quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É Osso.

"não ter mais nada o que dizer, foder para preencher o vazio, perder até a vontade de foder, se afastar, mas ficando mesmo assim junto, brigar, se reconciliar escondendo que no fundo tudo está morto, ir foder com outros, e depois mais nada".

Vá embora. Já está tarde. Não, não está. O dia está amanhecendo e unindo nossas pálpebras. Mas já está tarde demais para mim. E para você. Para nós dois, quando juntos. Está mais do que tarde. Passamos dos limites. Seu corpo aninhado ao meu torna tudo tão mais difícil. Está difícil de respirar. Embora eu não me sinta sufocado. Estou levando umas pancadas nas costas. E estamos chegando cada vez mais perto. Parece ser a primeira vez. Embora tenha tudo para ser a última. Deverá ser. Eu gosto da proximidade, mas está ficando perigoso. Não podemos regredir agora. Nem assumir nosso encontro. Porque somos um segredo. Por isto estou sussurrando, quase falando em códigos. Não podem nos descobrir. Eu não quero. Eu não deixo. Tenho toda uma vida que construí em volta de ti. E agora arranquei uns tijolos para te ter comigo outra vez. Para te olhar me olhando e te assistir dormir. Não estou me sentindo sozinho. Não é isso, é outra coisa. Coisa que eu não sei. E nem vou ficar para descobrir. Está ficando perigoso, repito. Sinto meus órgãos trabalhando para resgatar aquilo que, um dia, eu deixei para trás. Todo aquele amor, e desejo, e carinho. Nada disso pode voltar. Porque tem gente me esperando do lado de fora. Pessoas que eu encontrei, e que me despertaram de novo. Coisas novas e singulares. Hoje vai fazer sol. Daqui a pouco eu preciso sair. Tenho um encontro. Segui em frente. Você também. Mas ainda assim estamos aqui, enrolados nos cobertores. Passando a ponta dos dedos pelas curvas de nossos corpos. Porque nos sentimos sós e lembramos um do outro. Não, não é solidão. Pode ser saudade. Mas andamos nos encontrando tanto por aí. Estamos andando com umas pessoas tão diferentes das de antes. E andando por caminhos tão distintos. Eu estou acelerando. E você não tira mais o pé do freio. Eu conheci tanta coisa nova. Acho que me tornei mais aberto. Abri mais meu peito. Mas ninguém tem entrado nele. Perdi a disposição para reviver esse tipo de coisa. "Nós procuramos o amor e achamos que o encontramos. Depois vem a queda. De muito alto. É melhor cair do que ficar sempre no chão?" Estou ficando no chão. Tudo bem por aqui. Cada noite é uma novidade. Estou aguçando meu paladar. Cada qual com seu próprio gosto. Você, você continua azeda. Acho que é a idade. Estamos envelhecendo. Já tem, em si, algumas rugas, mas tranquilo, ainda posso contar nos dedos. Parece já ter sofrido tanto. Só não me culpe por isso. Nunca falei que seria seu para sempre. E se falasse, também nunca seria. Existem umas por aí tão mais doces. Tenho cuidado para não ficar viciado. Estou fugindo dessas coisas. Por enquanto só a bebedeira e os cigarros. Tentei experimentar umas coisas diferentes. Mas nada tem funcionado. O que funciona mesmo é o calor de dois corpos. Tipo esse calor que estamos sentindo agora. Mas estou queimando mais por dentro do que por fora. Acho que estou apreensivo por te ter de novo tão perto. Parece mesmo a primeira vez. E seu corpo parece novo. A gente muda tanto com o tempo. E olha que foi pouco esse tempo que passou. Daqui um tempo nós nem nos reconheceremos mais. E terão de nos apresentar de novo. Eu preciso mesmo escutar seu nome. Ainda me dá uns calafrios estranhos. Você me assusta um pouco. Saber tanto de ti me assusta. Não tenho mais nada para decifrar. Somos bons e velhos amantes. Acho que estou de ressaca, meio zonzo. E escuto um zumbido incessante. Está tarde, mesmo cedo. E estou ficando atrasado. Tudo tão frágil. Tudo, absolutamente tudo. Esse espaço pequenino que nos afasta, tão frágil. Estou sentindo o peso do mundo nas costas. A madrugada foi perigosa. Parece que cometemos um crime. Uma selvageria. Um genocídio. E parece que esmaguei as estrelas com meu novo par de sapatos. De repente, sou culpado de tudo. Acho que está na hora de você ir embora. Toma aqui suas roupas, e a minha saudade. Estou tenso com isso. Se nos pegarem aqui, estamos mortos. Deixa que eu arrumo a cama e fecho a porta. Não olhe para os lados, finja que nunca mais esteve aqui, e que nem sabe como anda minha vida. Vai, vai logo. Mas, honey, I miss you. Você pode voltar logo? Não sei aonde guardei minhas cuecas, ando perdendo tudo. Já me atrasei oito vezes para o trabalho só nessa semana. E olha que estou há um ano desempregado. Para você ver, as coisas estão ficando sérias. Um dia desses pulei do sétimo andar porque achava que era um pássaro. Sem você, é osso.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Amanhecer.

Meu amor,
apesar da distância, e do sumiço, e do rompimento, e de tudo isso que veio lentamente e foi embora na velocidade do som. Apesar de mim, de você, de nós, e dos outros, eu preciso que você escute a minha história. Não é preciso responder, nunca foi.


Entre dois dedos, um cigarro. Entre outros cinco dedos, uma lata de cerveja. Sobraram mais três, para apoiarem-se naquele espaço que separa o respeito das costas para a indecência do que vem abaixo. Fuma que nem uma puta velha, eu teria julgado, se não acompanhasse seu ritmo quase frenético. Me olha com seus olhos escuros, mal delineados por um lápis preto, protegido por seus cílios endurecidos e destacados. Sorri meio envergonhada, querendo soltar umas palavras há tanto presas. Me olha pedindo por respostas para as perguntas que não sabe fazer. Dá uma agonia sentir pelos olhos o fardo que carrega. E que tenta esconder, sem muito sucesso. Tem um quê de abandono e descrença. Que também, sem sucesso, tenta esconder. E de vez em quando se perde nos próprios pensamentos, e olha para o teto, e olha para a rua, e olha para chuva, e olha para o nada. Dá um trago, e me puxa para perto. Mais perto do que isso, só se eu entrasse na vida dela. E fizesse parte, e partilhasse disso tudo que ela carrega. E então me beija. E eu sinto um mistura de saliva, menta, tabaco, e tristeza. E me dá uma vontade tão grande de cuidar dela. De colocar para dormir e encostar meus lábios em sua testa. Porque não dá para fingir o tempo todo ser tão dura. Não dá para se esconder atrás de um escudo que só ela vê. Ninguém pode proteger alguém de tudo. Mas eu poderia não medir esforços. Porque seu coração pesa tanto, minha menina, eu posso sentir quando você me beija. Seu coração pesa tanto, e você poderia dividir isso comigo. E certas feridas, às vezes, ainda doem tanto, que é preciso de alguém em quem descontar. Me beija de novo, e larga o cigarro, e derruba cerveja. E se atrapalha, e se desconcerta. Ninguém está partido para sempre. Eu prometo. Dá uma aflição ficar tão perto dela, eu me sinto imóvel, incapaz de qualquer movimento bruto. Tão delicada, mesmo com as sobrancelhas arqueadas e o sorriso escondido. Não entende é de nada. E isso é medo de correr perigo acompanhado. Isso é descuido. É tão preocupante se perder por aí. Andar à deriva sozinho. Achando que já viu de tudo. Que vontade de abraçar forte. Mesmo que não goste de abraços. É que parece que vai se desmanchar a qualquer minuto. E sumir com o vento. É tão bela de se olhar. Acho que tudo que tenha tanta carga em si, é belo. Que vontade de prendê-la aqui comigo. Eu tenho tanto isso de cair pelos mais fracos, acho que é a semelhança entre as histórias. Eu lembro quando você fez o mesmo por mim. Trocou meu sorriso e minhas roupas. Tantas, tantas, tantas vezes me pôs para dormir. E me carimbou com um beijo. Eu tinha o mesmo rosto desfeito. A mesma nuvem em cima da cabeça. A mesma vontade de acabar com tudo - porque afinal não havia mais nada. Foi preciso que você me puxasse forte pela mão, e chegasse perto. Tão perto que entrou na minha vida. E fez parte daquilo tudo que me abaixava os ombros. Agridoces lembranças de um passado não tão distante. Eu encontrei, por aí - por aí mesmo, andando sem rumo - esta mulher que te descrevo. E então pensei que pudesse ser forte como você foi. Tão determinada a me fazer melhor e mais leve. Tão desligada daquilo que poderia despencar sobre você. Me escondendo por detrás dos seus braços finos e brancos. Pensei que pudesse. Eu posso, pior que é a verdade. E eu sinto vontade. Eu sinto uma vontade tão grande de cuidar dela como você cuidou de mim. Cuidar mesmo, entregar as pontas e deslocar o centro do mundo para ela. Mas, por um momento, enquanto ela me beijava e eu puxava as pernas dela para mim, me ocorreu que eu não quero. Eu não quero me apaixonar de novo. Eu não quero me apaixonar de novo não sendo por você. Agora vem a parte mais triste: talvez eu mesmo ainda precise de cuidados. Uma toalha quente sobre a testa e uma massagem nos pés caleijados. E um abraço preciso, no qual só dois, somente nós dois, caibam. Ela me olha com uma cara de mulher que não é de ninguém. De mulher que não precisa de ninguém. Mas é só uma menina. Uma menininha assustada com o barulho dos fogos de artifícios, e com medo dos monstros que possam sair do armário. Você se lembra? Eu era exatamente assim, um menininho. Você me fez crescer tanto, e depois eu te abandonei. Porque restaram em mim aqueles sonhos imaturos de mundo imenso e tanta gente. Não é que existe tanta gente por aí? Mas tanta gente desinteressante e desinteressada. Ela foi a primeira mulher - menina - para qual eu olhei - realmente olhei - depois de você. Foi como se eu olhasse para mim numa foto antiga. Até eu perceber que eu ainda era quase o mesmo. Precisei ir embora. Dela, daquilo. Estava cedo demais para mim. Eu ainda não saberia como cuidar de alguém.
Meu amor, um dia eu vou saber?

Pequena.

O som do piano flutuando pelos ouvidos sedentos de voz. Os livros com pinturas de Dalí. A chaleira assobiando. E fumaça, muita fumaça. Branca e branda. Um cenário surrealista. Tão profundamente triste. Um rapaz imerso em seus próprios pensmentos. Uma mulher afogada em lágrimas. A imagem opaca da televisão. Tão profundamente triste. Seremos nós dois daqui um tempo. Quando os anos tiverem passado e o desejo também. Tentando evitar o constrangimento, mas sabendo. Sabendo que aquilo é tudo que nos resta. Os olhares fugazes e os lábios apreensivos. Pernas e braços inquietos. Qualquer música cantada ao fundo. Sem tempo para prestar a devida atenção à letra. Nos sentindo desconexos e incompreendidos. Pensando em uma saída, temendo o caminho até lá. Um, dois, três, maços de cigarro. Acesos, apagados, moídos. Quantas cinzas. Como se tivéssemos sido queimados junto com tudo que estávamos deixando para trás. Quatro, cinco, seis, copos de água. Alguns com açúcar. Que gosto amargo. Os dois complacentes. Convencidos que é isso mesmo de agora para frente. Um em cada canto do cômodo. Na sala. O barulho das janelas batendo nos quartos. Vento forte. Previsão de tempestade e inudamento. Melhor não sairmos daqui por enquanto. Só por enquanto. Nos aguentaremos por mais uns instantes. Até que tudo lá fora se acalme. Levarão horas. A gente aguenta. Os dois se olhando tentando resgatar na lembrança o sentimento. Para ver onde foi que nos entregamos. Para os olhos, talvez o sorriso, talvez o charme. Não nos enxergamos mais como nos enxergamos antes. Havia tanta beleza. Foi perdida, roubada. Talvez pela convivência. Ou pela exigência. De querer ser cada vez mais belo. E ir mostrando as feiúras secretas. Virando dois monstros, que não mais se suportam. Que guardaram tanto os segredos, à ponto de deixarem que saíssem por outro lado. Um enganamento. Estamos sãos, porém não salvos. Cada vez mais encurralados, e difíceis de alcançar. O que há de vir, virá - feito palavras servissem de consolo. É difícil ter lutado tanto para acabar assim. Depois de termos descoberto que não éramos o que procurávamos. Éramos justamente aquilo do qual fugíamos: a mágoa. Por enquanto, tudo isto está longe. Ou estamos tentando nos enganar. Não vejo motivo para fingirmos que somos melhores e chegaremos a algum outro lugar. Podemos traçar planos, alguns vingarão. Outros não. Ainda vemos toda a beleza, com o ar de dois pombinhos apaixonados. Catando qualquer migalha no chão à procura da felicidade. Que felicidade mundana, na qual qualquer coisa já cabe. Você abre os braços para mim, e eu já posso dormir tranquilo. Numa paz profunda, satisfeito com tudo. Me larga de lado e, de repente, de repente, o mundo quase acaba. Para acabarmos nisso. De sermos o oposto do que vinhamos sendo. Vai embora o desejo, a paz, o cortejo. Daqui uns anos não vou mais te procurar para aquietar o coração. Nem vou mais te mandar flores. Ou te chamar com carinho. É esse o caminho. Eu e você na sala. Suportando sem alicerces, balançando com qualquer brisa. Acendendo uns cigarros e encarando a realidade de frente. Como tudo isso parece feio, pequena. Nos imaginar assim: com os pés no chão. Dá um desespero tão grande pensar que daqui, vamos para lá. E que romântico o pensamento de que para gente pode ser diferente. Por mais que amemos, não será. Só quero dividir contigo um pouco deste peso. Porque você é a mais frágil. E eu temo tanto te ver toda quebrada, pequena. Porque vai chegar uma hora que eu não vou mais conseguir te olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem. A não ser que levemos com cinismo. Uma hora vamos procurar outros, por não mais saciarmos nossas vontades. Vai ser tão triste, vai doer tanto. Porque eu falo, falo, falo, mas no fundo ainda vive a esperança. Eu te quero tanto agora, e já sofro com antecedência. Estou me preparando, pequena. Quero estar forte. Vai ser difícil, vou me esconder debaixo da cama e suar frio, e ter alucinações. Vai ser tão sofrido quando não nos amarmos de forma a suportar nós dois, pequena. Não quero te assustar, só se prepara, e se mantenha firme. E não chore na minha frente, por favor, não chore. Eu te amo tanto agora. Tenho tanto medo do que virá depois...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Decreto.

