quinta-feira, 31 de março de 2011

Destruição em Massa.



É difícil estar bem quando quem a gente quer bem não está também.



Díficil tentar entender o que os grandes poetas quiseram dizer. Se natureza ou libertação. Se a natureza deveria ser liberta, ou eles de si mesmos. Se cada verso foi pensado, premetidado, ou se cada dor neles saiu em um espasmo. Eu não sou bom com versos, nem com rimas - mesmo as mais pobres. Mas tudo que escrevo sai sem estar ao alcance de minhas mãos. Talvez meus braços sejam por demais curtos. Talvez eu não tenha tentado tanto quanto eu deveria. Talvez...ah! se talvez bastasse. Estaríamos nós dois deitados sobre a grama recém cortada, ainda molhada de chuva, sentindo nossas bochechas corarem ao sol, e nossos pés se aproximarem uns dos outros - mais, cada vez mais. Eu não estaria sentado ao lado de vinte corpos estranhos, sem visita alguma de vento, com cede e carência de cafeína, escutando que poetas calculam muito mais do que, um dia, calculariam os alquimistas. A adoração responde negativamente aos mais térreos estímulos. Não acredito em Deus. Nem em um, nem em vários. Não sobrou tempo em minha vida para adorá-lo, e ancorá-lo ao peito. Não me abri para nenhuma religiosidade e, quando é preciso, encontro a calma em meu próprio ceticismo. Mas ainda insistem nisso de espírito. Eu acreditaria se pudesse tocá-lo. Ou se eu pudesse ter calculado quantos centímetros ele ocupa no meu corpo. Ou quanto ele pesa a mais toda vez que subo em uma balança. Com minha estatura e a pele mal encobrindo as formas das costelas, eu provavelmente não teria acreditado no papo de sobrepeso dos ossos. O que pesa aqui é meu espírito, é minha alma, eu diria. Empolgado por imaginar-me transcendendo com grandiosidade. E todos dentro da farmácia se assustariam, dariam um passo para o lado, mas depois pensariam que é bom mesmo nos dias de hoje ser capaz de acreditar em alguma coisa. Deve ser realmente bom se apoiar fielmente em algo. Quando digo algo, falo justamente daquilo longe do palpável, que cresce insosso, invisível, ilimitado, incolor, dentro da gente. Que nunca irá embora, nem nos decepcionará - a não ser que estrangulado pelas nossas próprias mãos e vontade. Algo mais do que as pessoas e seus mil casos conflitos surtos sumiços. Que fique sob nosso controle - e assim permaneça até que nos canse ou não nos baste mais. Se não fôssemos tão assumidamente humanos, talvez encontraríamos algo que pudesse ser realmente eterno. Mas ao decorrer dos anos, em uma provável progressão geométrica, cresce em nós a vontade de destruir tudo. Às vezes, chegando até ao extremo, de destruirmos a nós mesmos.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Meu Sonho.

