sexta-feira, 28 de junho de 2013

Efeito Leminski

hai kai,
balão
hai kai,
balão
aqui da minha
m
ã
o
...

-

a anestesia passou.
e agora,
o que sinto?

(vazio)

-

eu amo amar
então,
a todos que amo:
sintam-se
sobre
amados

-

todas sem ponto
hoje luto
pela liberdade
das palavras
pela não-repressão
das mesmas
por eu mesmo

todas minúsculas
hoje luto
pela igualdade
das letrasque as compõem

-

tudo muda
o tempo
odot

Pseudo poemadópode do anonimato universal

"mas as moitas e as rochas não eram reais e a beleza das coisas deve estar no fato de terminarem".

Eu te procuro, ainda.
Chego em casa, não largo mais a bolsa pela mesa.
Já atravesso o corredor a te procurar.
Você não está
mais
ali.
Já não estava – há tanto tanto tanto tempo, que eu já devia ter me acostumado.
Sua presença ficou gravada, impregnada, pelos espaços.
Seus olhos observando os quadros, as molduras, fotografias.
Suas pernas pesadas repousando sobre o sofá.
Suas mãos abrindo e fechando a geladeira.
Seu corpo pesado fazendo volume sob os lençóis.
O barulho da sua respiração.
Seus pêlos espalhados pela pia.
Sua ausência faz silêncio e me diz:
não estou mais aqui.
Perco a noção do tempo – é quinta-feira e te busco na varanda.
Você só vinha nas sextas.
Você adentrava a sala, tirava os sapatos e a camisa.
Caminhava, arrastava os pés pelo chão.
Eu escutava, atenta, cada um dos seus sons.
Era tão lindo quando a gente despertava e se via.
As pupilas dilatavam.
O mundo que não tinha sentido, de repente o fazia.
Agora, o barulho das persianas, as portas batendo com o vento.
Relógio, Chico ecoando das caixas de som.
Caminhão de gás, anunciando abacaxi.
A água regando as flores.
Vozes.

Tantas vozes.
Por onde você foi?
Procuro seus rastros.
Por que acabou?
Procuro a quem culpar.
Não nego.
Mapeio o fim.
Fomos o início, meio e ponto: final.
Fiquei pensando, sentada na poltrona da sala. Buscando uma palavra que pudesse definir aquele sentimento. Uma palavra só que coubesse tudo aquilo que nos atravessou. Um turbilhão de palavras e cuspes que fez aquilo tudo, tudo tanto, virar uma coisa só: nada. 
Lembra quando suas palavras ditavam as minhas?

Vá a merda - digo, agora sem você.

terça-feira, 25 de junho de 2013

O tempo da delicadeza sem fim e em mim

Nostalgia s. f. vontade de voltar a algum lugar do tempo, sem voltar no tempo.

Noventa e seis horas sem dormir. Não consigo me lembrar da última vez que pensei em algo sem sentir a cabeça doer no ritmo do pensamento. Cada parte do meu corpo parece se desintegrar - lentamente. Não tenho sono. Deito, rolo, sinto frio e depois calor, tomo banho, chá, nada me faz parar. Estou cansado - mas não durmo.

Perdi a conta do número de vozes. Cada uma puxando e me arrastando e me esticando para um lado. Estou tonto, nauseado e uma pressão escorre da testa para os olhos.

Quero, preciso, mas não posso dormir. Me empurro para cama, mas não me permito. Tenho muito a pensar. Muito a ler. Assistir. E o tanto de coisas a serem sentidas? Lugares para serem visitados? Fico com minhas listas em mãos, meus blocos de anotação e cadernos, e se não der tempo?

A vida passa num piscar. O presente? Passou...passou...passou. Quanto ao passado, nada posso fazer se não me arrepender por não tê-lo vivido com mais dedicação - um dos motivos pelos quais estou desperto. Passou...passou...passou. Olhar para o lado - o presente já não está mais aqui.