O que devemos falar? Agora que estamos olhando um na cara do outro. Olho à olho, cara à cara, boca à boca. Eu te agradeço por tudo? Muito obrigada? Seja feliz? Pensarei em você com carinho? Eu quero te dar um tapa, e ver se você acorda. Porque seu semblante sonolento está me dando nos nervos. E eu quero que você pare de assoprar o café, e queime logo estes seus lábios pálidos, e sua língua afiada, cruel, insensível. Porque, neste momento, eu apenas te odeio. Simples assim. Só isso. Que vontade de te puxar pelos cabelos e te perguntar se você só se fez de cego ou realmente não me viu durante esse tempo todo. Tudo bem, pode acender seu cigarro. Mas, ao menos, me ofereça um. Sim, eu aceito. Agradeço por dividir seu maço comigo, ainda mais depois de termos dividido uma vida. Já pensou nisso? Foram tantos, e tantos, e tantos anos, que eu perdi as contas. Melhor, parei de contar. Eu prefiri fingir que não existia tempo. Nada de horas, nem meses, joguei no lixo os calendários. Porque o tempo é coisa inventada. E quando a gente ama, e se entrega, ele não existe mesmo. Não existia para mim, mas você precisava me lembrar dos seus compromissos, das horas extras no trabalho, dos diferentes perfumes nas golas de suas camisas. Você acha que só você conheceu o outro lado? É por isso que você respira esse ar superior? Pois o ar é o mesmo, meu querido. Também senti outros perfumes. Tão menos suados e enfumaçados que o seu. Tão desejosos, e tão pretenciosos. Mas eu nunca desejei nada mais do que um afago noturno. Porque depois de um tempo, nem de longe eu te avistava. Eu poderia ter te abandonado, você sabe. Muito antes, muito antes disso tudo. Muito antes de você ter me entregado as chaves, e pendurado a toalha. Mas eu sentia pena, porque você me olhava com aqueles olhinhos de cão perdido toda vez que sentia medo. É, eu sempre disse que olhar para fora assusta. E eu também te amava, não escondo. E me pergunto se um dia você vai encontrar outro amor desses por aí. Porque eu fiz de tudo. Mas você não viu, estava muito ocupado com suas aventuras. E passaram tantos dias, e eu não sei o porquê deste encontro. Mas eu precisava te ver de novo. E sentir o seu cheiro. Agora, tão mais podre. E essa barba mal feita? E esse roxo debaixo dos olhos? Eu precisava de uma oportunidade dessas, para sentir nojo, e fingir que você nunca existiu. Que ódio desses seus olhinhos, lá vem eles de novo. Eu deveria fazer o quê agora? Te pegar no colo? Não seja tão cínico. Por quê você não fala nada? Está mesmo com medo? Acho que você nunca me viu do lado de fora. Dá medo olhar para as sombras, tão desfiguradas. Fala alguma coisa, estou ficando com raiva. Não? Vamos continuar nisso? Porque é, sempre fomos um grande monólogo. Pode falar, eu juro que te escuto. Vai ver o problema for isso, eu nunca ter te escutado, e todo aquele papo de indiferença. Você me dá nojo, é tão pequeno.
- Quero voltar.
Não, vamos deixar assim: silêncio eterno. Porque, enfim, estamos mortos. Um para o outro.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Noite Feliz.

Muita loucura para uma vida só, pensei nisso voltando para casa. Quer dizer, não sei se pensei naquele momento, não me lembro exatamente quando. Mas pensei, e estou pensando de novo agora. A vida vai tomando uns caminhos. Uns caminhos quase próprios, me parece. E a gente a vai perdendo de vista. Vai ficando de mãos atadas, para trás. Esse caminho próprio da vida, talvez seja o que nos leve à morte. Mas qual delas? Quem morre no final? Eu? A vida? O passado? Eu não sei. Eu não sei porque não sei mesmo. Pensar nessas coisas me dá cólica. E eu me contorço. Um corpo minúsculo na cama. Não quero falar de amores, a gente passa tanto tempo falando neles. Nunca estamos livres dos nódulos do amor. Seja paixão ou perda, a gente fala. Vou acender um cigarro. E respirar fundo. E falar profundo. Um cigarro sem filtro. Porque meu pai fumava assim, e a gente guarda essas manias para quando sente saudades. Vou falar da perda. Tenho essa mania de confundir as palavras: perda ou falta ou ausência. Se perder para, enfim, se encontrar. Porque encontro é desencontro e, também, é reencontro. Não sei demarcar limites. Nem os meus próprios. Tenho vivido uma vida tão imunda que, às vezes, sinto ânsia de pensar em mim mesmo. Pois eu tenho me enfiado em cada buraco, e me escondido tanto nas sombras. Sabe quando você só quer jogar para o alto e deixar ser levado? Pois é, joguei e estou sendo levado com a maré. E só vejo água água água. Que visão mais repetitiva. Só de pensar nela, já me vem o jantar à garganta. Mentira, não vem, não jantei. Tenho dispensado as coisas boas da vida. É a pressa. Preciso ver alguma coisa apontar no horizonte, talvez a salvação. Outro cigarro, estou trêmulo. Me sinto enfermo. Não era o objetivo, mas claro que eu acabaria nisso. Você me disse, eles me disseram. E repetiram. Meu Deus, como repetiram que eu iria acabar nisso se seguisse em frente. Mas é preciso lutar contra os próprios demônios. E, meu Deus, são tantos! São tantos, pequenos, grandes, enormes. Todos tem a mesma feição: a minha. Estava me guardando para isso, e machuquei a tantos. Eu pediria desculpas, se fossem válidas, se eu realmente me arrependesse. Mas foi preciso sair atropelando, e ferindo, e falando. Tenho marcas de queimaduras nas mãos. Elas me levam a pensar que eu não estava pensando em nada. Quando deveria. Estou tentando me enganar, dizendo que não posso sair disso. E acendendo um cigarro atrás do outro, fingindo que posso viver com isso. Estive bêbado, e drogado, e apaixonado. Estou tentando experimentar de tudo. E caminhar pelas esquinas. E me esconder nos becos. Tenho tanto medo de toda essa busca ser justamente o meu encontro. E tanto medo de ser justamente esse cara do qual todos falam, que não tem eira, nem beira, nem conserto. Que se esconde por detrás dos cabelos planejadamente bagunçados, e dos lábios avermelhados. E que sai para matar, e volta morto. Sempre morto. Porque não se lembra do que fez, do que sentiu, do que viveu. Porque jogou tudo fora à procura de algo novo. Esse cara que precisa de cuidados, mas recusa quando lhe oferecem. Mais um cigarro. Acho que esse cara sou mesmo eu. Inútil procura que fere tanto. Porque tenho arranhões nos braços e nas costas. Tenho me enfiado em cada buraco, em cada buraco rosado e precioso. Porque você sabe, todo mundo é pedra rara. E eu poderia tanto tirar a brutalidade, e fazer uma jóia. Escolher uma, só uma, lapidar, para ser minha. Mas tenho preferido acender um cigarro atrás do outro, e virar um copo atrás do outro, e me enfiar nos buracos, e depois sair calçando os sapatos, sem fazer barulho. E vagar pela noite. Vestido de escuro. Tudo tão escuro. E eu só me assusto comigo. Eu vim parar nesse beco. E nem becos deveriam existir aqui. Mas eu inventei. Porque sou um destruidor compulsivo. Que fere as feridas. As próprias e as alheias. Porque nada me basta. Absolutamente nada. Não tenho eira, nem beira, nem conserto. Estou afastando a felicidade para abrir caminho. Não sei aonde quero chegar. Não vejo nada à minha frente. Nem luz, nem um raio sequer. Tudo anoiteceu, assim, de repente.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal.

Meu presente de Natal vai ser ir embora. Vai ser te deixar com as lembranças e a ausência. Vou te deixar minha falta. Inteira, vou te deixar sentindo falta de tudo. De tudo que há em mim. E que houve com você. Porque nos perdemos e cansei dessa busca. E não quero mais sofrer. Você mesmo me disse, hora ou outra, a gente cansa, pequena. E fomos parar neste buraco sem fundo. Do qual agora eu saio. Eu saio e te deixo. E não vou olhar para trás. Não apenas porque vai doer, mas porque eu não quero. Chegou minha vez de ser forte, e te olhar nos seus olhos miúdos e dizer que estou indo. E que este é o meu presente, sua libertação. Nossa, minha. E eu te entrego tudo isso em uma caixa, feita à mão. Dentro dela, um envelope. Dentro dele, os restos. O que restou disso tudo, as mágoas e rancores. É chegada aquela hora em que o amor se confunde com o ódio, e nós tendemos à violência. Não quero te machucar. Não quero que você me machuque. Não nos desejo isso neste Natal. Não nos desejo. Apenas. Estou cansada. Extremamente cansada. Desse jogo de vontades e desejos. No qual você me puxa, e eu vou. E eu te empurro, mas você fica. É preciso se afastar, manter a distância. E que tudo fique bem. Tudo ficará. Porque éramos melhores sozinhos, não carregávamos esse peso tremendo de se apoiar na vida do outro. Nossas vidas hão de tomar os rumos certos. E não me procure dizendo que estou me perdendo, me acabando, me fodendo. Há tanto aí fora para aproveitar. E você preso nisso. Essa minha carta é um alerta, um despertar. Eu quero te acordar para o que estamos fazendo, e o tanto que estamos perdendo. Vamos mudar de discurso. E mudar de vida. Vamos mudar. Eu compro outro apartamento. Você compra um cachorro. Vamos fazer dar certo. Porque a gente não deu. Então cuidemos do que resta. Esse mundo infinito aí fora. Tem tanta gente interessante, tem tanta gente, e falta espaço para nós. Estou te dando um fora. Eu te quero fora da minha vida. E achei que nunca fosse te dizer isso. Porque me faltava coragem. Mas estou cheia de certeza. Quando não dá, não deu, já era, é isso, vamos seguir e nos encontrar, quarenta anos depois, enrugados e murchos, saudosos, agradecidos por tudo que aprendemos juntos. Tudo bem, dispenso o reencontro. Vamos nos ignorar, e fingir que nossa miopia aumentou, e passar reto. A vida tem tantas curvas. Tão perigosas. Receio que você acelere e caía. Vamos ter cuidado. Porque eu te quero sã e salvo, para me salvar caso eu precise. Neste Natal, eu dispenso a casa cheia e o verde-vermelho. Quero uma noite em preto e branco. Eu, uns goles, e uns tragos. Porque eu estou te dando de presente minha partida. Então me sinto de luto. Estou te dando minha falta. Em troca, você devia prometer que vai sentí-la. Para eu ainda me sentir amada. Porque serão tempos de muita solidão e dúvida. Eu vou querer voltar. Antes do Ano Novo. Porque não sei mais como as coisas funcionam lá fora. É preciso ser forte ou ser fácil? Estou com um pouco de medo. Mas zele por mim. E não mude de número, ou de olhar, ou de voz e, mais importante, não mude de mim. Espero ter acertado no presente. Acho que vai caber direito. Não há troca. Nem devolução. Minto, vou te ligar e pedir para que me devolva. Porque eu sou muito medrosa. E sem você a vida parece mais dura. Eu sou tão mole com essas coisas. Não se deixe esquecer, imploro. Vou manter minhas palavras. Essas escritas nesta carta. Imploro.
Feliz Natal, mais para você do que para mim.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Odara.

