus olhos. Nem pude evitar você. Você me aconteceu com aquele cheiro de conforto. Mas foi tomando a forma de loucura com o tempo. E mesmo sabendo, eu aceitei. Porque é gostoso sofrer por amor. Você nunca me contou seus motivos. Só disse acabou, e deixou uma nota de vinte sobre a mesa, e entrou em um táxi. Fiquei semanas sem te ver, mas te vigiava, indignado, magoado, doído, de longe. Se via um sinalzinho de vida, já ia atrás - com a distância do inseguro. E vasculhava, e imaginava tudo, e sabia de tudo, e já estava pronto, revelado, se alguém perguntassa era aquilo, claro que era aquilo. E depois outro sinalzinho aí não sabia se era mais aquilo ou se era aquilo outro e eu queria comentar com você, com alguém - não que fossem entender, ou socar alguma pessoa que aparecesse perto de ti. E me dava uma puta raiva, e eu começava a pensar que tinha algo de errado comigo, só podia, já que você estava sendo tão legal com Fulano e falando de Ciclano e parecendo que estava tudo bem na sua vida. E e eu me perguntando se só a minha vida estava uma merda. Aí eu me prendia nesse submundo, e se me perguntassem se eu estava bem, eu ia dizer que sim. Porque vai que um dia você escutasse, e você nunca poderia ter o prazer de saber que estava bem, e eu bem, bem, longe, disso. Não diga que esqueceu aquilo que ainda é latente. Eu aprendi. Não diminui, nem descolore, nem anula, nem apaga. Não muda nada. Continua ali. O amor que me levava pra longe, a saudade que nunca te traria para perto. Ou você vive, ou sobrevive, na ausência dela. Escutei de um quase amigo - não sei se quem falou foi o álcool ou o eu-lírico. E eu escolhi fazer da sua ausência, um motivo para viver. Eu já me arrastava sobrevivendo na sua ausência - uma daquelas dores que não cessam enquanto não te apagam. De superlativos fez-se a decepção amorosa. E meu maior amor do mundo foi tomado pela maior das saudades - prefiro chamar de falta, pois não me conforta mais sentir aquele cheiro. De todos os vícios que já tive que largar, você foi o mais difícil.

sábado, 14 de maio de 2011

Veinte Años.

¿Qué te importa que te ame,
si tú no me quieres ya?
El amor que ya ha pasado,
no se debe recordar.



Por quê as pessoas perdem tempo rezando se o amor não está nos céus? Se o amor é o que há de maior? E se ele realmente é o que há de maior, por quê com ele eu não te salvei? Não me entenda mal, nem me mande sair pela porta - não outra vez. Não me expulse, nem me expurgue - de ti. Não tente me socar as costas, nem cuspir no meu rosto. Eu quero ter fé. Eu quero ter tempo. Então não me dê as costas, ou aumente o volume do som. Não te digo que sou bom com as palavras. Nem que sou uma boa pessoa - por detrás de todas as impurezas incorrigivelmente humanas. Eu só tentei apartar seu choro, amenizar seu desespero, diminuir o absurdo peso que lhe tomava o fôlego. Pois um dia eu vim ao mundo - coincidiu de ser no mesmo segundo em que te vi -, e ali você ainda exalava uma beleza inebriante. E de repente, o tempo pareceu lhe roubar as cores. E mais, cada vez mais, o fôlego. O mundo pareceu lhe fazer de escrava. Não acredito em vidas passadas, mas alguma coisa você deve ter feito para merecer tantos castigos. Era noite, e portanto você chorava. Quando logo apontava a madrugada, os tiros eram certeiros, passavam por seu coração, e você chorava. Não as lágrimas que deslizariam pelas rosadas maçãs de seu rosto, mas lágrimas que escureciam seus olhos, e te faziam partir, para longe, tão longe, de mim - e de todos. Não conseguiria contar nos dedos o número de vezes em que você falou da morte - era assustadora a forma como você parecia conhecê-la tão bem. Por quê nós insistimos em amar alguém que sabemos que, eventualmente, vamos perder? E eu já tinha te perdido desde o primeiro instante. Porque, para você, as coisas nunca foram fáceis, nem mansas - e isto é parte do amor que resiste e vinga. E eu já tinha te perdido e Deus queira que isto tenha sido predestinado - porque eu não consigo entender, nem aceitar, nem vestir um sorriso e te desejar boa sorte. Por quê nós insistimos em amar alguém que sabemos que, eventualmente, vamos perder? Seja perder nos olhares distantes ou em corpo. Pior ainda quando em alma, ou perder para um outro mundo do qual não temos notícias - sou cético aos espiritualistas e alucinados que juram ter contato com o lado de lá. Por quê amar se tudo vai embora? A pequena planta que morre, os gatos e cachorros que fogem, nossos avós, e pais, a própria paz que sequer existe. Por quê amar se a única garantia é a de abandono? De dor? De sofrimento? Por quê eu te amei do fundo da minha alma se, desde o começo, eu já sabia disso tudo? Eu poderia prever - ter a certeza - de que um dia eu estaria no mesmo lugar, falando de nós dois, com uma dor no peito, o barulho dos aviões rasgando o céu, e a esperança de que você ainda se vire e me olhe. Seus braços cada vez mais finos, seus olhos cada vez mais fundos. Temo que um dia você suma - não outra vez de mim -, mas de vez, do mundo. Sei, sei que um dia você me pediu:

Não desperdice sua fé comigo.
Não insista em rezar por mim.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

PEDIDO.