Ele se foi. Ele não existe para mim - e para poupar ilusões, recomendo que não exista para você também. Foi uma criação para nos conectarmos ao agora - que, por conseguinte, também não existe. Passado e futuro - tudo o que temos. E continua passando, tudo.

Eu tenho pressa. Quantos livros consigo ler nas próximas quatro horas? Concentrado, só tendo olhos para as páginas e a garrafa térmica com café quentinho.

Meu estômago vai estourar - a esse ponto, pressão também escorrendo pela coluna.

Eu tento não me atrasar, não desperdiçar os minutos tão raros, mas não consigo escapar de pensar no que já vivi.

Eu penso nela. Nada a ser dito. Ficou um espaço, um vazio. Um final que se deu de repente. Uma imensidão de pontos. Que não se ligam mais - dispersos.

Fico repassando a imagem dela - mesmo da forma como o fim se deu, é ela a quem muitos dos meus pensamentos recorrem. Numa tarde de céu meio cinza e meio azul, sentada no parapeito do prédio, quando fazia um ano desde que havia perdido o pai. Ela ficava procurando pelo horizonte e encarando o chão. Eu conhecia a vontade dela de viver, então não senti medo. Mas ela olhava como se soubesse a exata sensação de pular dali. Como se saltasse os quatorze andares às vezes. O telefone tocou - pela vigésima vez na hora em que estávamos juntos. Ela disse "não vou atender". Eu insisti. Com muita calma, ela pegou o celular e o lançou para que a gravidade fizesse graça com ele.
- Eu não preciso que me liguem todo dia 6.
- As pessoas só se preocupam com você.
- Ele não morre uma vez a cada mês. Ele morreu em um dia e doeu pra sempre.

Quando ao pensar muito, penso em quem se foi. Na morte, e em como ela fica impregnada em tudo. 

Meu maior medo é esse - e perco a respiração só em pensá-lo:

medo

de

morrer.

Sem ter feito nada.
Sem ter feito tudo.

Eu não posso dormir porque não amei
todos a quem deveria.
Eu não posso dormir porque não amei
tudo o que deveria.
Eu não posso dormir porque tenho
muitos tios que
morreram
durante o sono.

Eu não posso dormir porque tenho medo.
E nos sonhos posso descobrir

que meu medo não é só esse.

"Fazia de tudo para não pegar no sono, para manter a alma dentro de mim, onde era seu lugar".

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Vamos fazer o bem?

A gente mora na gente.
E, fisicamente, a gente mora
em algum lugar.
A gente mora em alguma cidade.
E que nada mais é do que a soma de avenidas, becos, calçadas.
Ela é minha e sua.
A cidade é uma rua - às vezes de uma mão só.
A gente mora nela.
A gente e mais um bando de gente.
“O povo” - povo é o coletivo de um só.
Tem gente que mora na gente.
Mas, independente disso, todo mundo mora em algum lugar.
Eu deito na cama.
Outro no sofá.
Tem gente que dorme na rua.
A cama cheira bem.
O sofá também.
"Mas e a calçada?"
Você já perguntou para alguém?


https://www.facebook.com/Coletivodarua

domingo, 2 de junho de 2013

As partes que te compõem

"Porque aquilo cuja existência se nega pode tornar-se perverso".


