terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Pequena.
O som do piano flutuando pelos ouvidos sedentos de voz. Os livros com pinturas de Dalí. A chaleira assobiando. E fumaça, muita fumaça. Branca e branda. Um cenário surrealista. Tão profundamente triste. Um rapaz imerso em seus próprios pensmentos. Uma mulher afogada em lágrimas. A imagem opaca da televisão. Tão profundamente triste. Seremos nós dois daqui um tempo. Quando os anos tiverem passado e o desejo também. Tentando evitar o constrangimento, mas sabendo. Sabendo que aquilo é tudo que nos resta. Os olhares fugazes e os lábios apreensivos. Pernas e braços inquietos. Qualquer música cantada ao fundo. Sem tempo para prestar a devida atenção à letra. Nos sentindo desconexos e incompreendidos. Pensando em uma saída, temendo o caminho até lá. Um, dois, três, maços de cigarro. Acesos, apagados, moídos. Quantas cinzas. Como se tivéssemos sido queimados junto com tudo que estávamos deixando para trás. Quatro, cinco, seis, copos de água. Alguns com açúcar. Que gosto amargo. Os dois complacentes. Convencidos que é isso mesmo de agora para frente. Um em cada canto do cômodo. Na sala. O barulho das janelas batendo nos quartos. Vento forte. Previsão de tempestade e inudamento. Melhor não sairmos daqui por enquanto. Só por enquanto. Nos aguentaremos por mais uns instantes. Até que tudo lá fora se acalme. Levarão horas. A gente aguenta. Os dois se olhando tentando resgatar na lembrança o sentimento. Para ver onde foi que nos entregamos. Para os olhos, talvez o sorriso, talvez o charme. Não nos enxergamos mais como nos enxergamos antes. Havia tanta beleza. Foi perdida, roubada. Talvez pela convivência. Ou pela exigência. De querer ser cada vez mais belo. E ir mostrando as feiúras secretas. Virando dois monstros, que não mais se suportam. Que guardaram tanto os segredos, à ponto de deixarem que saíssem por outro lado. Um enganamento. Estamos sãos, porém não salvos. Cada vez mais encurralados, e difíceis de alcançar. O que há de vir, virá - feito palavras servissem de consolo. É difícil ter lutado tanto para acabar assim. Depois de termos descoberto que não éramos o que procurávamos. Éramos justamente aquilo do qual fugíamos: a mágoa. Por enquanto, tudo isto está longe. Ou estamos tentando nos enganar. Não vejo motivo para fingirmos que somos melhores e chegaremos a algum outro lugar. Podemos traçar planos, alguns vingarão. Outros não. Ainda vemos toda a beleza, com o ar de dois pombinhos apaixonados. Catando qualquer migalha no chão à procura da felicidade. Que felicidade mundana, na qual qualquer coisa já cabe. Você abre os braços para mim, e eu já posso dormir tranquilo. Numa paz profunda, satisfeito com tudo. Me larga de lado e, de repente, de repente, o mundo quase acaba. Para acabarmos nisso. De sermos o oposto do que vinhamos sendo. Vai embora o desejo, a paz, o cortejo. Daqui uns anos não vou mais te procurar para aquietar o coração. Nem vou mais te mandar flores. Ou te chamar com carinho. É esse o caminho. Eu e você na sala. Suportando sem alicerces, balançando com qualquer brisa. Acendendo uns cigarros e encarando a realidade de frente. Como tudo isso parece feio, pequena. Nos imaginar assim: com os pés no chão. Dá um desespero tão grande pensar que daqui, vamos para lá. E que romântico o pensamento de que para gente pode ser diferente. Por mais que amemos, não será. Só quero dividir contigo um pouco deste peso. Porque você é a mais frágil. E eu temo tanto te ver toda quebrada, pequena. Porque vai chegar uma hora que eu não vou mais conseguir te olhar nos olhos e dizer que vai ficar tudo bem. A não ser que levemos com cinismo. Uma hora vamos procurar outros, por não mais saciarmos nossas vontades. Vai ser tão triste, vai doer tanto. Porque eu falo, falo, falo, mas no fundo ainda vive a esperança. Eu te quero tanto agora, e já sofro com antecedência. Estou me preparando, pequena. Quero estar forte. Vai ser difícil, vou me esconder debaixo da cama e suar frio, e ter alucinações. Vai ser tão sofrido quando não nos amarmos de forma a suportar nós dois, pequena. Não quero te assustar, só se prepara, e se mantenha firme. E não chore na minha frente, por favor, não chore. Eu te amo tanto agora. Tenho tanto medo do que virá depois...
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