quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Odara.

Minha garganta dói. E a vontade de correr me sobe pelos pés. Mas meu corpo todo dói. Então ficarei aqui, parado. Vendo a vida passar, esperando que ela logo passe. Porque tudo isso tem me doído tanto. Este silêncio no qual dividimos sentimentos, e individualizamos palavras. Porque eu sei. E você sabe. E a gente sabe. Sem ser a gente, porque estamos separados. Com nossas dores lacradas por quatro paredes, distintas. Falamos em seguir em frente. Bêbados, falamos em seguir em frente. E seguimos, acho. Não confio em palavras. Em nada daquilo que não posso tocar. Não confio no amor, ele escapa. Os anos vão passar, e tudo irá embora. E restará nada mais do que lembranças. E eu vou me lembrar. E você também. Desse sufoco pelo qual estamos passando. E que pensávamos que seria um alívio. Porque não dá certo. E não deu certo. E não dá mais. Então vamos vestir nossas roupas de gala e nossos sorrisos. Porque hoje a festa começa cedo. E é de despedida. Vou colocar um samba. De agora em diante, só alegria. À quem estamos tentando enganar? Estamos presos nisso. De querer e não poder. De poder, mas não tanto. Hoje me engasguei nas minhas próprias lágrimas. Tem coisa mais solitária que isso? Se eu morresse, a culpa seria toda minha. Mas não morri, e estou vivo. É isso que importa. Ter sobrevivido ao desastre de ser encontrado dez dias depois estatelado no chão da cozinha. Enfim! Odara! Odara! Odara! Deixa eu cantar que é pro mundo ficar odara, pra ficar tudo jóia rara. Qualquer coisa que se sonhara! Os anos vão passar, e vamos encontrar a cura. Uma cura para isso que, na verdade, não quer ser curado. Porque arde, e assim nos sentimos vivos. E nos sentimos juntos. Porque arde em mim, como arde em você. E você pensa em mim, como eu penso em você. E como não demos certo, e como nunca daremos, e o que faremos com esse tempo? Estamos grudados. Sei lá, no caminho a gente encontra. Encontra uma desculpa para sorrir grande, e dormir tranquilo. Como a gente, que não era para ter acontecido, e aconteceu, alguma coisa acontecerá. Acredito nisso. Também acredito em deuses, santidades, e que na vida, uma hora dá certo. Terá de dar. E você vai estar aí do outro lado. E eu aqui, meio estando também ao seu lado, fumando meu cigarro, e passando noites acordado. Aposto que você diria que estou me matando lentamente. Tudo bem, a verdade é que não tenho pressa. Quero aproveitar cada parte desse sentimento que me resta. Estou me remoendo, tentando relembrar para ver se monto de outra forma o quebra-cabeça. Estou quebrando minha cabeça nisso de sentir saudades e de sentir falta e de não poder fazer nada à respeito. Não há nada que possamos fazer à respeito. Estou insandecido, pirado. Como estava antes. É bom me sentir assim, desfigurado. Eu sempre esperei que alguém, um dia, fosse abrir a porta e me tirar de tudo isso. Foi bem isso que você fez, e eu vi a luz lá fora. Quando você vê a luz, é difícil voltar para o escuro. Mas a gente se acostuma. A gente se acostuma a viver ilhado, e pensar besteira, e falar bobagem. Estarei com setenta anos ainda relembrando dos pecados. Faz um bem danado atiçar a memória. Não acredito nisso de que um dia a gente esquece. Eu não quero esquecer de nada. Mas a gente substitui o carinho pela falta. E aí fica tudo bem, odara! Eu aqui fumando meus cigarros, e você seguindo em frente. Vamos lá, né, porque atrás vem gente...