Era uma flor. Seria planta? Um pouco dos dois? Uma pequena orquídea. Num vaso preto de plástico. Daquelas vendidas em mercado. Comprada na semana que antecedia o dia dos namorados. Durou até meados de junho seguinte. Na beirada da janela. Assistindo, silenciosamente, o movimento da rua. Todo dia, fizesse sol ou chuva, ela estava sentada ali. Quando o sol batia muito forte, se fazia necessário fechar as cortinas, e ela ficava apenas a escutar os ruídos da cidade. Satisfeita, ainda e de qualquer forma. Às dezessete horas e quinze minutos, me sentava ao lado dela. E através das linhas de silêncio compartilhado, dividíamos nossas impressões sobre o dia até então.
"Não precisa regar diariamente, eu acho", disse a moça do caixa. Olhei para ela, depois para a planta, olhei umas três outras vezes, na mesma ordem. O "eu acho" estreitou nossa relação - minha e da orquídea -, dando um peso muito prematuro. A consciência de ter uma vida em minhas mãos veio subitamente. Precisei recorrer a internet. E li, com desconfiança, umas palavras que reunidas diziam algo mais ou menos assim: apalpe o substrato e, se úmido, não é necessário regar - a planta pode morrer por falta, mas também por excesso, de água.
É assim com tudo, pensei - num desses pensamentos bobos, mas que no momento seguinte em que realizados se fazem necessários. Tudo morre - ou acaba - por excesso ou falta. As dosagens e objetos - por assim dizer - é que variam a cada coisa no mundo - material ou não.
Estou num processo ainda - e imagino, este deve ser o real "luto" -, onde constato, progressivamente, a efemeridade e a finitude das coisas. Assim sigo em frente - caminho para a constatação definitiva, por experiência mais que própria.
Me apeguei a presença dela. Da orquídea. Pois uma presença quando somada a outra resulta na fusão que chamamos, costumeiramente, de "companhia". Ela me acompanhou durante meses ao pôr e nascer do sol. Embora calculável, o tempo que dividimos juntas não cabe a exiguidade do tempo. 
Vez ou outra olho para a janela à procura dela: que não está mais lá.
E através desse desejo de sua presença, me transporto as lembranças de tantas outras coisas que perdi. À partir delas que, realmente, compreendi o valor da perda. E que sou capaz de notar a importância de uma simples planta.
Não vejo a necessidade de nomeá-las para estabelecer uma conexão entre nós - eu e você. Mas posso, por outro lado, sintetizar e tentar transmitir a intensidade - que necessito para que você compreenda -, dizendo que perdi "tudo".
Sabe quando você perdeu tudo? - e nem Deus sabe como "tudo" pode ser tão relativo...
Se a recíproca for negativa, ao menos, você já perdeu "alguma coisa"? Então eu te explico avisando que nenhuma multiplicação seria eficaz, nem para ilustrar. Já estou exigindo demais de você.
A ausência é um derivado da ruptura de uma companhia. Mas o caminho também pode se fazer meio que ao contrário. Companhia, para mim, também pode ser resultado de uma presença com uma ausência. Desta forma, se tem uma companhia com a ruptura de uma anterior, mais uma presença.
O que importa é: é imprescindível, ao menos, uma presença para que haja companhia. No caso, vale até ela e a ausência de si própria - o "estar sozinho acompanhado" em suas diversas instâncias.
Quando distraído, sou tomado pela saudade. Aquela irremediável, imediata e incontornável saudade.
A saudade é um dia após o outro. Mas isso não quer dizer que ela acabe. Quer dizer, ela só tem fim quando ele chega para quem a sente.
Eu olho para o céu em busca de respostas - quando as necessito mais que tudo e, ainda assim, elas me escapam. E foi assim que me lembrei de algo que, um dia, escrevi na esperança de iluminar o dia de alguém - pois nós somos os únicos responsáveis por pintar perdas e saudades em tons escuros.
Eu disse bem assim:
É muito difícil, né - "difícil" acho que por não existir outra palavra que defina. Não a morte em si - pois é só consequência da vida. Mas a morte e ao que ela nos leva - lembrar que esta aqui, que esta mesma, é a vida. E que a vida nada mais é do que um fim nela mesma. Ou uma série de fins. De coisas que nascem e morrem - em nós, por nós, e a nossa volta. Sorte que esse cenário é todo bem bonito - embora em alguns momentos, e em alguns lugares, sombrio. E a gente tem que aproveitar cada minuto - mesmo sem entender os que já passaram.

Mas nunca mais, nessa vida, comprarei outra orquídea.