Hoje, em um momento de muita raiva, decepção, indiginação, eu optei por fechar meu blog, e dar autorização de leitura para apenas algumas pessoas. É complicado, muitos que merecem ler, não têm meus contatos para que possam ser incluídos, nem eu os deles. Portanto, pensando neles - depois de muitos e-mails, recados, indagações e mal-entendidos -, eu reabro agora o blog. Sei que não durou nem um dia, mas isso não é uma questão minha. Existem pessoas que realmente lêem e sabem fazer bom proveito do que está escrito aqui - mesmo que alguns aí não vejam nada de especial ou de qualidade. Enquanto outros, não sei se por má índole, ou distração, ou qualquer outro motivo, têm tomado posse de frases/textos deste blog. Atenção: não incluo, nestas pessoas, aqueles que publicam frases/textos entre aspas em Orkut, Facebook, Twitter. Mesmo sem aspas. A decepção é com aqueles que dizem-se autores do que eu escrevi, ou que criam em cima de algo que foi, anteriormente, escrito por mim. Peço, de verdade, que tentem evitar este tipo de desgaste. Não é só o que eu escrevo aqui: é o que eu sinto também.
Meu coração,
aos que lêem, e se importam.

domingo, 8 de maio de 2011

Desconexo.

Dizem o que querem dizer - como se, dizendo, poupassem-na de todos os males do mundo. Dizem, como diríamos nós todos: tome cuidado, menina, há mais de uma face no mundo. E eu nunca teria mãos grandes o suficiente para segurá-la. E eu nunca seria mais forte que a gravidade. E ela nunca giraria em torno de mim - pois existem outros além de você -, e eu nunca giraria em torno dela - pois você preferiu orbitar em desordem. Falavam, oras, como falavam. E deixavam ecoar pelos becos - às vezes, até mesmo sem terem becos. E repetiam no rádio e nos jornais. Que é preciso tomar cuidado com tudo. Principalmente com as pessoas. Especialmente se elas parecerem boas. E ainda mais, se falarem demais. Pois eu nunca pareci ser bom, nem antes me declarei humano, e ainda me protegi entre longos silêncios e inesperadas pausas. É claro, ela não teve cuidado. Mas quem saberia que nossos corpos reagiriam assim: em desacordo com as palavras. Não preciso narrar os fatos. Como pernas subiram aos braços, e como do fundo dos olhos podia-se ver o pico das montanhas. Era para termos sido sempre nós dois, mas o tempo existe para ser desafiador. Com ou sem ela, os hábitos permaneceram os mesmos. Três cafés expressos antes do meio-dia e um maço de cigarros quando o relógio badalava às seis. Descia e subia as escadas do metrô, apoiava o caderno no joelho e rabiscava. Dali, sairia alguma coisa. Como ela sempre disse. Acreditando - com a inocência de um coelho que não sabe discernir um anjo de um porco - que, em mim, havia sim algum talento. Dali, sairia alguma coisa. Fosse um poema niilista, um retrato expressionista, um boneco de palito, ou um grito - por meio de folhas eu gritaria a dor até então desconhecida de não mais tê-la. De nunca tê-la tido. Porque fui fraco. E, ao menos isto, admito. É de uma agonia desnorteadora escrever como se não fosse para ela. Como se não fosse para você - sim, mantenho em mim as esperanças juvenis de um final feliz. Nestas esperanças você me lê agora, joga uma ou três mudas de roupa na mala, e aparece logo atrás de mim. Gritando meu nome, com seu pouco fôlego. Bernard! Bernard! É claro que nestas esperanças não sou eu esperando, nem você aparecendo. Mas brilharíamos os dois no meio de Paris. Sendo outros, mas com os mesmos sonhos - isto é, se você ainda se permitisse sonhar comigo. Eu soube, assim que você partiu, que tudo que antes eu lhe disse, nunca havia sido tão verdade. Eu soube. E eu disse. E você soube. Que eu te escreveria todos os dias até que você voltasse. Escreveria mesmo na incerteza de que minhas palavras chegariam as suas mãos. Mesmo na incerteza de que minha boca sopraria os seus ouvidos. E eu te prometeria, mesmo sendo batizado em incertezas. Se fui fraco, ou desonesto. Se a culpa foi minha, ou eu não vi passar. Se sou um monstro, ou monstruosamente humano. Se haveria perdão, ou somente tempo. Algum dia, todo amor se vai. Que nem são levadas as folhas, e escoada a água. Você estava deitada sobre a cama, de bruços, os lençóis brancos e o sol invadindo a janela. A impressão de que o verão duraria para sempre. Eu não escutei - digo, eu fingi que não -, e você repetiu: algum dia, todo amor se vai. Não tendo me cutucado com aquelas palavras, talvez eu demorasse um pouco mais para perceber que, ali, já era amor. Já era amor acima de tudo. Talvez eu demorasse um pouco mais para sentir o peso. Para sentir medo. O amor está onde eu não posso tocar. E mesmo assim eu ia me atirando em você. Primeiro com muita força, depois com cara de desistência. Você tocava meu amor com seus olhinhos miúdos. Sutilmente, sem o menor esforço. Mas depois que você se foi não houveram maneiras de domá-lo. "Eu não quero me lembrar de você" seria, com certeza, muito pior do que "já te esqueci".