domingo, 5 de dezembro de 2010

Muita Paz.

Aconteceu de eu acordar e sentir um peso na nuca e uma dor na cabeça e uma inquietação no peito. E me levantei faltando quinze minutos para o nascer do sol. E caminhei quase me arrastando até o banheiro. E olhei aquele homem devastado no reflexo do espelho: remela olhos avermelhados manchas arroxeadas marcas marcas marcas. Senti na boca o gosto de amnésia: vodka whisky cerveja cigarro gozo saliva. Em vinte quatro horas eu não conseguiria reconstruir as oito da noite anterior. Não sabia a quem perguntar: quem fui o que fiz o que fazer? Se me arrependo? Tomo um banho gelado que faz com que ardam todas as feridas - lavo, inclusive, minha alma. Ainda aguento o peso na nuca querendo me colocar para baixo. Fico sem saber se abro mão ou resisto. As gotas escorrem pelas minhas costas e é quando resolvo me secar com o vento: abro as janelas. Meu corpo me envergonha. Ouço um barulho vindo do quarto e sem saber quem é me escondo. Me escondo por detrás daquela minha cara de nada-me-esqueço. Me visto rápido e corro daquilo. Dou uma olhada nas fotos da sala para ver se me familiarizo com algum dos rostos. E são todos jovens e estranhos e felizes e loucos. Caminho sem olhar para trás pela rua e pego o primeiro ônibus. Me sinto mais pelado do que quando eu realmente estava pelado. E sinto mais frio do que quando eu estava pelado e molhado de janelas abertas para o vento. E sinto um arrepio e novamente o peso na nuca e a dor de cabeça e a inquietação no peito. O gosto na boca permanece o mesmo: amnésia solidão sujeira. Se meus pais me vissem agora saberiam que todas as pragas que me rogaram foram justamente tudo aquilo que agarrei com pernas e dentes. E se lembrariam de como eu fui revoltado na adolescência: fumando escondido no telhado fodendo escondido no banheiro falando sozinho no quarto. Mandaram benzer exorcizar demolir ou sei lá todos os cômodos da casa: de acordo quanto a minha impossibilidade de renascer renovar reviver reparar. E eu me sento ao lado de uma velha. Que fedia e muito. Fedia à sujeira mas uma mais limpa que a minha: formol frango assado cigarro de palha. Ela me olhou meio que com os olhos querendo identificar meu cheiro. O que me deu vontade de dizer: porra você nunca fodeu não? E começar a contar como e quanto fodi não só com os outros mas também comigo. Mas me segurei para não ser desagradável e desci depois de três paradas. Sei lá aonde eu estava. Essas cidades planejadas me deixam perdido. Meu telefone tocou e o número era de alguém querido pois reconheci os três últimos números. Atendi e o convite era tentador de sair para amanhã acordar do mesmo jeito. Eu nem procurava uma forma de sair daquilo. Eu procurava uma forma de entrar cada vez mais. A gente se encontra às três - eu não sabia nem que horas eram. Quando descobri faltavam quinze minutos e fui andando para guardar os trocados para uns cigarros picados ou uma cerveja. Cheguei lá e a música e a vibes e a cerveja e os rostos conhecidos. Fiquei sem saber se fugia daquilo ou se fugia desse pensamento: fraqueza é sempre muita e fiquei. Aqueles abraços saudosos aquelas caras de pena aquelas cara de choque porque não-era-para-você-estar-aqui. Sem saber se por orgulho ou por vontade: a verdade é que ali mesmo eu estava. E pedi uma cerveja e me sentei à mesa. E dei aquelas voltas com os olhos para ver quais eram os perigos e quais eram as soluções. Encontrei contigo. Pelo olhar eu encontrei contigo. E que merda saber que fiz a escolha errada e saber que você soube que eu encontrei contigo ali e não poder evitar e olhar para baixo ou puxar um papo sobre Nietzsche com o cara ao lado. Os olhos que se pertencem sempre se encontram - foi algo que pensei com essa minha cabecinha de aspirante à pensador filósofo escritor qualquer coisa qualquer. Você seguiu para o outro lado e o pedaço de madeira que estava pressionando meu peito ficou menos pesado. E eu até respirei suspirei transpirei dobrado. Consegui me desligar quando