Minha garganta dói. E a vontade de correr me sobe pelos pés. Mas meu corpo todo dói. Então ficarei aqui, parado. Vendo a vida passar, esperando que ela logo passe. Porque tudo isso tem me doído tanto. Este silêncio no qual dividimos sentimentos, e individualizamos palavras. Porque eu sei. E você sabe. E a gente sabe. Sem ser a gente, porque estamos separados. Com nossas dores lacradas por quatro paredes, distintas. Falamos em seguir em frente. Bêbados, falamos em seguir em frente. E seguimos, acho. Não confio em palavras. Em nada daquilo que não posso tocar. Não confio no amor, ele escapa. Os anos vão passar, e tudo irá embora. E restará nada mais do que lembranças. E eu vou me lembrar. E você também. Desse sufoco pelo qual estamos passando. E que pensávamos que seria um alívio. Porque não dá certo. E não deu certo. E não dá mais. Então vamos vestir nossas roupas de gala e nossos sorrisos. Porque hoje a festa começa cedo. E é de despedida. Vou colocar um samba. De agora em diante, só alegria. À quem estamos tentando enganar? Estamos presos nisso. De querer e não poder. De poder, mas não tanto. Hoje me engasguei nas minhas próprias lágrimas. Tem coisa mais solitária que isso? Se eu morresse, a culpa seria toda minha. Mas não morri, e estou vivo. É isso que importa. Ter sobrevivido ao desastre de ser encontrado dez dias depois estatelado no chão da cozinha. Enfim! Odara! Odara! Odara! Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara, pra ficar tudo jóia rara. Qualquer coisa que se sonhara! Os anos vão passar, e vamos encontrar a cura. Uma cura para isso que, na verdade, não quer ser curado. Porque arde, e assim nos sentimos vivos. E nos sentimos juntos. Porque arde em mim, como arde em você. E você pensa em mim, como eu penso em você. E como não demos certo, e como nunca daremos, e o que faremos com esse tempo? Estamos grudados. Sei lá, no caminho a gente encontra. Encontra uma desculpa para sorrir grande, e dormir tranquilo. Como a gente, que não era para ter acontecido, e aconteceu, alguma coisa acontecerá. Acredito nisso. Também acredito em deuses, santidades, e que na vida, uma hora dá certo. Terá de dar. E você vai estar aí do outro lado. E eu aqui, meio estando também ao seu lado, fumando meu cigarro, e passando noites acordado. Aposto que você diria que estou me matando lentamente. Tudo bem, a verdade é que não tenho pressa. Quero aproveitar cada parte desse sentimento que me resta. Estou me remoendo, tentando relembrar para ver se monto de outra forma o quebra-cabeça. Estou quebrando minha cabeça nisso de sentir saudades e de sentir falta e de não poder fazer nada à respeito. Não há nada que possamos fazer à respeito. Estou insandecido, pirado. Como estava antes. É bom me sentir assim, desfigurado. Eu sempre esperei que alguém, um dia, fosse abrir a porta e me tirar de tudo isso. Foi bem isso que você fez, e eu vi a luz lá fora. Quando você vê a luz, é difícil voltar para o escuro. Mas a gente se acostuma. A gente se acostuma a viver ilhado, e pensar besteira, e falar bobagem. Estarei com setenta anos ainda relembrando dos pecados. Faz um bem danado atiçar a memória. Não acredito nisso de que um dia a gente esquece. Eu não quero esquecer de nada. Mas a gente substitui o carinho pela falta. E aí fica tudo bem, odara! Eu aqui fumando meus cigarros, e você seguindo em frente. Vamos lá, né, porque atrás vem gente...

Meu Amor,

Meu amor,
passei a noite debruçada sobre a privada. Quebrei o salto de minha sandália nova - aquela que falei pra você que economizaria o tempo que fosse para comprar. Deixei a maquiagem escorrer pelas curvas do rosto, e pingar no colo. Fui perfeita para você. Você que tem essa mania de querer consertar qualquer coisa que apresente a menor falha. Nesta madrugada, eu fui perfeita para você. Eu estava debruçada sobre a privada - e sobre a minha vida -, toda despedaçada. De dar dó. Você, se me visse daquela forma, me pegaria pelos braços, e me faria cafuné - ou me daria umas palmadas e me chamaria de vagabunda prostituta bêbada drogada fodida. Nunca sei qual reação esperar de você. Mas se você me visse daquela forma, tenho certeza que te despertaria alguma coisa. Alguma coisa qualquer, fosse carinho ou fosse pena. Porque fui eu quem despertou as melhores coisas da sua vida. Antes de mim, você não acreditava em nada, em nada que não fosse em si mesmo. Todo cheio da razão e das palavras cheias de sabedoria. Uma sabedoria fingida. Porque você não sabia de nada. Aquilo me dava um ódio. Aquele seu nariz arrebitado, seu andar superior. Quando você passava a mão pelos fios do meu cabelo e me chamava de pequena, e mordia os lábios e começava a contar das suas experiências: aquilo me despertava um ódio. Um ódio tão grande que se eu fosse um pouco menos sã, eu te bateria com a bolsa, ou com uma vassoura, ou com minhas próprias mãos. E você era tão esquelético que eu provavelmente acabaria com algum dos seus ossos e, consequentemente, com a minha vida. Porque você não pouparia esforços para me ver acabada. Só para depois você retornar e me consertar de novo. E me salvar daquilo que diria ser eu mesma. Porque, para você, eu sempre fui uma porra-louca descontrolada inconsequente infantil e imatura. E eu acreditaria nas suas palavras, e ia querer me ver morta. Porque Deus! como você fazia questão de me dizer como eu era um monstro. E eu achava até que era mesmo. Naquela época, eu não era cega, mas você tampava meus olhos sem deixar restar nenhuma fresta. Saber disso me dava um desespero, saber dessa força que você exercia sobre mim. Eu era um gatinho assustado. E você me cuidava. Ao menos dizia que sim, e eu acreditava que sim. Eu era um gatinho assustado e adestrado, porque eu sempre dava as costas, mas logo voltava. Eu sempre voltava para você. Assim me descobri extremamente fraca. Díficil dizer o que tínhamos um com o outro, esse amor doentio paixão desejo incessável carnal de alma de pele de tudo. Cansei de escutar as milhares de vezes em que nos perguntavam os motivos para não conseguirmos ficar um longe do outro. Nosso amor-estrangulamento. A gente mal se suportava, mas era ainda mais difícil encarar a vida quando estávamos separados. Eu precisava de você. Você precisava de mim. Uma dependência de dar medo. E, por mais que você acabasse com qualquer brilho em mim. E eu acabasse com qualquer força em você. Nós éramos nós, se fodendo o resto. Se fodendo com o resto. Nós acabamos com nossas vidas, né? No momento em que nos encontramos e nos entrelaçamos, não era preciso nem ter olhos para ver, nós sabíamos que seríamos um do outro daquele momento em diante. E assim começaria a merda. Porque você mandava, e eu fazia. Porque eu fodia, e você perdoava. Porque nós íamos inventando problemas e maneiras só para nos mantermos juntos. E não importava quantas vezes eu errava, você sempre encontrava uma maneira de me consertar. E de, depois, acabar comigo. Porque as mágoas existem para serem remoídas, e não esquecidas. Você me mostrava as falhas e eu te mostrava os caminhos. Porque eu te amava sem fim e você me amava sem fundo. Acho que estávamos loucos. Loucos por tudo à nossa volta. E, principalmente, loucos um pelo outro. Que delícia. Vivíamos acuados. Um escondidinho na vida do outro. Quando eu realmente fui embora, foi quando nossas vidas tomaram rumos mais certos. Eu dei para beber, e era tudo previsível, certo, e garantido. Tinha uma média exata de reais para gastar por noite, de litros a ingerir por dia, de lugares para capotar de madrugada. Você deu para beber do outro lado da cidade, e era tudo previsível, certo, e garantido. Eu também dei para dar para todo mundo. E era sempre a mesma monotonia. Vai e volta, e tira e coloca, e procura e não acha, e grita e geme e chora. Eu não te encontrava. E admito: a procura era incessante. Você deu para dizer para todo mundo o que estava dando de mim. Acho que isso era orgulho ferido. Ou inaceitação da ausência. Ou um pedido de atenção e retorno. Todo mundo sabia que eu faria de tudo para retornar. Mas para isso seria preciso que fôssemos outros. Ou que mandássemos se foderem os outros. Porque a gente precisa de um horizonte só nosso. Sem olhares curiosos e bocas para dar pitaco. Porque ninguém entende nosso amor. E nos amaldiçoam por isso. Porque era maior do que tudo que já tinham visto. E nos julgavam por isso. Meu amor, se você realmente soubesse aonde eu tenho passado minhas madrugadas, eu não sei como você reagiria. Eu já tenho deixado uma mala atrás da porta, para facilitar a viagem. Eu tenho voltado lá no passado, para me garantir de que ainda te tenho comigo.
Abraço apertado de quem não quer largar mais, nunca mais.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Invenção.

Vem cá me dar um cheiro. Que sua noite seja doce. Como quero que sejam todas as outras. E os dias. Ah...os dias. Quero que seus dias sejam doces. De maneira à querer mais, e não enjoar. Eu te quero todo o bem dessa vida. Eu te quero comigo. Eu não sei o que dizer. É só te olhar para ficar mudo. E eu penso em tudo. Tudo que eu poderia te dizer, e como eu quero ser capaz. Quero te cuidar. Prefiro que você não precise de cuidados, e esteja sã e salva. Mas se preciso for, cuido e seguro seus cabelos. Seguro seu choro. Posso também chorar por você. Não por você, porque eu não quero que você se vá, ou que você me doa. Chorar no seu lugar. Eu posso, você sabe que sim. Quero que chegue a hora de dormir, e você adormeça com o rosto encostado no meu. E te acordar dizendo como amo suas costas e suas curvas e seus buracos e seus desvios e seu sorriso e seus dentes e sua língua e tudo o que te pertença. Eu te quero bem. Bem perto. Bem feliz. Bem sorridente. Bem minha. Bem querer. Bem-te-vi. Bem-te-olhei. Bem-te-quis. Bem-te-beijei. Eu quero te escrever cartas, e não entregar. E reler mais para frente, enquanto você estiver deitada na cama. E pensar como-eu-te-amo. E te querer por perto. E não te sufocar. E eu te amo inteira e por partes. Eu quero poder amar sem ser escondido. Porque eu amo e não te digo. Sem saber se dizendo estaria abrindo a porta para o jardim secreto ou para um buraco infinito. Meu amor é infinito. E nem preciso estar contigo. Não quero tomar muito seu tempo. Mas te entrego todo o tempo que tenho. Quero estar perto. Por enquanto, só te observo. Não que não baste, mas poderia ser mais. Eu preciso te dizer essas coisas todas que há tempos te escondo. Mas acho que você entende o que é ter medo. Não preciso te explicar. Quero te segurar bem perto. E poder sussurrar tudo isso. Como se eu tivesse coragem. Eu não tenho, mas arrumo. A gente sempre dá um jeito para essas coisas. É preciso não perder. E não por orgulho ferido. É porque dá medo ter medo de perder. E eu nem te tenho para isso. Eu fico pensando no futuro. Meio certo de que um dia ele virá. Dá esperança. E frio na barriga. Um borboletário humano. Vem cá, meu dengo. A gente pode fingir que duraria para sempre. A gente pode fingir que existe o para-sempre.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um Beijo.

