segunda-feira, 16 de maio de 2011

Para Novembro...

Era Novembro. Mas não sei dizer se fazia frio ou calor. Já me é tão falha a memória - depois de tantos aniversários, nos batem os anos. E tornou-se tão imprevisível o tempo. Eu peguei o carro, ainda meio desnorteado, tendo acabado de acordar. O céu estava aberto - o que nos daria uma pista, se não fossem os céus de Outonos para nos fazer questionar se há realmente uma ligação entre as cores e as temperaturas -, e eu descia a Avenida sem pressa. Na primeira oportunidade, estacionei. E caminhei até a padaria. Pisei no mesmo chão que, há anos, manchava com a sola dos meus sapatos - todo dia, com exceção dos Sábados e Domingos, entre às oito horas e às oito e quinze, a senhora, dona do lugar, passava um pano úmido para clarear os azulejos e, todo dia, com exceção dos Sábados e Domingos, entre às oito horas e às oito e quinze, eu pisava e quase escorregava para chegar ao balcão. Salvo os estados de espírito - que vez ou outra variavam com os hormônios, a temperatura do ambiente, o décimo terceiro, e os jogos do Brasileirão -, tudo naquelas manhãs era igual. Um expresso duplo e um cappucino para viagem, e eu era um dos poucos clientes que ainda ousava fumar sentado no balcão, enquanto esperava o pão quente sair da chapa. A soma daqueles odores todos, um cheiro que trazia conforto para mim - sabê-los lá todo dia, esperando por mim. Hoje, eu não consigo nem passar em frente de uma padaria. Os grãos de café torrados, a manteiga escorrendo pela mão, a canela dos cappucinos e rosquinhas, provavelmente um ou dois rapazes fumando na porta, o desinfetante do chão, eu fujo disso tudo. Pois, naquele dia, um outro odor se somou a aquele cheiro. E o seu corpo se alojou à minha vida. Pois bem, você entrou e o barulho dos seus saltos foi calado pela umidade que te levou ao chão. Gritou, mas depois disse que foi um riso. E então riu mesmo, depois de segurar a minha mão. Seus olhos castanho-claro e seus lábios desenhados com morangos - posso parar com a descrição, porque nem o melhor dos desenhistas conseguiria te colocar perfeitamente no papel. A primeira coisa que eu soube, é que havia sido hipnotizante - sem saber que este seria um estado constante. Pela primeira vez - seguida, depois, por uma sequência de vezes -, faltei o trabalho. Liga e diz que está doente, ou que seu tio morreu, e você me desafiou. Logo depois estávamos nós dois sentados na varanda de um bar. Não sei como, mas ficamos ali até o entardecer. Você tinha aquela coragem de bater de frente com tudo, que me dava vontade de ter coragem, ao menos alguma coragem. E você pegava dos meus cigarros e apertava meu joelho, e por um breve momento eu acreditaria se me dissessem que já nos conhecíamos há anos. Eu não podia evitar seus olhos. Nem pude evitar você. Você me aconteceu com aquele cheiro de conforto. Mas foi tomando a forma de loucura com o tempo. E mesmo sabendo, eu aceitei. Porque é gostoso sofrer por amor. Você nunca me contou seus motivos. Só disse acabou, e deixou uma nota de vinte sobre a mesa, e entrou em um táxi. Fiquei semanas sem te ver, mas te vigiava, indignado, magoado, doído, de longe. Se via um sinalzinho de vida, já ia atrás - com a distância do inseguro. E vasculhava, e imaginava tudo, e sabia de tudo, e já estava pronto, revelado, se alguém perguntassa era aquilo, claro que era aquilo. E depois outro sinalzinho aí não sabia se era mais aquilo ou se era aquilo outro e eu queria comentar com você, com alguém - não que fossem entender, ou socar alguma pessoa que aparecesse perto de ti. E me dava uma puta raiva, e eu começava a pensar que tinha algo de errado comigo, só podia, já que você estava sendo tão legal com Fulano e falando de Ciclano e parecendo que estava tudo bem na sua vida. E e eu me perguntando se só a minha vida estava uma merda. Aí eu me prendia nesse submundo, e se me perguntassem se eu estava bem, eu ia dizer que sim. Porque vai que um dia você escutasse, e você nunca poderia ter o prazer de saber que estava bem, e eu bem, bem, longe, disso. Não diga que esqueceu aquilo que ainda é latente. Eu aprendi. Não diminui, nem descolore, nem anula, nem apaga. Não muda nada. Continua ali. O amor que me levava pra longe, a saudade que nunca te traria para perto. Ou você vive, ou sobrevive, na ausência dela. Escutei de um quase amigo - não sei se quem falou foi o álcool ou o eu-lírico. E eu escolhi fazer da sua ausência, um motivo para viver. Eu já me arrastava sobrevivendo na sua ausência - uma daquelas dores que não cessam enquanto não te apagam. De superlativos fez-se a decepção amorosa. E meu maior amor do mundo foi tomado pela maior das saudades - prefiro chamar de falta, pois não me conforta mais sentir aquele cheiro. De todos os vícios que já tive que largar, você foi o mais difícil.

4 comentários:

Danubya Medeiros. disse...

Adorei o texto inteiro.
Gostei da casualidade do encontro, e como foi tomando ares de amor e vício, gosto muito, da forma como retratas em linhas o cotidiano amoroso dos imprevistos, que as vezes acontecem numa padaria, numa esquina qualquer,ou onde nem imaginamos.

Giselle Alencar disse...

é dificil comentar aqui.Me deparo com frases ou sentimentos que causam baque. Dai,penso em comenta-lo mas tropeço em outra frase, e outra, e mais outra...Acabo viajando na ideia principal,sem palavras.
Nao sou muito boa com palavras.Mas, é tudo tão, tão...tão!Sabe aquelas coisas que nao sabemos dizer, só sentir?É isso! Me sinto assim lendo seu blog.
Mais uma vez: Parabéns!

cora disse...

Oi! Olha, o texto tá bacana mas hoje eu não vim aqui pra isso. Li seu pedido aí de baixo e por isso reli, inclusive, por descargo, o MEU blog - até joguei no google algumas postagens pra ver se encontrava seu nome. O que acontece é - eu já fui uma visitante bem fiel por aqui, lia seus posts com uma frequência, digamos, próxima do diariamente e até salvei alguns trechos seus nos meus rascunhos. Salvei. Nem leve a mal, eu faço isso com tudo que leio e na hora encaixa. Sabe? Achei bonito, guardei, voilà. Não creio já ter publicado algo seu, até porque minha vida tá uma loucura e eu nem ligo mais pra blog, arranquei muita coisa do meu e a última postagem que dá pra ver é do ano passado... enfim! Eu tou aqui porque eu sou muito louca mesmo, e mesmo sem saber se eu te plagiei, eu digo que posso ter te plagiado e bom, o que falar, desculpa talvez? E escreva sim. Por favor. Assim, eu que já tive tanto blog, agora só escrevo em um travel-book rabiscadíssimo e olhe lá - a pressa engoliu a inspiração. Então escreva sempre, até não dar mais, porque eu já tive essa ânsia pra escrever e juro que o texto saía de mim como quem respira mas, bem, perdi a habilidade junto com o hábito. Mas você, menina, faz isso não. Purfa. E era isso.

Julianna Motter disse...

Muito obrigada, de verdade!
E, por favor, Cora, eu sei quem foram as pessoas, e elas também, não quero que pessoas como você se preocupem. Só quero que continuem lendo. E espero que gostando!
Abraços.