segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Um Beijo.

Fazia muito sol. Minto, não fazia sol. Era fim de tarde nublado. Sem qualquer desculpa para ser feliz. Ia chover. Ia chover muito. O céu ia desabar. Não haviam opções: estar infeliz ou morto. Estive infeliz. Eu quis beijar o céu por este presente. Uma infelicidade de doer nos ossos. Osteoporose, velhice ou solidão. Solidão, era isso. Era muito cedo para envelhecer, ou adoecer. Era muito cedo para o céu se entregar para o escuro e fazer com que eu adormecesse sobre a mesa. Estive pensando nela. Estava pensando nela. Com meus botões, meus corações. Tem um coração para cada parte deste meu corpo - é que o amor vem de várias formas, de vários lugares. Tem quem a gente ame com a cabeça, aquela coisa de intelecto-siamês. Tem quem seja pelos volumes do corpo, mais ou menos o que chamariam de amor-carnal. E o amor que vem do peito, aquele que chamamos de eterno e queremos nos afogar em lágrimas por isso. Pensando nela, não consegui rastrear de onde vinha. Amei-a de tudo. E isso é o que eu chamo de fraqueza. Porque eu estava muito bem. Se parar para pensar, eu nunca havia estado melhor. Do bar, para a cama. Do mar, para a cama. Do ar, para a cama. E eu sequer fui exigente com manchas nos lençóis. Eu tive todas. Todas as mulheres de Atenas. As mulheres de Viena, de Veneza, de Teresina, de qualquer lugar. E todas as descendentes, e nativas, e mestiças. Por isso adoro cidade cosmopolitas. E as madrugadas à pó e às cinzas. E agradeço pela vodka, o whisky, e todos os destilados. Obrigado à todos que estiveram do meu lado. Sinto estar escrevendo uma carta de despedida. E o destinatário não poderia ser ninguém melhor do que eu mesmo. Mas Eu, meu caro, não é de você que me despeço. Para ser sincero, não me despeço de nada. Estou desalinhando um passado, para tecer este momento em que me reencontrei. Estava eu ali sentado, incomodado com aquele céu. Estava eu ali sentado, incomodado com aquele céu, sendo o mais triste de todos os mortais. E pior ainda, pensando nela. Parece até começo de música-chiclete: pensando nela, pensando nela, e aí, companheiro, o que isso me traz? Acho que ninguém entende a dor. E é bobeira as classificar, e nomear. Doeu em mim, não em você. E dizer que ardeu, não quer dizer mesmo que ardeu. Por quê quem sabe o que é arder de verdade? É quando queima, né? E se queimar para mim for uma coisa, e para você for outra? Então minha dor de estômago pode ser coração partido. E minha cãimbra pode ser um incômodo no músculo. Essa dor aqui no peito é minha, e você não entende. Nem compadece. Nem compreende. A minha dor no peito, de perda, pode ser sua dor de parto. E qual das dores seria a maior? A minha. Porque eu decidi que seria ela e ponto. Minto, não vou comparar seu corte com minha quebra. Quebra de compasso. Da lineariedade do enredo. Sou uma personagem sem rumo. Sem tempo. No capítulo em que se depara com uma crise existencial. Pensando estou perdido. Mas já disse isso antes, em outros capítulos. Então agora eu mudo meu discurso. Meus queridos, eu não estou perdido. Meu querido Eu, é para Eu e para mim que escrevo. Estou devidamente encontrado no meu desencontro. Entende? Eu nunca me encontrei para me perder. Então voltemos ao começo. Começo bem cedo: quando eu nasci. Quando eu nasci eu ainda não estava lá para entender. Acho que a gente nasce a alma vem depois. Uns aninhos depois, quando a gente já sabe que bater palma é bater palma, e os pais são dois chatos. Sei lá quem é encarregado pelo despacho de almas, mas recebemos aquela que nos merece. E aí passaram os anos, pique-pega, pique-esconde, esconde essa porra, porra me pegaram, porra tô fodido, porra agora prometo que paro, porra me expulsaram de casa, porra não sei o que faço da minha vida, porra agora eu acertei, porra mudei de idéia de novo, porra tô perdido, porra tô perdido, porra tô perdido (e essa frase é claro que se encaixa em muitas outras vírgulas). Porra quando eu a encontrei! Eu disse porra. Por quê que porra é essa de vida que a gente precisa de encontros para entender que está vivendo? Meio difícil aceitar essas verdades absolutas. Estou vivendo. E a tal da vida pós-morte? E se eu tô vivendo é essa vida? Como você sabe? Voltei a estar perdido. E alguém sabe o que realmente é estar perdido? Eu queria uma palavra para cada sentimento individual. Enfim, eu a encontrei e de repente a sensação de estar eternamente perdido sumiu. Como quando acaba o filme e descem os créditos, ou como em um passe de mágica. Mas eu sei que era amor, e não encontro. E que não é encontrar que acaba com a perda. Pode ser amor. Pode ser amor tapando os buracos das perguntas sem resposta. Mas amor não cura tudo. Na verdade, agrava as situações. Porque, se antes eu já me sentia perdido, agora a perda sequer se limita à uma palavra só. Mas está tudo bem, e não melhora repetir. Nem em voz alta. Está tudo bem porque não sei definir o que seria pior. Fazendo sol ou fazendo nada, pensar nela me matava de sede. Porque eu fumava que nem uma puta velha. E bebia achando que era água-benta. E que benzer era cura. Pensar nela me desidratava. Quero dizer que me matava, mas não quero parecer melodramático. Ainda penso nela. Porque o fim de tarde foi há algumas horas atrás. Não me esqueço em questão de soma de minutos. Não me esqueço em questão de soma de sentimentos. A infelicidade ainda me dói os ossos. Mas tudo certo, assim me sinto vivo. Viver dói pra porra! Já pensou nisso? Não sei se dói para você, ou como dói. Para mim é algo entre estrangulamento ou uma série de facadas nas costas. E a verdade é que gosto disso. Por isso ainda é muito cedo para adoecer e morrer. Está fazendo noite. Daquelas únicas, em que acontecerá um eclipse. E eu, supostamente, devo me manter acordado e me debruçar na janela para assistir. E pensar meu Deus! como são lindas essas coisas da vida! Chega até a me doer os olhos! Não vou ficar acordado para assistir, me sinto farto, e cansado. Parece que engoli minha vida inteira em um segundo, sem mastigar. Faz bem colocar para fora essas coisas da vida. Sinto estar arrancando uns espinhos presos em camadas profundas da pele. Espinhos de alma. Sou uma rosa brigando com meus próprios cravos. Isso que eu sou: uma guerra para ver por onde me machuco mais. E sou tão delicado. E também tão afiado. Sou um ser-humano, é isso. E sei lá desses meus instintos animais. Minha loucura merecia um brinde. Por quê não? Estou apaixonado. Mais uma vez, estou. Como eu queria alcançar. Eu preciso beijar o céu...

4 comentários:

Igor Rodrigues disse...

Primeira vez que eu leio e voce escreve um livro!? AFF
Tchamo crespa!

Manuela Abdala disse...

ou, que lindo

Anah Luizahh' disse...

Seus textos são maravilhosos... E olha que eu só li dois! Obrigado por oferecer ao mundo tal obra.

Julianna Motter disse...

Obrigada, obrigada, obrigada.