Fazia muito sol. Minto, não fazia sol. Era fim de tarde nublado. Sem qualquer desculpa para ser feliz. Ia chover. Ia chover muito. O céu ia desabar. Não haviam opções: estar infeliz ou morto. Estive infeliz. Eu quis beijar o céu por este presente. Uma infelicidade de doer nos ossos. Osteoporose, velhice ou solidão. Solidão, era isso. Era muito cedo para envelhecer, ou adoecer. Era muito cedo para o céu se entregar para o escuro e fazer com que eu adormecesse sobre a mesa. Estive pensando nela. Estava pensando nela. Com meus botões, meus corações. Tem um coração para cada parte deste meu corpo - é que o amor vem de várias formas, de vários lugares. Tem quem a gente ame com a cabeça, aquela coisa de intelecto-siamês. Tem quem seja pelos volumes do corpo, mais ou menos o que chamariam de amor-carnal. E o amor que vem do peito, aquele que chamamos de eterno e queremos nos afogar em lágrimas por isso. Pensando nela, não consegui rastrear de onde vinha. Amei-a de tudo. E isso é o que eu chamo de fraqueza. Porque eu estava muito bem. Se parar para pensar, eu nunca havia estado melhor. Do bar, para a cama. Do mar, para a cama. Do ar, para a cama. E eu sequer fui exigente com manchas nos lençóis. Eu tive todas. Todas as mulheres de Atenas. As mulheres de Viena, de Veneza, de Teresina, de qualquer lugar. E todas as descendentes, e nativas, e mestiças. Por isso adoro cidade cosmopolitas. E as madrugadas à pó e às cinzas. E agradeço pela vodka, o whisky, e todos os destilados. Obrigado à todos que estiveram do meu lado. Sinto estar escrevendo uma carta de despedida. E o destinatário não poderia ser ninguém melhor do que eu mesmo. Mas Eu, meu caro, não é de você que me despeço. Para ser sincero, não me despeço de nada. Estou desalinhando um passado, para tecer este momento em que me reencontrei. Estava eu ali sentado, incomodado com aquele céu. Estava eu ali sentado, incomodado com aquele céu, sendo o mais triste de todos os mortais. E pior ainda, pensando nela. Parece até começo de música-chiclete: pensando nela, pensando nela, e aí, companheiro, o que isso me traz? Acho que ninguém entende a dor. E é bobeira as classificar, e nomear. Doeu em mim, não em você. E dizer que ardeu, não quer dizer mesmo que ardeu. Por quê quem sabe o que é arder de verdade? É quando queima, né? E se queimar para mim for uma coisa, e para você for outra? Então minha dor de estômago pode ser coração partido. E minha cãimbra pode ser um incômodo no músculo. Essa dor aqui no peito é minha, e você não entende. Nem compadece. Nem compreende. A minha dor no peito, de perda, pode ser sua dor de parto. E qual das dores seria a maior? A minha. Porque eu decidi que seria ela e ponto. Minto, não vou comparar seu corte com minha quebra. Quebra de compasso. Da lineariedade do enredo. Sou uma personagem sem rumo. Sem tempo. No capítulo em que se depara com uma crise existencial. Pensando estou perdido. Mas já disse isso antes, em outros capítulos. Então agora eu mudo meu discurso. Meus queridos, eu não estou perdido. Meu querido Eu, é para Eu e para mim que escrevo. Estou devidamente encontrado no meu desencontro. Entende? Eu nunca me encontrei para me perder. Então voltemos ao começo. Começo bem cedo: quando eu nasci. Quando eu nasci eu ainda não estava lá para entender. Acho que a gente nasce a alma vem depois. Uns aninhos depois, quando a gente já sabe que bater palma é bater palma, e os pais são dois chatos. Sei lá quem é encarregado pelo despacho de almas, mas recebemos aquela que nos merece. E aí passaram os anos, pique-pega, pique-esconde, esconde essa porra, porra me pegaram, porra tô fodido, porra agora prometo que paro, porra me expulsaram de casa, porra não sei o que faço da minha vida, porra agora eu acertei, porra mudei de idéia de novo, porra tô perdido, porra tô perdido, porra tô perdido (e essa frase é claro que se encaixa em muitas outras vírgulas). Porra quando eu a encontrei! Eu disse porra. Por quê que porra é essa de vida que a gente precisa de encontros para entender que está vivendo? Meio difícil aceitar essas verdades absolutas. Estou vivendo. E a tal da vida pós-morte? E se eu tô vivendo é essa vida? Como você sabe? Voltei a estar perdido. E alguém sabe o que realmente é estar perdido? Eu queria uma palavra para cada sentimento individual. Enfim, eu a encontrei e de repente a sensação de estar eternamente perdido sumiu. Como quando acaba o filme e descem os créditos, ou como em um passe de mágica. Mas eu sei que era amor, e não encontro. E que não é encontrar que acaba com a perda. Pode ser amor. Pode ser amor tapando os buracos das perguntas sem resposta. Mas amor não cura tudo. Na verdade, agrava as situações. Porque, se antes eu já me sentia perdido, agora a perda sequer se limita à uma palavra só. Mas está tudo bem, e não melhora repetir. Nem em voz alta. Está tudo bem porque não sei definir o que seria pior. Fazendo sol ou fazendo nada, pensar nela me matava de sede. Porque eu fumava que nem uma puta velha. E bebia achando que era água-benta. E que benzer era cura. Pensar nela me desidratava. Quero dizer que me matava, mas não quero parecer melodramático. Ainda penso nela. Porque o fim de tarde foi há algumas horas atrás. Não me esqueço em questão de soma de minutos. Não me esqueço em questão de soma de sentimentos. A infelicidade ainda me dói os ossos. Mas tudo certo, assim me sinto vivo. Viver dói pra porra! Já pensou nisso? Não sei se dói para você, ou como dói. Para mim é algo entre estrangulamento ou uma série de facadas nas costas. E a verdade é que gosto disso. Por isso ainda é muito cedo para adoecer e morrer. Está fazendo noite. Daquelas únicas, em que acontecerá um eclipse. E eu, supostamente, devo me manter acordado e me debruçar na janela para assistir. E pensar meu Deus! como são lindas essas coisas da vida! Chega até a me doer os olhos! Não vou ficar acordado para assistir, me sinto farto, e cansado. Parece que engoli minha vida inteira em um segundo, sem mastigar. Faz bem colocar para fora essas coisas da vida. Sinto estar arrancando uns espinhos presos em camadas profundas da pele. Espinhos de alma. Sou uma rosa brigando com meus próprios cravos. Isso que eu sou: uma guerra para ver por onde me machuco mais. E sou tão delicado. E também tão afiado. Sou um ser-humano, é isso. E sei lá desses meus instintos animais. Minha loucura merecia um brinde. Por quê não? Estou apaixonado. Mais uma vez, estou. Como eu queria alcançar. Eu preciso beijar o céu...

Catedral.

Hora de respirar fundo, camarada. Segura esse copo, porque é a última coisa que te resta. Está na hora de começar tudo de novo. E vai doer. E você vai querer chorar. E você vai se sentir sozinho, e se afundar na cama. E vai procurar por aí, mesmo que inconscientemente. Se você vai achar, eu não sei. Mas está cedo demais para prever e desistir. Olha para frente. E diz que está vendo uma luz. E esse não é o fim do túnel. É a saída do buraco. Você vai ter que se arrastar, e perder algumas unhas na subida, mas valerá o esforço. Eu digo, mas não te prometo. Eu só quero te ajudar. É preciso que você se mantenha de pé, e perca um pouco dessa postura. Nada virá fácil. Então se levanta. Estamos prontos.


Vou morrer de amor, ou tesão. E te querer por perto. De pernas e braços abertos. Sem te conhecer. Já passei por quase tudo nessa vida, mas nunca perdi a inocência, e ainda acredito nisso de amor à primeira vista. E vou andar pelas ruas sem perder um rosto sequer. Eu vou te encontrar. Eu preciso de amor e carinho. De amor, amor, amor. E um pouco de carinho. Na proporção de três por um, de outra forma vou me sentir preso. Não gosto de ter ninguém pendurado no pescoço, ou ninguém pendurado nas costas. Não sei segurar ninguém além de mim mesmo. Não sei nem me segurar. Eu vou sair por esses Eixos desordenados. Atravessar o concreto à nado. Eu sei que você está por aí. Eu vou descobrir seu nome. E segurar no seu ombro e dizer como eu precisava de você, me dê um abraço. Nós estamos predestinados à esse encontro. Eu sinto. Eu sinto que você está por aí, pensando que vai morrer sozinha com oito gatos, assistindo novela. Mas eu vou chegar antes disso. Porque as coisas foram feitas para serem assim: eu e você e o concreto. E o céu de Brasília, arco-íris sem cor. Vou te achar, meu pote de ouro. Passei por muitos anos e canos antes de tomar coragem. E tentei me enganar. E me enganei com mulheres tão belas, as quais eu jurei meus amores mais tenebrosos, quando na verdade eu só precisava de alguém para abraçar em noites de chuva. Eu sei que você está por aí. É o tipo de coisa que a gente sente, de não ter vindo ao mundo sozinho, de que vai sair dele acompanhado. Sabe, a solidão enlouquece. Por isso eu falo com os muros. Tudo branco ou sujo. Tudo sujo de branco. Eu vou te salvar dessa monotonia de cores, desse silêncio que ecoa. Eu vou te encontrar nos meus planos. E vou ser seu piloto. A gente não sabe se é borboleta ou avião. Mas a gente voa. Eu estou voando, te procurando aqui de cima. Preciso saber aonde você se esconde. Não estou mais aguentando levar essa vida com a barriga. Vem cá me dar forças. Tenho todo esse amor guardado aqui dentro. Estou pronto para te entregar. Me encontra na metade da ponte. Acho que não vai estar chovendo. É bem ali onde o lago parece mar. E o horizonte nos alcança. Eu vou te olhar com meus olhos e alma. E tudo vai ficar certo. Eu preciso de você para cuidar, para ficar de bem comigo. Eu te perdi nessa cidade, e estou envelhecendo. Não vamos demorar, e acabar logo com isso. Eu sei que você está por aí, em algum lugar. E está difícil, mas até lá eu aguento. Eu vou salvar seu dia. Você vai salvar minha vida. E vamos sair para dar uma volta. No meio de todo o concreto, é ali que nosso amor se concretiza.

domingo, 19 de dezembro de 2010

La Fille Danse.

Meu amor,
tudo isso não significou nada. E eu quero que você saia da minha frente. E eu espero que você suma da minha vida. Por favor, se afaste. Você está atrapalhando minha saída de ar. E eu ainda não terminei de fumar meu cigarro. E o café está lá em casa esfriando. E sua cara de morta está me deixando irritado. E que se danem seus amores e seus pecados. Eu não quero saber de nada. Não me importo para quem tem dado seus beijos, e na mão de quem tem guardado seus dedos. Eu preciso sair daqui. Então se você pudesse me dar licença, e me levar até a porta, e devolver minhas coisas. Eu preciso levar tudo embora. Vê se me esquece. Isso está ficando difícil. Não me olhe com esses olhos. Isso tudo me deixa triste. Vou descer a avenida. E encontrar alguém. Preciso redescobrir sabores. E não me importo o tanto que você me toque. E não tente puxar meu rosto para o seu. Estamos nos movendo rápido demais. E eu não quero nos acompanhar. Estamos rodando. Estou meio perdido. Daqui uns dias chegará o Natal. E o ano vai virar. Cheiro de caramelo e vida nova. Hora de cortar o cabelo e aceitar as mudanças. Precisamos chutar a bola e seguir adiante. Você vê o tanto que isso vem machucando. Não negue. Nós não somos mais os mesmos. E mal aguentamos um o cheiro do outro. E você quer me dar um tapa. E eu quero te dar as costas. E que se dane se isso é mesmo amor. A gente esquece. A gente finge que sim e muda de posição. Eu vou começar a dormir do lado esquerdo da cama, e trocar os lençóis. Duro isso de fingir ser forte. Mas alguém tem que ser. Senta aqui do meu lado. As coisas estão ficando ainda mais difíceis. Encosta a porta. Eu vou ficar mais um pouco. Deita aqui no meu ombro. E vamos tentar não chorar. Somos melhores do que isso. Somos melhores do que nós. Nós...estamos atados à tantas coisas. Eu me sinto meio preso ao passado. E isso vem me embrulhando o estômago. Nos ver assim me dá ânsia. Parece que abrimos mão, e jogamos tudo fora. Mas eu sei que a gente lutou. Estivemos aqui com facas e arpões. E pau e pedra. Resistimos, enquanto pudemos. Eu vi você cansar. Você me viu desistir. Tudo isso significou tudo. Vou falar a verdade. Amor completo, de levar pela vida inteira. Não quero que você jogue na minha cara tudo que eu te fiz. Vamos ser suaves. Não deu certo, é isso. Deu certo, mentimos. Era muito cedo para nós. E não tivemos como acertar o relógio de acordo com nosso tempo. Também não pudemos inventar um tempo só nosso. E viver como dois hippies no meio do mato. Tudo girando em volta. Eu orbitando em volta de você. E vice-versa. Dois planetas distantes. Eu e você. Balançando. Você balançou comigo desde o primeiro momento. Não tenho muita nitidez na memória, e estava escuro, e ébrio. Mas eu lembro dos seus olhos, e de você só-sorrisos. Você não estava nos meus planos. Era para ter sido outra mulher. Que desconcerto. Mas uma hora eu tinha que te revelar isso. Era uma ao seu lado. Mas nossas vidas se confundiram. E você foi a melhor escolha. Que eu nem escolhi. Você foi minha festa surpresa. E que felicidade ter te encontrado. Mesmo nós dois no tempo errado. Eu perdôo essa vida, por tudo. E a culpa disso é sua, desse perdão inconsequente. Disso de colocar a cara à tapa. Ainda preciso matar muitos leões. Eu aguento mais uns anos. E vou seguir me lembrando de você. Eu juro querer ir embora. Precisando que você me peça, e eu fique. Porque a idéia de virar hippie parece feliz. Porque qualquer idéia contigo é feliz. E isso é tão triste. Porque estamos tão perto e tão longe. Empacota tudo isso, vou levar comigo o seu cheiro. E todas as lembranças. Não quero sentir saudades. O que eu mais quero é sentir seu toque. Tem me doído tanto ter que te escrever essas coisas. Essas cartas de despedida. E ter que te desejar muita felicidade. E muito amor. Dói te desejar o amor dos outros. Mas espero que te amem. Bem longe para eu não sentir inveja. E não querer socar as paredes. Eu não preciso mentir. Meu amor, enfim estamos livres. Você sempre quis voar. Mas vá com cuidado. Não poderei estar aqui para te proteger. Não quero seguir nisso de me ferir. Amar amor de longe machuca. Não posso ficar perto. Não posso ficar longe. Não posso ficar. Quero dormir e acordar lá na frente. E te encontrar comprando cigarros. Você usando o mesmo perfume, e me olhando com a mesma vontade. Faz esse tempo passar rápido. E as coisas acontecerem como devem acontecer. Não adianta negar. Fomos feitos um para o outro. E a gente se precisa. Eu queria ficar agora. Eu queria tanto que fosse agora. Não quero correr o risco de cair no esquecimento. Se lembre de mim. Por favor, prometa. Eu prometi não chorar, outra coisa que eu não vou cumprir. E você vai jogar na minha cara mais para frente. Não teremos mais para frente. Lá na frente você nem se lembrará de mim. Não aguento o gosto das lágrimas. Que vontade de você. Quebra os ponteiros, por favor. Vamos acontecer agora. Não me deixa ir. Por favor, me segura nos seus braços. Estou perdendo a força nos pulsos, não consigo mais te escrever. Estou me lembrando do seu sorriso, e estou ficando com medo. Eu vou arrumar alguém para me esmagar de madrugada, e coçar minhas costas. Não vou ser feliz. Não vão saber do que eu gosto, do que eu quero, do que eu preciso. Você podia dar umas aulas. Só para eu aguentar essa vida. Estou vendo que vai ser difícil. Já está sendo. Eu preciso te deixar ir. Vou ficar mais uns anos. Quero absorver isso tudo. E recuperar o fôlego. Vou fumar outro cigarro. É o último, e está virado. Preciso fazer um pedido. Meu Deus, como estou perdido...vou te pedir em casamento. Sei lá se isso vale. Estou com medo de morrer antes de nos recuperarmos. Então vou te escrever uma carta por dia até eu não conseguir mais. Preciso que você saiba como eu te amo. E como eu te quero. E como eu te espero. Vou fazer minha barba, e vestir uma boa roupa. E dar uma de Don Juan pela cidade. Vou te encontrar em outro corpo. E fingir que estou matando a saudade, e não a mim mesmo. Promete que um dia você volta. Só para eu dormir essa noite. Estou cansado. Sabemos que promessas não tampam os buracos. Mas eu sempre estive aqui para me enganar. Vou morrer de saudades. Vou morrer de amores. Vou morrer sozinho.
Um beijo nos seus pés de bailarina,
Partir gaiement vers mon oubli.
Com todo o meu amor, me parto e me despeço.
(e me despedaço)