enfim já não podia te alcançar de vista. E comecei um papo sobre encontros desencontros reecontros saudade e ausência. Fingindo não estar falando de você toda vez que soltava a palavra amor ou qualquer coisa tão sentimental assim. Não soube desse seu lado tão cruel - e deveria ter tomado ciência disso antes quem sabe assim não pararia nessa de se-me-fodo-é-porque-não-te-esqueço ou se-me-fodem-é-porque-não-te-esqueço porque aí eu pensaria que você não era tudo aquilo de tão perfeito e absurdo e seria tão mais fácil me desapegar dos seus lábios e do seu cheiro. Não soube desse seu lado tão cruel até a hora em que você se aproximou e colocou a mão gelada sobre minha nuca e me beijou a bochecha e perguntou se eu estava bem e não esperou a resposta e saiu andando como se nada ali tivesse acontecido. Como se a gente não tivesse acontecido e porra! você aconteceu para mim! Você aconteceu como acontece de virem as primaveras os outonos: não sei diferençar um do outro nem qual deles é você porque não sei se fui feliz ou triste porque não sei se caio ou deixo florescer. Não sei que tipo de comparação foi essa porque a essas horas não sei nem o que dizer. Você foi e continua sendo não que isso soe melhor. Você não foi como o outono ou a primavera porque por eles a gente espera. A gente espera que eles venham e eu não esperava que você viesse. Eu esperava por você bem no fundo, naquela parte infantil em que imaginamos príncipes e cavalos e roupas brancas bem engomadas e o melhor beijo e o melhor gosto e o melhor desejo e o maior abraço. Mas eu não esperava por você sendo você. Não você sabendo você com seu nome e CPF e olhos amendoados e ombros largos e sorriso imenso. Eu esperava por você como algo que há de vir quem sabe vai ver a gente encontra ou não e aí morre sozinho sem nunca ter experimentado dessa ardência na coluna e desse ar de repente rarefeito. Deus nem sabe o que fiz para merecer aqueles dedos gelados na nuca e três palavras e você me dando as costas e a dor me dando vontade de chorar. A dor da perda é a pior das dores. Porque o perdido a gente não tem como segurar e tentar estancar o sangue e tentar assoprar e fazer quem sabe um carinho. A dor da perda daquilo que foi perdido é semelhante ao sentimento de lidar com o desaparecimento-possível-morte-de-alguém-querido. A gente sabe que foi sem saber pra onde. Sem saber se doeu sem saber se volta. Eu te amei né. Eu te amei pra caralho e acho que essa é a única e melhor conclusão. E antes de eu te dizer isso você já tinha ouvido tanto eu falar que essa porra de amor não existe que isso é coisa de quem fuma muita maconha e não tem forças para trepar com ninguém e acha que amor substitui porque seria tão forte quanto sem precisar do menor esforço físico. Amor pra mim era preguiça. E quantas vezes eu te disse isso...muitas incontáveis vezes antes de tirar minha armadura de super-herói e aquela minha pose de galã americano. Pensando bem sem querer pensar muito em qual rumo tomamos: eu parei quando percebi que te amar era assim tão fácil. Eu parei de dizer e não de te amar. Amor era preguiça e eu odiava me sentir preguiçoso acordando perto das quatro da tarde passando o dia na cama pedindo carinho ficando abraçado sentindo vontade matando desejo. Você sabia exatamente o que fazer pra que eu me sentisse cada vez mais fraco mais dependente mais impotente mais merda. Foda-se o amor, né, é isso que eu deveria dizer agora que te vejo ali do outro lado da rua sorrindo como se estivesse realmente feliz e talvez você realmente esteja e só eu fiquei enjaulado nessa merda de saudade nessa merda de infelicidade nessa merda que é um dia ter dito que ia embora e nisso você mesmo ter ido e eu não. E eu sentado aqui sentado aqui sentado aqui apenas porque pareço não conseguir fazer mais nada além de fingir que não estou te olhando através dessas lentes escuras e desses olhos mareados de lágrimas que provavelmente vão doer quando caírem e vão doer tanto que mais vai parecer que atiraram areia