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

P.S.:

Estrago
Não que eu tenha nascido com tendências à comportamentos violentos. Não que você fosse saber caso eu tivesse. Não que eu não tenha te contado tudo. Não que eu também não fosse um pouco misteriosa. Eu queria bater na sua cara, é isso. Porque já é dia e você nunca acorda. Sempre é dia e você nunca acorda. Você nunca vê. E você cansou de me passar os olhos, e de achar que seria sempre assim. Você pôde mudar. E fumar seus cigarros. E escrever seus poemas. E apertar suas meninas contra o peito. Em nenhum dos seus terremotos eu desci do salto. Ou me despi para outro. Ou me despedi de você. Não me matei por não ter sido sua musa. Mas me proíbo de voltar a acreditar nisso de eternidade. E eu que te dei seus banhos, e sequei seus cabelos, e limpei as privadas. E eu que aguentei toda a sua merda. E eu que te amo e sei que com isso só me fodo. E que sei que seu amor eterno ia todo para uma foda. Você precisou me amarrar nos dedos, uma fita vermelha, para não escapar da lembrança. Prefiro pensar que errava meu número, ao pensar que preferia uma outra. Mais apertada, menos angustiada. Outra que não se envolvesse em você. Que só te visse como um herói hasteando a bandeira. E não conhecesse seus defeitos, ou seus erros, os seus fetiches. Uma que te achasse perfeito. E não fosse te amar por isso. Uma que não fosse eu tateando seus defeitos, e perguntando a precedência, e beijando cada calo e cada ferida. Porque eu te amava muito mais quando você estava errado. Porque você era lindo trocando as palavras, e deixando a água cair do copo, e sujando a barba de leite. E era ainda mais lindo quando batia o dedo na porta, e gritava meu nome, e parecia que ia chorar, mas de repente se lembrava que era homem, e falava um palavrão, e tentava resistir, mas logo estava a me abraçar forte, e se sentir minúsculo. Você precisava de todo o amor do mundo. E de muito cuidado. Mas não podia admitir. Porque era cínico e orgulhoso. E se escondia atrás dos óculos de grau, fumando Marlboro vermelho, bebendo vinho do gargalo, apertando alguns traseiros, sussurrando alguns versos. Não sei o que te dava para achar que se protegeria de tudo só por ter talento. E por ter seu charme. Se um dia, ainda com força e vontade, desistiu de lutar, então não foi amor de verdade.... Portanto, eu não desisti. Continuei, aliás, insistindo. Eu corria atrás de você feito uma cadelinha no cio. Eu precisava te salvar de si mesmo. Você nunca me assustou. Eu nunca tive medo. Mas você era um escroto. Só por capricho. Porque quando era menino jurou ter perdido o coração pra umazinha que não quis abrir as pernas. Você era um gênio, mas ainda assim, tão burro. Eu tentei inventar mil coisas para você acreditar. Eu precisava tanto te cuidar. Te colocar entre os braços e dizer não-te-assusta. Mesmo tendo pesadelos com esse mundo. Não-te-assusta, porque eu tô contigo. Eu te amo, é isso que aqui eu revelo. Caso você nunca tenha percebido. Na verdade, por você nunca ter aceitado. Por quê você achou tão mais fácil ser um fodido do que ser amado? Sabe quando faltam duas paradas até seu destino final? E o trem nunca pareceu tão devagar? E todo aquele percurso parece ser parte de um filme, no qual você, silencioso, espera que alguém entre pela janela para te salvar? Porque na frente vem algo medonho e perigoso? Estou vivendo isso. Queria tanto ainda conseguir pensar em você como um herói. Mas estou me vendo daqui alguns minutos quebrando o vidro e pulando. Acho que o ar está virando pouco para nós dois. Para nós dois e as suas conquistas. Então, em meio a isso tudo, me despido. Me despeço. Eu te quero todo o bem. E te quero por todo além.
Uma vez fui sua.
Engasgo
Boa idéia deixar o envelope ao lado das garrafas. Boa idéia me deixar sem ar. O que já era pouco, para nós dois, pareceu ainda menos só comigo. A casa está vazia. Parece um deserto e, com esforços ou destilados, eu vejo bolas de feno rolando pelos cômodos. Que silêncio. Eu escuto o grafite se desgastando nas folhas. E minha respiração. Estou sozinho. Para sempre, e desde sempre, estive. Pago pelos meus pecados. À prazo. Pequeninas parcelas de vida. Caindo feito folhas de uma árvore vistosa: está chegando o Outono. Eu tenho medo de trovões. E de raios. E de escuro. Como serei daqui para frente? Me prevejo como um filhote amendrotado, escondido debaixo da cama, tremendo desde o rabo. Eu te percebi no primeiro instante. E no primeiro instante soube de tudo que você poderia me dar. Sou ingrato por natureza. Um escroto. Eu percebi no mesmo instante em que você foi embora. O sol foi coberto por uma nuvem e a casa pareceu maior e mais sombria. E as flores também murcharam. E escutei um barulho vindo do ralo. Foi o fundo do poço. A última gota. A primeira gota de lágrima agora, porque eu te imploro: volta. Que não é tarde, pois ainda está claro. Que não é cedo, pois já está maduro. Volta antes que eu fique cego, e minha pele fique manchada. E eu perca minha voz de tanto fumar. E perfure meu estômago por tanto me maltratar. Volta. Eu te peço desculpas. E, se preciso for, te peço até em casamento. Eu te amei cego. Eu amei cego meu amor saudável. Porque o amor ia, só eu não queria ver. Eu te preciso aqui comigo para me salvar de mim. Porque eu me assusto e me perco. Eu não sei aonde me encontro, porque acabo de acordar. Volta que eu preciso do seu amor e da sua ajuda. Eu preciso aprender a andar. Volta?

P.S.: Sem querer desmerecer seus esforços. Mas você podia ter tentado um pouco mais, insistido. You know, água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Te sinto, saudade.

Feliz Amor Novo.

Às dezoito horas eu te encontro. Passo aí. Posso? Quero te dar um beijo. Quero te dar um abraço também. Quero sentir seu cheiro. Promete passar aquele perfume? Sinto saudades. Mas não quero que se sinta mal. Não com isso. A gente sabe. A gente conversou. A gente até chorou. A gente sabe. Você disse. Eu sei. Eu disse. É fim de ano. Perseverança. Esperança. Perdão. Paz. Vamos ficar em paz. Mas não temos como esquecer. Então vamos continuar aflitos. Ansiosos. Ansiando. Eu te disse, sinto saudades. E quero te saber mesmo longe. E te saber mesmo escondido. Te vasculhar. Te vigiar. É que eu tenho um pouco de medo. Não quero que ninguém te machuque. Ninguém vai me machucar, prometo. Você sabe que sou forte. (Mas sou forte até quando?). Há muito tempo você foi embora. A gente tem que aprender a se apoiar. Sozinho. Acho que aprendi. Só machuquei um pouco as mãos e os joelhos. Mas nem ficaram marcas. E se tivessem ficado, eu teria escondido. Não mostro à ninguém minhas fraquezas. Mas uma vez te mostrei. Foi porque você me mostrou o caminho. Você me disse, sinto saudades. Do que mesmo estamos falando? Me conte alguma coisa. Antes que eu vá embora. Eu vou embora. Um de nós sempre vai. Dessa vez vou eu. Vou te dar as costas. E sair andando. E aí! do meu coração se você me gritar. E aí! do meu coração se eu não voltar. Vai ser difícil controlar meus pés. Vou querer um cigarro. Já te contei que parei de fumar? Pois é. Parei. Parei e voltei. Então me empresta o isqueiro. É verdade. Você não fuma. Lembrei que tenho uma caixa de fósforos. Pede outro chopp. Os dias têm estado tão quentes. Tenho preferido isso de dormir sozinho. Me tem sobrado espaço. Gosto de espaço. Falando nisso, mudei de apartamento. Um dia desses te chamo para ir lá. Mentira, não poderíamos ficar sozinhos. Não que você me dê medo. Você me intimida. É que você sabe de tudo. Você sabe onde tocar. Você sabe onde tocar para que eu chore ou para que eu goze. Dizem que é a tal da intimidade. Acho que é uma coisa só nossa. Sem nome. Órfã. Órfã porque somos os pais. E abandonamos. Abandonamos tudo. E agora, meses depois. Reencontro. Gostei do seu corte de cabelo. Jurava que você era meio loira. Está bonita. Nem parece ter perdido um amor. E foi amor mesmo? Não quero enlouquecer. Nem nada. Estou só perguntando. Foi ou não foi? Se foi, por quê então você não sofre? Desculpa. Prometemos não falar nessas coisas. É que eu não consigo só te olhar. Só te olhar e deixar quieto. Mas deixo. Silêncio e sombra. Vou fingir que, por mim, tudo bem. Vou fingir isso por você. Deus! Como me tornei altruísta! Coisa sua. Isso. Coisa sua. Isso de sentar no gramado e olhar o céu. De comer com as mãos e se lambuzar toda. Que felicidade você me deu. Que felicidade você me traz. Você é tudo. Você consegue ser tudo. E aí que talvez eu me arrependa. Você se arrepende? A gente deixou a bola cair. Né. Manobras perigosas. Né. Amar é isso. Né. Entregar coração sem conhecer o carteiro. Dá nisso. Né. Ainda dói falar à respeito. E prometemos que não. Ainda assim, eu falo. Desculpa. Outra vez. Vou me calar. Me conta alguma coisa. Acho que eu guardo mágoas. Me cura? Você sempre jogou tudo pra mim. Tudo pra cima de mim. Agora é minha vez. Me ajuda? Não vou chorar. Entrou alguma coisa no meu olho. Tá ardendo. E só não te digo. Mas sei bem onde. Não me abraça. Não precisa me abraçar. Olha o que você está fazendo comigo. É perigoso se sentir seguro. Não vou querer me soltar. Vou querer voltar no tempo. E vou querer ser outra pessoa. Vou querer ir mais pra frente. E depois voltar. Quero voltar sendo eu agora. Acho que eu seguraria a barra. Você poderia até aumentar o peso. Estou ficando velho. Ou vai ver é depressão. Odeio me sentir preso. Mas algumas partes minhas ficaram com a gente lá atrás. Eu fiquei preso com a gente. A gente foi embora. Cada um para seu lado. Eu fiquei. Eu. Quem sou eu? Desculpa. Não comi direito. Não cumpri nossa promessa. Estou falando. E falando. E meu estômago está ardendo. Eu reclamando. E você aí inteira. Nenhuma parte faltando. Quer dizer que nenhuma parte sua ficou comigo? Acho que eu estive me enganando. Jurava ter sido mais forte. Forte para você. Como foi para mim. Estou eu mesmo aqui me machucando. Remoendo. Cutucando. Sofrer uma vez só não basta. Nada basta. Pra mim. Né. Bem que eu suspeitava. Estou por me tornar cada vez mais amargo. Há pouco eu era até agridoce. E você sequer sente minha falta. Posso fingir que não dói. Agora que tudo faz sentido. Jeito bom de acabar o ano. Daqui a pouco é vida nova. Faltam dois dias e três horas. Passou o Natal. Aumentaram as esperanças. Vida nova. Não temo em reencarnar. Mas em perder a carne que está agora comigo. Quero te abraçar forte. E abraço. Revivo. Ressuscito. Reencarno. Renasço. Não importam quantas sejam as vidas: você sempre estará comigo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Branca de Neve.

Eu te seguro, e eu te protejo, e eu te cuido. E te prometo que para sempre, que paro-raio, que para sempre. E você desvia o olhar, e sua pele branca me acalma, e chega o silêncio, e se instala. A gente conhece a agonia de não saber quando o nosso para sempre acaba, de não saber para quem vamos contar quando isso acontecer. Porque temos a certeza de que mesmo dividindo mil segredos e cruzando nossos dedos mindinhos e dando o primeiro bom-dia e o último boa-noite e os melhores beijos: não vamos contar um para o outro que percebemos o fim. Vamos esperar. Existe o impulso, mas todo mundo espera. Todo mundo sabe bem antes, a gente sente. A gente sente quando, de repente, uma hora, a gente se entreolha e se entrega à Deus, e seja-o-que-ele-quiser. O estômago é, subitamente, comprimido e tudo vira um sufoco, e as olheiras ficam mais profundas, as contas ficam mais caras, a casa fica mais bagunçada, os roncos ficam mais altos: a gente se cansa. Eu não quero me cansar de você. Nunca. Eu não quero. Quantos outros antes já não devem ter estado na frente de alguém, e ter tido o mesmo devaneio, e chegado ao mesmo suspiro-conclusão. Eu não vou me cansar de você. E cansar é uma palavra tão feia, tão fria, tão feita de plástico. Você não é uma boneca, embora pareça. Eu não tenho mais doze anos, embora pareça. Eu te quero assim, desse jeito para sempre. Você com as mesmas bochechas rosadas, eu com o mesmo frio na barriga por te olhar de perto. Eu quero pertencer à você para sempre. Eu não quero pertencer à mais ninguém. Você me faz tão feliz. E tudo mais é tão efêmero, e tudo mais sequer me importa. Ninguém segura minha mão como você, é por isso que eu te amo. Porque até pelas coisas mais bobas e, até, mecânicas, seu amor me basta. Constato agora que não há nada mais belo: nem as gérberas, nem o mar. Constato também que, não sei se sou eu quem te mereceu, mas de alguma forma, eu te tenho. Porque seus dedos estão segurando os meus, e suando um pouco frio. E eu estou te pedindo o eterno. E eu estou te prometendo o mesmo. E você está desviando o olhar, e o sol está batendo em seus cabelos e olhos: você me traz tanta paz. E tanta sensação de ano-novo-vida-nova. Seus olhos têm tanto medo. Agora. Seus olhos com medo me dão medo e um calafrio sobe minha coluna. Não sei se você viu ou está vendo alguma coisa. Fiquei com medo. É algo ruim? Eu quero te proteger, me conta. Você está me assustando, me fala. Está tudo bem? Me ama. Por quê você não respira? Volta. Eu te seguro, eu te protejo, e eu te cuido. Eu te preciso, não sangra. Eu não consigo te perder, nem para a idade. Eu não sei como te perder. Só se passaram quarenta anos e já querem te levar embora. Mas eu te prometi a eternidade. Tem alguma coisa errada, me leva contigo. Eu estou com medo, me abraça. Me abraça porque seu abraço sempre me salvou de tudo. Você me segura, você me protege e você me cuida. Branca-de-neve, fica. Eu preciso que você fique até a hora do chá, para me coçar a cabeça e perguntar como foi meu dia. E rir. E rir muito quando eu te dizer sério que senti uma coisa esquisita que achava já conhecer: branquinha, você não sabe o quão mórbida é a sensação de segurar uma outra vida nas próprias mãos. Que sensação delicada a de não deixar que ela caía, ou que ela suba - isso de paraíso e inferno faz tremer os braços. Olha para mim, a gente prometeu nunca passar por isso. Olha para mim, o para sempre não pode acabar comigo. Não me deixa com esse peso e me leva contigo. Eu vou sentir tanto a sua falta, branquinha. Eu vou sentir só a sua falta. Eu te amo para sempre, me espera? Perdoai todos os nossos pecados: meu amor foi avarento, branquinha. Eu te seguro, eu te protejo e eu te cuido daqui. Me espere lá, eu prometo que chego até a hora do chá.

A.M.J.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Bom Dia.

Agora - como é que dizem por aí? -, tudo azul? Ou será vermelho? Talvez amarelo? Arco-íris inteiro? Na verdade, acho que, até hoje, só eu fui capaz de ver essa cor. E como é alegre. Ameaçadamente alegre. Acho que estou feliz. E a cor chega até a brilhar no escuro pra mim, eu que fui sempre tão triste. Tudo cor-minha. Cor-nossa. Cor-sua. Acordei sem remelas, ou gosto de sangue e asfalto. E o sol nasceu hoje. Não como nasceria em todos os outros dias. Hoje o sol nasceu pra mim. Ele entrou não só pela janela, também atravessou pelas retinas, e me abraçou. Nasceu sem chorar, mas eu soube que ele estava vivo. Que dia é hoje? Porque só pode ser feriado, ou meu aniversário - eu que nunca comemorei, hoje comemoraria estourando champagne e estourando ouvidos por cantarolar feliz e tão alto. Sabe quando vem uma felicidade? E você não sabe nem de onde. Mas eu também não preciso saber. Quando uma dessas vem, a gente só quer que ela fique. E hoje, eu digo, eu faço de tudo para que ela permaneça. Porque é bom dormir no canto, e surpreendentemente, acordar abraçado. E se aninhar sonolento, e sorrir inconsciente. Eu me levantei e tomei café, e comi bolachas, e até comprei flores. E quis aparar a grama, e também andar de bicicleta. Acordei disposto. Eu diria até que disposto à tudo. Quero pular de pára-quedas, não mais me dependurar no parapeito. Não sei, mas meu peito anda tão leve. E essa minha leveza é tão saborosa, que eu até lambo os dedos. Hoje não está fazendo calor, também não está fazendo frio: está do jeito que as coisas deveriam estar, felizes. E eu escrevo agora nesse meu diário, porque eu quero me lembrar um dia, se isso um dia for embora - o que eu não desejo, mas pessimista espero. Eu vou reler e sorrir e, quem sabe, recuperar esse gosto. Gosto de encontrar com aquilo que mais gosto, gosto doce, doçura exata. Hoje o dia nasceu-felicidade. Mas já está chegando a hora de dormir.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Dedicatória.

Há quarenta e cinco anos te esqueci - nem essa idade eu tenho. Não achei nenhuma forma outra de te dizer: nunca te amei, nem nada. Nem nada, nem um respigo de carinho ou vontade de te roubar um beijo e acariciar as voltas dos seus seios. Eu precisei te dizer isso agora, mas seria o mesmo de te dizer depois. Eu te peço para me esquecer, então não insista. Talvez eu precise de você daqui quarenta e cinco anos, quando eu estiver pesado demais para me apoiar na bengala, e pesado demais para me segurar nessa vida sozinho. Nossa história foi só uma boa foda. Boa porque tentamos sem parar e só você pareceu sair com a cara de quem acaba de ser fodida. E eu não posso dizer que me arrependo, porque tirei algum proveito do seu choro. E você me deixou um pouco mais de loucura. É a loucura que sempre fica, não sei se você sabe. Com os anos os amigos-amores-amantes-sonhos vão indo embora. E ficamos loucos, e também cinzentos. Eu quis a loucura de te ter somente para poder te perder. E me afundar nos cacos de vidro, e nos vidros inteiros, e em poças de lágrimas, lama e etílicos. Eu te tive só para te ver indo embora. E eu soube usar de todas as palavras, e serviu, até mesmo, o silêncio. Eu falava e você me tapava a boca com um beijo. Eu me calava e você me enchia os ouvidos com gemidos. Eu queria ter sentido saudades, para me livrar um pouco dessa crueldade que agora te revelo. Eu sinto alguma falta, se isso te consola: eu sinto falta de te fazer falta. E de receber suas ligações ébrias e descontroladas em plena madrugada, enquanto eu dormia do outro lado da cidade, com alguém do mesmo sexo, ou do mesmo nível. E te dizia que estava lendo Cortázar, tomando um vinho, fumando cigarro, e te dizia para ficar calma, e parar de gritar, e você escutava barulhos, e dizia que eram vozes, e eu dizia que era a televisão, e na verdade eram gemidos, e você me perguntava: mas você não estava lendo um livro? E eu dizia que estava me sentindo só, e o som das vozes me acalmava. Você dizia que pegaria um táxi e estaria comigo em dez minutos, e eu dizia não estar muito bem, e se acalma que estou indo deitar. E você aparecia faltando vinte minutos para as seis, preocupadíssima, e eu não atendia o interfone, e você me ligava treze vezes, e enfim eu acordava e te dizia que estava no hospital, mas se acalma que é só um resfriado e eu já estou voltando para casa, me espera, me espera, ainda não vá embora. Eu não queria que você fosse embora, eu nunca queria que você fosse embora se eu não pudesse estar aqui para assistir. Não sei, mas às vezes achava que você fosse um pouco louca demais para o meu gosto, e eu até gostava de pensar nisso, me dava uma vontade de me apaixonar por sua loucura, pelo menos por ela. Porque eu não conseguia ver nada de belo em seus traços, infantis demais para mim. E eu não conseguia aturar por muito tempo sua voz, doce demais. Eu te achava meio enjoativa, acima de tudo. E eu não conseguia lidar com a idéia de te ter sempre grudada comigo, então eu te dava férias - e à mim - e te soltava um pouco, e falava vá ver o mundo que isso aqui é só um quarto. Mas você não se soltava. E me batia um desespero por não saber o que seria da sua vida sem mim. Por não saber o que seria da sua vida depois de mim. Presunçoso, mas acho que as vidas são demarcadas assim: a.M. e d.M., antes de Mim e depois de Mim. Eu sempre em maiúsculo, porque sou eu quem escrevo as histórias. Sou eu quem faz a mocinha e o vilão. E sou realista portanto, em minhas histórias, não há um final feliz. Em compensação, são vários os clímax, vários, as histórias são todas clímax: a revolta, o tiro, o suicídio, o estupro, a paixão, a perda. Eu te dei alguma felicidade, espero. Porque duvido que alguém soube como lamber tão firmemente suas pernas, ou como recitar tão fielmente Drummond. E eu te coloquei inúmeras vezes para dormir junto aos pêlos de meu peito. E ali não haveria lugar nenhum tão seguro. E eu dividi contigo minhas melhores garrafas de vinho, e minhas melhores piadas, e meus maiores sorrisos. Acho que sou um pouco grato. Por tudo, minha querida, obrigado. Você se tornou o melhor dos meus romances. O romance no qual eu mais acreditei. Eu poderia ter jurado de pés juntos, e subido uma escadaria de joelhos, por isso tudo, e por nós, porque eu realmente acreditei. Seu romance terá nome de mulher, talvez o chamarei de "Helena", por ser assim tão forte. E eu dormirei com ele apoiado na cabeceira, para eu me sentir seguro. Porque isso eu posso dizer que você fez. Acho que foi seu olhar seu calmo e tão, falsamente, maduro. Eu me sentia um homem barrigudo balançando na rede, na varanda de uma chácara distante, com um visual verde e sadio posando à minha frente. Acho que com essa sensação é que veio o bloqueio: eu queria ser o homem vistoso caminhando com um facão pelo meio da mata, e você atrás de mim, se sentindo protegida. E não o inverso. Há quarenta e cinco anos te esqueci, porque soube que não poderia passar o resto da minha vida a me lembrar. É curto o saber de que tudo vai embora. Hora ou outra você iria. E eu não aceitaria ser aquele que foi mandado embora. Eu tinha um pouco de medo. Mas eu zelei mais por mim do que por você. Eu poderia não ter colocado o ponto e ter arcado com as reticências. Eu tive tanto medo de que você enlouquecesse, mas quem enloqueceu fui eu. "Uma vez eu amei", assim que vai começar, minha Helena. Uma vez eu amei muito antes de ser amado. E eu larguei meu amor antes, para não o ver indo embora depois. Eu disse para você sair e ver o mundo, minha Helena. Você não entendeu o teste: o mundo, para você, deveria ser eu. Foi o que eu quis...

Esse livro vai para o meu mundo,
com muito amor.
(Amor que o mundo não viu, mas que eu dei).

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Doce.

Encosta sua felicidade na minha: é tudo que eu posso te pedir. Porque eu te vejo aí sorrindo e me dá vontade de sorrir também. De sorrir junto. De sorrir contigo. De sorrir por ti. Tem gente que cava o próprio buraco, dizem por aí. E se deixar apaixonar talvez seja isso. Cavar, cavar e cavar, sem saber se vai sair do outro lado do mundo para ver o sol de novo, ou se vai acabar por ali mesmo, procurando desesperadamente por uma saída. Não quero pensar nisso. Tento não pensar nisso. Até porque você aí, sorrindo do outro lado do mundo, me dá uma puta vontade de largar tudo - sem nem saber que tudo é esse que eu tenho. E cavar sem saber que horas eu chego, aliás, sem nem saber se vou chegar. Encosta seu sorriso no meu: e aí quem sabe, não aconteça de sorriso encostar nos lábios e dos lábios virarem beijo. Porque eu preciso do seu sorriso, mas se você não quiser sorrir, eu também posso te colocar no colo, e amansar seu pranto. Eu sei que alguma coisa aí dentro ainda dói. Encosta sua ferida na minha: mas não que meu amor tenha poder de cura. Eu só quero sentir seu sangue. A impressão que tenho é a de ter passado toda a minha vida à procura, e ao ter desistido: te encontrei. Quantas noites jogadas ao vento, e dias se jogando na sarjeta...é impossível fingir que não vamos - até mesmo sem forças - esperar. E quando a gente encontra a vontade é de diminuir o mundo e guardar no bolso. De sair correndo sem nem saber como a corrida começou, nem quando vai parar. De renascer, só para estar puro, ainda que digam que amor verdadeiro não tem passado. E a vontade de estar pronto, e estar de pé. E de não ter nada de ruim ou pesado que transpareça. Nada de feio ou monstruoso para te mandar embora. Vontade de dizer fica só para ter certeza que você saiba que nada mais basta, que nada mais completa, que nada mais treme, que tudo mais é nada, e que de tudo, só há você. E eu te vejo sorrindo, e fico aqui te escrevendo essas coisas. Algo em mim me diz que um dia eu terei que te dizer tudo isso. Porque eu comecei a cavar, mas ainda não fui longe. São tão belos seus olhos, e seus lábios, e cada um dos fios do seu cabelo. São tão belos todos os seus defeitos. E que vontade de te pegar no colo, só para fingir para mim mesmo que sou eu o único a te tirar do chão. Eu quero ser o único a te tirar do chão. E não me importo se antes houveram outros. Eu quero saber do seu presente e quero ser o seu futuro. Eu vejo você sorrindo e eu preciso que sorria de perto. E não me importam os dentes amarelados de nicotina ou os lábios pesando mais para um lado. Você aí do outro lado do mundo, eu refaço todos os países e continentes, só para te ter por perto. E não precisa nem estar sorrindo...