nos meus olhos e pararam pra esfregar. E eu me lembro de quando você disse que odiava essa minha prepotência psicológica e essa mania de achar que sei tudo sinto tudo passo por tudo. E eu tento evitar mas daqui um pouco estou mordendo meus lábios e pensando nisso tudo e querendo achar alguma explicação lírica ou lúdica ou qualquer. E eu resgato no meu leque cultural mil e umas falas e frases e feitos e sei lá, né, dizem por aí que o amor é vermelho. Ou a paixão. Ou o amor. Tá, o amor. E eu penso nisso e eu acho que chego numa conclusão na qual ninguém nunca há de chegar - porque sou um prepotente crônico, se lembra? O amor não é vermelho por ser como uma fruta madura e suculenta. O amor é vermelho porque ele sangra, e muito! O amor sangra muito, hemorragia sentimental: escorre por dentro e por fora. Hemorragia interna e externa fratura exposta. O amor é vermelho porque precede a morte. E vermelho e preto combinam e lembram a salsa a valsa a dicomotomia os antepostos antagônicos as alegorias o que se completa e se desfaz. Eu continuo sentado aqui e você ali do outro lado sorrindo e aposto que sem nem saber o motivo. E de repente eu me sinto meio obcessivo e parece que viramos o jogo porque há tempos atrás eu diria isso de você mas é que hoje me dói tanto. Me dói tanto e é por isso que eu também olho para os lados e planejo minar e atacar algum lugar novo para passar a noite. E passar pela mesma situação de acordar sujo: não quero tomar rumo. Depois disso tudo eu tenho medo disso de tomar rumo seguir em frente mudar de calçada não olhar para trás. Eu tenho medo de tudo para falar a verdade de repente eu me sinto sozinho e não é só de corpo porque quando eu quiser meu corpo arruma companhia. É sozinho aqui dentro e eu sei que não fui eu que causei isso tudo mas eu também não quero te culpar porque eu te quero bem. Eu te quero comigo mas não posso então eu te quero bem. Então fica bem fica bem porque o mal tá aqui comigo corroendo o estômago abrindo buracos dando ânsia de vômito. Eu lembro de quando eu decidi que era você. Eu decidi quando na verdade já estava predestinado pré-datado. Eu decidi que era você e foi quando tudo em volta ficou em silêncio e todo mundo olhou achando que eu havia enlouquecido e até eu achei que estava louco mesmo e que sei lá talvez você tivesse me hipnotizado ou feito em mim uma lavagem cerebral porque era difícil admitir aquele amor. Que amor era aquele? Eu nunca soube só sei que eu escolhi e de repente eu saía por aí saltitando e sorrindo e amando e querendo e saltitando e sorrindo e achando estranho achar que tudo estava sempre tão bem. Foi bem um daqueles momentos em que a gente escolhe a vida. E aí então começam as lutas, e a gente sabe que eu só preciso de você pra vencer. Tenho medo do que você diria se dali você me escutasse acho que diria que estou mais louco do que um dia eu já fui - e você me disse. Você chegou perto e com sua boca avermelhada me beijou a bochecha corada e não quis sequer trocar mais do que três palavras e eu quis você mais perto bem perto tão perto. Mas acho que você tá melhor ali longe. Então fica longe fica longe fica longe - não sei se digo porque devo ou porque quero. Acho que não é bem isso que eu quero dizer não é isso e você sabe a gente sempre soube. Mas fique longe porque está tudo bem. Eu te prometo que está tudo bem. Tenho certeza de que vai ficar tudo bem. Então fique em paz tudo em dobro muito amor muita felicidade muito de tudo vou sentir para sempre saudades. E que porra é essa que eu estou tentando te dizer sem que você me escute? Sem que você queira me escutar? Você pediu tanto para que eu fosse firme e forte: estou sendo.

5 comentários:

Anônimo disse...

"quem sabe assim não pararia nessa de se-me-fodo-é-porque-não-te-esqueço ou se-me-fodem-é-porque-não-te-esqueço"

Julianna Motter disse...

Hã?

Anônimo disse...

Só me identifiquei.

Julianna Motter disse...

Hm, entendi. Que bom, né, de certa forma, quero dizer...

Diego Nathan disse...

plágio.