Não precisa porque eu posso inventar motivos.
E escrever poemas.
Posso segurar seu rosto.
E beijar seus lábios.
Quem sabe abrir sua boca,
e tentar me esconder lá dentro.



E se você estiver triste, acabada, corroída,
eu finjo que me sobram forças.
Ou te deito no meu peito,
e finjo ter palavras.



Eu finjo que não existe a distância,
só para te ter por perto.
De preferência, sorrindo.

(Mas eu encostaria seu amor no meu independente da forma.)

De Temps En Temps.

Pouco antes de me decidir esquecer de tudo, só me resta uma última memória para remoer no doce frio de Dezembro. Afundado debaixo dos cobertores, tomando o café gelado de três dias, arrancando as cascas das feridas espalhadas pelos braços: fios avermelhados, tal qual a cor dos lábios. De nada mais quero me lembrar. No fundo até quero - todo homem tem um pouco de masoquista e de louco. Mas é preciso que eu acenda um cigarro, e deixe que a fumaça me preencha um pouco: fobia do vazio, para que enfim eu consiga falar mais um pouco disso. Um trago, dois tragos, dois e meio: e que se fodam todos os estragos. Os dentes amarelados, a pele envelhecida, a voz rouca, o humor nublado. Finalmente me sinto preparado e respiro fundo e transpiro frio e falo: a hora em que a cabeça dela apontou pela porta: não sei foi minha cabeça ou se foi o tempo que parou. A gente conta os segundos, porque a vida nada mais é do que uma crise de ansiedade seguida de choros e espamos e sorrisos, tudo meio torto e inacabado. Às vezes acho que o coração existe só para nos fazer falta, porque eu sei que sinto falta de tudo. Eu sinto falta do que passou e do que ainda há de passar. Tenho pressa, é o que acho. Tenho pressa porque não sei o que me espera e isso me tira o sono, e o apetite. E no desespero de não escutar os sinos tocarem todo dia às seis horas da tarde, penso até em me atirar da janela. Não obteria sucesso. Talvez perdesse alguns dentes e algum tempo no psiquiatra. Não penso em me matar, que fique claro: tenho tudo à perder, mesmo que às vezes não encontre nada. Não obteria sucesso porque não haveria nada de lírico ou romântico nisso: eu estaria somente abandonado às traças e aos traços de algum pintor de rua que passasse e resolvesse usar meu sangue para desenhar minha silhueta e demarcar o-lugar-do-louco-que-tentou-suicídio. Talvez eu conseguisse alguns segundos de fama e aparecesse nos jornais para todos sentirem pena, ela sentiria pena. Ela sentiria pena e apareceria no leito do hospital para passar as mãos no meu cabelo e dizer que sempre soube que eu era um porra louca que só enlouquecia por não encontrar nada melhor para fazer. Mal sabia ela, mas eu tinha tanto para fazer: eu tinha que organizar meus livros por ordem alfabética, compor um thesaurus de angústias e sentimentos outros, arrumar companhia para passar a noite, para passar o calor, para passar qualquer coisa viral que nos fizesse definhar por completo sem escapar um da memória do outro. Falando assim, eu percebo mais uma coisa sobre mim: eu vivo de memórias, e em nenhum lugar do mundo se encontraria alguém tão assumidamente triste. Eu vivo de memórias e comecei dizendo que estava aqui para remoer minha última. Eu, que vivo de memórias, poderia viver o resto dessa vida com uma só? Penso que sim, se eu tiver a certeza de nunca esquecer aqueles olhos cheios de brilho e aquela voz açucarada. E não esquecer aquele primeiro de muitos beijos, e aquele primeiro amor de poucos outros. Eu poderia passar o resto da vida vivendo da memória dela. E eu posso até dizer que assim seria feliz. Mesmo que, na verdade, assim eu só seria um pouco menos triste. Ou talvez mais triste. Mas a tristeza seria calma e certa: porque eu a tive. E eu me sentiria seguro. Tive ao ponto de poder ainda me lembrar dela. E viver sabendo que tive, e que, aqui, ela esteve. E que daqui ela nunca iria embora, se ela vivesse para sempre nessa minha memória. Que nunca envelheceria, apenas, talvez, perdesse um pouco da nitidez e do contraste. Na minha memória ela seria para sempre minha. E é bem isso que eu quero, e espero, e desejo, eu desejo que ela seja sempre minha, do jeito que foi. Mesmo que tenha sido rápido, eu quero viver daquela memória e de nossos instantes. Eu a tenho guardada na estante, emoldurada: exibo como um prêmio. Exibo para mim mesmo: meu prêmio. Eu ganhei amor. Eu ganhei o amor que juro que foi meu e de mais ninguém. Na minha memória, ela aparece quando era minha, quando começou a se entregar. Se entregou no segundo em que cruzou os olhos e o destino comigo: acho, de verdade, que estávamos predestinados, meant-to-be, felizes-para-sempre naquele momento. Eu vou ser feliz para sempre naquela memória. E que se danem os valores morais e viva-o-instante-e-o-agora, eu revivo meus instantes agora: porque preciso resgatar aquela felicidade se quiser seguir. Não que eu vá seguir em frente, eu sigo, seguirei caminhando. E me levanto, e vou até a sala, e acendo o abajour, e um outro cigarro: não há vazio, não há. E troco o café por três-quase-quatro dedos de whisky, por me sentir meio insano sem qualquer motivo aparente: são negadas todas as loucuras escondidas entre as vísceras. Confuso, nenhuma outra palavra me define. E eu vasculho meu vocabulário pobre e ultrapassado, mas nada de diferente encontro. Eu quero um encontro. É isso. Um encontro que não seja aquele em que parei de funcionar como um homem forte e desvencilhado dessa loucura que é se jogar do precipício da dependência na vida de alguém. Porque hoje eu sei que cresci e não sou mais menino de jogar tudo e mais as mãos para o alto e dizer: leva tudo, pode levar! Sem ter a ciência de que tudo poderia ter ficado e eu poderia ter sido levado junto. Os bens materiais são descartáveis, como são as seringas e certas mulheres - em doses exageradas até alcancei alguns encontros: de duendes à ela em corpos morenos e descuidados. Nada arde mais do que o alcance do inalcançável - aquele momento em que se perde toda a lucidez e, de repente, a televisão vira um bolo de aniversário, e uma mulher de calça justa e que cobra caro parece ter aqueles olhos tão amados e aquele beijo tão querido. Deixa eu sentir essa falta. Deixa eu sentir essa falta porque é ela que resgata minhas memórias. E por elas que eu continuo sentado aqui, sem que a sala esteja vazia e as cortinas abertas, e um corpo estirado na calçada. Eu quero um encontro, e não é porque sem ela eu me perdi. Eu já estava perdido muito antes, e nenhum daqueles cílios longos poderia ter me salvado disso. Ela sempre soube da minha inconstância e do meu mal-quer-à-quem-quer-bem. Só não me perca porque você não me vê: foi uma das coisas que eu disse e tanto a machucou. Mas ela não via que o estrago era bem maior, que o buraco era bem mais fundo, e que não era possível tocar, nem diagnosticar. Eu quero um encontro, resgatando isso tudo, percebo que já não me bastam as memórias.
Quand le souvenir s'arrête
Et l'océan de l'oubli,
Brisant nos coeurs et nos têtes,
A jamais, nous réunit.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Muita Paz.

Aconteceu de eu acordar e sentir um peso na nuca e uma dor na cabeça e uma inquietação no peito. E me levantei faltando quinze minutos para o nascer do sol. E caminhei quase me arrastando até o banheiro. E olhei aquele homem devastado no reflexo do espelho: remela olhos avermelhados manchas arroxeadas marcas marcas marcas. Senti na boca o gosto de amnésia: vodka whisky cerveja cigarro gozo saliva. Em vinte quatro horas eu não conseguiria reconstruir as oito da noite anterior. Não sabia a quem perguntar: quem fui o que fiz o que fazer? Se me arrependo? Tomo um banho gelado que faz com que ardam todas as feridas - lavo, inclusive, minha alma. Ainda aguento o peso na nuca querendo me colocar para baixo. Fico sem saber se abro mão ou resisto. As gotas escorrem pelas minhas costas e é quando resolvo me secar com o vento: abro as janelas. Meu corpo me envergonha. Ouço um barulho vindo do quarto e sem saber quem é me escondo. Me escondo por detrás daquela minha cara de nada-me-esqueço. Me visto rápido e corro daquilo. Dou uma olhada nas fotos da sala para ver se me familiarizo com algum dos rostos. E são todos jovens e estranhos e felizes e loucos. Caminho sem olhar para trás pela rua e pego o primeiro ônibus. Me sinto mais pelado do que quando eu realmente estava pelado. E sinto mais frio do que quando eu estava pelado e molhado de janelas abertas para o vento. E sinto um arrepio e novamente o peso na nuca e a dor de cabeça e a inquietação no peito. O gosto na boca permanece o mesmo: amnésia solidão sujeira. Se meus pais me vissem agora saberiam que todas as pragas que me rogaram foram justamente tudo aquilo que agarrei com pernas e dentes. E se lembrariam de como eu fui revoltado na adolescência: fumando escondido no telhado fodendo escondido no banheiro falando sozinho no quarto. Mandaram benzer exorcizar demolir ou sei lá todos os cômodos da casa: de acordo quanto a minha impossibilidade de renascer renovar reviver reparar. E eu me sento ao lado de uma velha. Que fedia e muito. Fedia à sujeira mas uma mais limpa que a minha: formol frango assado cigarro de palha. Ela me olhou meio que com os olhos querendo identificar meu cheiro. O que me deu vontade de dizer: porra você nunca fodeu não? E começar a contar como e quanto fodi não só com os outros mas também comigo. Mas me segurei para não ser desagradável e desci depois de três paradas. Sei lá aonde eu estava. Essas cidades planejadas me deixam perdido. Meu telefone tocou e o número era de alguém querido pois reconheci os três últimos números. Atendi e o convite era tentador de sair para amanhã acordar do mesmo jeito. Eu nem procurava uma forma de sair daquilo. Eu procurava uma forma de entrar cada vez mais. A gente se encontra às três - eu não sabia nem que horas eram. Quando descobri faltavam quinze minutos e fui andando para guardar os trocados para uns cigarros picados ou uma cerveja. Cheguei lá e a música e a vibes e a cerveja e os rostos conhecidos. Fiquei sem saber se fugia daquilo ou se fugia desse pensamento: fraqueza é sempre muita e fiquei. Aqueles abraços saudosos aquelas caras de pena aquelas cara de choque porque não-era-para-você-estar-aqui. Sem saber se por orgulho ou por vontade: a verdade é que ali mesmo eu estava. E pedi uma cerveja e me sentei à mesa. E dei aquelas voltas com os olhos para ver quais eram os perigos e quais eram as soluções. Encontrei contigo. Pelo olhar eu encontrei contigo. E que merda saber que fiz a escolha errada e saber que você soube que eu encontrei contigo ali e não poder evitar e olhar para baixo ou puxar um papo sobre Nietzsche com o cara ao lado. Os olhos que se pertencem sempre se encontram - foi algo que pensei com essa minha cabecinha de aspirante à pensador filósofo escritor qualquer coisa qualquer. Você seguiu para o outro lado e o pedaço de madeira que estava pressionando meu peito ficou menos pesado. E eu até respirei suspirei transpirei dobrado. Consegui me desligar quando enfim já não podia te alcançar de vista. E comecei um papo sobre encontros desencontros reecontros saudade e ausência. Fingindo não estar falando de você toda vez que soltava a palavra amor ou qualquer coisa tão sentimental assim. Não soube desse seu lado tão cruel - e deveria ter tomado ciência disso antes quem sabe assim não pararia nessa de se-me-fodo-é-porque-não-te-esqueço ou se-me-fodem-é-porque-não-te-esqueço porque aí eu pensaria que você não era tudo aquilo de tão perfeito e absurdo e seria tão mais fácil me desapegar dos seus lábios e do seu cheiro. Não soube desse seu lado tão cruel até a hora em que você se aproximou e colocou a mão gelada sobre minha nuca e me beijou a bochecha e perguntou se eu estava bem e não esperou a resposta e saiu andando como se nada ali tivesse acontecido. Como se a gente não tivesse acontecido e porra! você aconteceu para mim! Você aconteceu como acontece de virem as primaveras os outonos: não sei diferençar um do outro nem qual deles é você porque não sei se fui feliz ou triste porque não sei se caio ou deixo florescer. Não sei que tipo de comparação foi essa porque a essas horas não sei nem o que dizer. Você foi e continua sendo não que isso soe melhor. Você não foi como o outono ou a primavera porque por eles a gente espera. A gente espera que eles venham e eu não esperava que você viesse. Eu esperava por você bem no fundo, naquela parte infantil em que imaginamos príncipes e cavalos e roupas brancas bem engomadas e o melhor beijo e o melhor gosto e o melhor desejo e o maior abraço. Mas eu não esperava por você sendo você. Não você sabendo você com seu nome e CPF e olhos amendoados e ombros largos e sorriso imenso. Eu esperava por você como algo que há de vir quem sabe vai ver a gente encontra ou não e aí morre sozinho sem nunca ter experimentado dessa ardência na coluna e desse ar de repente rarefeito. Deus nem sabe o que fiz para merecer aqueles dedos gelados na nuca e três palavras e você me dando as costas e a dor me dando vontade de chorar. A dor da perda é a pior das dores. Porque o perdido a gente não tem como segurar e tentar estancar o sangue e tentar assoprar e fazer quem sabe um carinho. A dor da perda daquilo que foi perdido é semelhante ao sentimento de lidar com o desaparecimento-possível-morte-de-alguém-querido. A gente sabe que foi sem saber pra onde. Sem saber se doeu sem saber se volta. Eu te amei né. Eu te amei pra caralho e acho que essa é a única e melhor conclusão. E antes de eu te dizer isso você já tinha ouvido tanto eu falar que essa porra de amor não existe que isso é coisa de quem fuma muita maconha e não tem forças para trepar com ninguém e acha que amor substitui porque seria tão forte quanto sem precisar do menor esforço físico. Amor pra mim era preguiça. E quantas vezes eu te disse isso...muitas incontáveis vezes antes de tirar minha armadura de super-herói e aquela minha pose de galã americano. Pensando bem sem querer pensar muito em qual rumo tomamos: eu parei quando percebi que te amar era assim tão fácil. Eu parei de dizer e não de te amar. Amor era preguiça e eu odiava me sentir preguiçoso acordando perto das quatro da tarde passando o dia na cama pedindo carinho ficando abraçado sentindo vontade matando desejo. Você sabia exatamente o que fazer pra que eu me sentisse cada vez mais fraco mais dependente mais impotente mais merda. Foda-se o amor, né, é isso que eu deveria dizer agora que te vejo ali do outro lado da rua sorrindo como se estivesse realmente feliz e talvez você realmente esteja e só eu fiquei enjaulado nessa merda de saudade nessa merda de infelicidade nessa merda que é um dia ter dito que ia embora e nisso você mesmo ter ido e eu não. E eu sentado aqui sentado aqui sentado aqui apenas porque pareço não conseguir fazer mais nada além de fingir que não estou te olhando através dessas lentes escuras e desses olhos mareados de lágrimas que provavelmente vão doer quando caírem e vão doer tanto que mais vai parecer que atiraram areia nos meus olhos e pararam pra esfregar. E eu me lembro de quando você disse que odiava essa minha prepotência psicológica e essa mania de achar que sei tudo sinto tudo passo por tudo. E eu tento evitar mas daqui um pouco estou mordendo meus lábios e pensando nisso tudo e querendo achar alguma explicação lírica ou lúdica ou qualquer. E eu resgato no meu leque cultural mil e umas falas e frases e feitos e sei lá, né, dizem por aí que o amor é vermelho. Ou a paixão. Ou o amor. Tá, o amor. E eu penso nisso e eu acho que chego numa conclusão na qual ninguém nunca há de chegar - porque sou um prepotente crônico, se lembra? O amor não é vermelho por ser como uma fruta madura e suculenta. O amor é vermelho porque ele sangra, e muito! O amor sangra muito, hemorragia sentimental: escorre por dentro e por fora. Hemorragia interna e externa fratura exposta. O amor é vermelho porque precede a morte. E vermelho e preto combinam e lembram a salsa a valsa a dicomotomia os antepostos antagônicos as alegorias o que se completa e se desfaz. Eu continuo sentado aqui e você ali do outro lado sorrindo e aposto que sem nem saber o motivo. E de repente eu me sinto meio obcessivo e parece que viramos o jogo porque há tempos atrás eu diria isso de você mas é que hoje me dói tanto. Me dói tanto e é por isso que eu também olho para os lados e planejo minar e atacar algum lugar novo para passar a noite. E passar pela mesma situação de acordar sujo: não quero tomar rumo. Depois disso tudo eu tenho medo disso de tomar rumo seguir em frente mudar de calçada não olhar para trás. Eu tenho medo de tudo para falar a verdade de repente eu me sinto sozinho e não é só de corpo porque quando eu quiser meu corpo arruma companhia. É sozinho aqui dentro e eu sei que não fui eu que causei isso tudo mas eu também não quero te culpar porque eu te quero bem. Eu te quero comigo mas não posso então eu te quero bem. Então fica bem fica bem porque o mal tá aqui comigo corroendo o estômago abrindo buracos dando ânsia de vômito. Eu lembro de quando eu decidi que era você. Eu decidi quando na verdade já estava predestinado pré-datado. Eu decidi que era você e foi quando tudo em volta ficou em silêncio e todo mundo olhou achando que eu havia enlouquecido e até eu achei que estava louco mesmo e que sei lá talvez você tivesse me hipnotizado ou feito em mim uma lavagem cerebral porque era difícil admitir aquele amor. Que amor era aquele? Eu nunca soube só sei que eu escolhi e de repente eu saía por aí saltitando e sorrindo e amando e querendo e saltitando e sorrindo e achando estranho achar que tudo estava sempre tão bem. Foi bem um daqueles momentos em que a gente escolhe a vida. E aí então começam as lutas, e a gente sabe que eu só preciso de você pra vencer. Tenho medo do que você diria se dali você me escutasse acho que diria que estou mais louco do que um dia eu já fui - e você me disse. Você chegou perto e com sua boca avermelhada me beijou a bochecha corada e não quis sequer trocar mais do que três palavras e eu quis você mais perto bem perto tão perto. Mas acho que você tá melhor ali longe. Então fica longe fica longe fica longe - não sei se digo porque devo ou porque quero. Acho que não é bem isso que eu quero dizer não é isso e você sabe a gente sempre soube. Mas fique longe porque está tudo bem. Eu te prometo que está tudo bem. Tenho certeza de que vai ficar tudo bem. Então fique em paz tudo em dobro muito amor muita felicidade muito de tudo vou sentir para sempre saudades. E que porra é essa que eu estou tentando te dizer sem que você me escute? Sem que você queira me escutar? Você pediu tanto para que eu fosse firme e forte: estou sendo.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

La Solitudine.

Eu havia acabado de me mudar para Lisboa na época. Eu não só era jovem e corajoso, eu era valente e liberto. Não existiam correntes ou pregos: nenhum metal, nada que contesse ou machucasse. Cheguei lá vestindo uns trapos nos meus um metro e não-lembro-quanto. Garoto-quase-homem de olhos cor-de-mel, cabelos castanhos, destoando, de nariz e bochechas vermelhas, naquele frio de me-abraça-e-me-bota-para-dormir. Não levei muito dinheiro - naquela idade, quem levaria? Quero dizer, talvez uns ou outros, mas não fui criado para ser Doutor - seja lá o que isso, hoje, signifique. Não levei muitas lembranças, memórias ou nostalgias, não queria sobrecarregar meu peito que, mesmo jovem, já chiava e doía. Juntei economias, quebrei alguns porquinhos e narizes e fui. Fui usando daquela teoria do band-aid: arranca-rápido-que-não-dói. Achei que tivesse funcionado. Por muito tempo, realmente achei. Procurei casa, emprego, um bom livro para me salvar. Fui encontrando a tudo - e a mim - aos poucos. Indo e voltando por entre as Sete Colinas: eu vi de tudo. Cada coisa é feita de uma porção de outras coisas, percebi. Percebi que cada uma das coisas - as que vi e as que viria a ver - era feita de extravagâncias e mistérios. Indo sozinho, voltando acompanhando. E indo acompanhado, e voltando sozinho. Fiz bons amigos, boas mulheres: fiz boas histórias. Cheguei naquele ponto em que olhei para a vida, achei que fosse maré, e disse: pode me levar, leva que eu vou. Foi feito um deslize na neve: fluído e macio. Posso dizer até que, no meio daquilo tudo, me encontrei. Aliás, me descobri. Me descobri perdido. O que fez do encontro, um encontro de gala, com direito a valsa e gravata borboleta. Passei mais da metade daqueles anos sofrendo de tonturas ou náuseas e, havia em mim um espiritualidade desconhecida, que me dizia que eu estava apenas colocando tudo para fora. Eu devia mesmo era ter guardado todas as garrafas, e cinzas, e cápsulas, e seringas. Eu me encontrei no meio de um estado de insanidade aguda. Não conseguia enxergar meus braços por debaixo de todas aquelas marcas, ou meus olhos por debaixo de toda aquela solidão-tristeza-insônia. Eu não pensava. E aquilo me parecia felicidade. Não que eu tivesse atingido o nirvana. Eu só havia notado que me corroendo por dentro o dano seria maior do que me corroendo por fora. Um dia, deitado sobre gramado de frente para a Torre de Belém, olhando meio torto para o braço de mar-rio-água-sei-lá, o sol foi encoberto por uma nuvem. Uma nuvem que não era mesmo nuvem, mas que era branca como tal. Branca que nem nuvem e que nem neve. O que não podia ser, porque só eu estava de cabeça para baixo. E a nuvem sorriu pra mim. A nuvem sorriu pra mim! E em meio àquelas alucinações-sensações-tentações, eu enxerguei vinte dentes. Vinte, e eu tive tempo de olhar a analisar cada um deles antes de me colocar de pé e pensar porra-tô-pensando! E olhei aqueles esvoaçantes cabelos envolvendo o rosto da nuvem: de cor tão inflamável. Qualquer coisa boba ou infantil me veio à cabeça, menos que pudesse estar correndo perigo. Aquela mesma espiritualidade tomou conta de me dizer que estava tudo bem. Esteve tudo bem à partir daquele momento. Pensei em mim como um homem ensandecido falando com seres inanimados: convencionalmente ou não, a minha nuvem me respondia. Chegou perto para elogiar a tristeza escrita em meus melados olhos. Perto este, que não foi o suficiente. A gente diz por aí que não se entrega assim tão fácil, mas a verdade é que só admitimos a entrega como feita quando enxergamos as mãos abertas do destinatário. É bem provável que eu já soubesse disso: não teria sido a primeira, e não seria nunca a última. Ou sei lá, quem sabe. O que mais importa são os momentos que vieram depois: sangue pulsando tóxicos, léxicos, Méxicos: Deus me livre! mas não era alucinação! Sei falar mais sobre os detalhes dela como nuvem do que como mulher: lá do alto, e bem de longe, era sombra, chuva, proteção, consolo, inalcançável, desejável. A gente olha e pensa: algodão-doce, e leva anos que ninguém sabe para descobrir qual realmente é o sabor. E a textura, e a maciez, e a temperatura. Mordendo os lábios, a gente olha para ela lá do outro lado e, fingindo estar em segundo plano, sonha com o dia do contato. Tendo me recuperado do estado alucinógeno-sensacional-tentador, eu pude enxergar e relembrar com maior clareza: seu nome eu não preciso citar, nem seu tamanho, nem a cor de seus olhos - amentolados, por acaso -, mas era mulher. Não exatamente daquelas que quebram pescoços e corações pelas ruas. Mas daquelas que conseguem fazer com que você mergulhe em qualquer probabilidade de futuro que venham a oferecer. Ainda a chamo de nuvem - pois sei que ela não me escuta -, porque não pude pensar em mais nada que pudesse substituir ou valorizar aquela visão. E porque, mesmo liberto de todos os espasmos imaginários, ela tinha tudo para realmente ter sido aquele pedaço de paz flutuante. Sua sombra há dois passos, mas ela ainda distante. Não sei bem o que aconteceu entre nós: às vezes parecia algo que se proíbia de ser definido. Eu sei que eu olhava para ela e, da mesma forma, ela olhava de volta. Existia reciprocidade naquela incompreensão de sentimentos e secreções - tudo muito encolhido e secreto. E existia uma facilidade em ser - ainda que não soubéssemos nem o quê. Eu a conheci da melhor forma que pude: de pernas para o alto, fumando um cigarro, dando petelecos nas formigas. Vai ver foi essa minha infantilidade em estar ali, e naquele momento, que a trouxe para perto. Mais velho ela soube que eu não era: era garoto-quase-homem, de olhos maduros, e boca também. Como frutos, como frutos belos e maduros, só que acabados de cair do pé, com dois riscos enérgicos: apodrecerem no chão, ou serem apanhados e mordidos. Ela apanhou, sem querer. Apanhou e quis morder. Mordeu e, sem querer, arrancou o mais pesado dos pedaços: a polpa, o pulso. Sei lá como ou por quê, mas foi preciso uma distância, uma distância maior que o céu. Eu a conheci na minha melhor forma para ela: abandonado. Ela olhava lá de cima e lá de longe. Mas uma hora a gente tem que seguir. Foi quando embarquei para a Itália: homem-já-não-tão-garoto de olhos cor-de-mel, cabelos castanhos, destoando, de nariz e bochechas vermelhas, naquele frio de me-abraça-que-ainda-não-te-esqueci. Nos correspondíamos por cartas, cartões-postais e guardanapos. Correspondíamos aquele nosso sentimento provisório com poemas. Eu me lembrava de um de seus pedidos, meio risonho, em tom de azul-bebê e brincadeira, e em uma de nossas correspondências o obedeci: e essa bolinha de neve, com a cidade - e comigo - dentro, para ser o que você quiser, uma agenda, um diário, um livro de receitas ou uma história de amor. Uma de nossas correspondências, que não cheguei a enviar. A gente guarda as melhores coisas para não perdermos a melhor das reações: aquele beijo que vem seguinte ao encontro. Ou reencontro de quem se achou, e que achou que nunca iria se encontrar. Distanze enormi sembrano dividerci, ma il cuore batte forte dentro me: os segredos que guardamos esperando - no fundo - serem descobertos. Ti prego aspettami perché, eu mesmo quero entregar estes segredos para você.