Não é possível que nunca tenhamos nos esbarrado, ela disse. Já tendo notado a mesmice dos traços e pêlos em meu rosto. Nunca - não nesta vida - eu havia visto o rosto dela. Se eu houvesse, falei com certeza, eu me lembraria. Porque os olhos encaixados naquela face fina e delicada, eram afiados. De forma a marcar qualquer um - que tenha, ao menos, um coração. Falo ao menos porque nunca se sabe em quantos um ser-humano pode ser desmembrado. Nem em quanto tempo cada membro pode tomar vida própria. Ela não disse muita coisa, foi como se evitasse olhar para mim. Não sei se por medo, ou qualquer outra sensação que exigisse cautela. Também não sei se aproveitava para olhar enquanto eu me distraía com as luzes. Quantas luzes em um mesmo lugar, eu pensei. E quis partilhar tal observação estúpida. Mas quando me virei, só restava uma fina linha de seu perfume no ar. Outra vez, caminhando sonolento pela rua, uma mão alcançou meu ombro. Acho que já nos esbarramos, ela disse. Relembrando a palidez dos meus lábios e a acidez de meus sorrisos. Sim - além desta vida, aliás. Combinamos um café. No momento em que nós dois sugerimos o mesmo horário, eu soube que ali não haveriam sustos. Nem formas desfiguradas nas sombras. Ela me deu carona. Seu carro cheirava o mesmo cheiro que havia ficado a flutuar em nosso primeiro esbarrão - o primeiro do qual tivemos certeza -, mas desta vez mais forte e presente. No espelho, havia pendurado um pequeno círculo de papelão - suponho -, com o desenho de um pássaro e be free. Eu pude reconhecê-la dos meus mais desconexos sonhos. A vida foi feita de momentos. Mas, até então, nenhum havia sido tão claro como aquele. Que foi seguido por outros. Não houve café. Só cigarros e nove garrafas de cerveja. Ela tinha pressa, e por isto bebia numa rapidez olímpica. Não queria ir embora, acredito, ao rever tudo que passou. Mas queria saber o que viria depois. Ela tinha uma pressa infantil e cautelosa quando se tratava do futuro. Futuro, era uma palavra que eu nunca pude dizer na frente dela. Só a intenção de dizê-la já dava, nela, uma vontade de sair correndo e rolando pela grama. Ela sequer me dava a oportunidade de planejar outros encontros. Deixa acontecer, deixa vir, deixa que se for para ser, vem. Ela dizia. Meio risonha, sem conseguir esconder o que estava por trás. Eu nunca soube dizer exatamente o quê. Mas havia algo ali. Que se acentuava cada vez que, nervosa, ela coçava a nuca, e erguia os braços, e se espreguiçava, e começava a falar sobre o mochilão que havia feito pela América do Sul. Não faltou um lugar sequer, dizia em um tom orgulhoso. Eu só podia me orgulhar junto e fingir que não me importaria em nem saber por onde ela andaria nos dias seguintes. Porque não me era autorizado ligar, nem enviar cartas, nem procurá-la no trabalho - muito menos no coração. Nunca me senti assim, ela dizia, tão livre, tão leve, tão sua, e ao mesmo tempo, de ninguém. Na metade da frase, eu já sentia meus pêlos arrepiarem e meus joelhos tremerem. Acho que alimentava - mesmo ela me pedindo para que não o fizesse -, uma esperança de que só sua bastasse. Só minha. Era o que eu esperava. Coisa que ela não poderia saber. De outra forma nunca mais me ligaria, depois das dez da noite, dizendo que o centro estava muito cheio e eu devia cair para lá, porque nós dois poderíamos beber uma duas até quinze cervejas, e rir da cara de bêbado dos outros. E, quem sabe, depois poderíamos dormir juntos, com os ombros encostados e dividindo o mesmo travesseiro. Ela me ligava quando se lembrava que, do outro lado da cidade, sentado na poltrona, lendo o jornal e fumando o último cigarro do maço, estava alguém que daria tudo para tê-la. Alguém que era eu. Às vezes eu acreditava que ela queria ser de alguém. Da forma doce e carinhosa. Mas logo eu era desarmado. Por muitas vezes tive que vê-la acariciar as coxas de outros sob a mesa, e me jogar vinte reais e dizer que se desse, me ligava. E entrar no táxi, quebrando o salto, e largando os sapatos comigo. Toda vez que ela quisesse fugir, ela pensava em mim. Ela se escondia no meu medo de não tê-la - mesmo não tendo, eu temia. Tê-la sem saber, quem sabe foi assim. Pois era para mim que ela ligava toda vez que a gasolina do carro acabava e ela ficava sozinha no meio da rua. Toda vez que ela queria tomar um porre ou enfiar nos canos e ninguém se dispunha a estar lá para mantê-la sã. Missão que nunca considerei possível. Nem domá-la, nem cuidá-la. Somente estar lá para que ela não acabasse fugindo de si mesma. Para que ela não acabasse no topo de um prédio sozinha. Dizendo para o vento, e não para mim, que Freud não sabia de porra nenhuma, que se id ego superego existissem, ela estava fodida. Que nada daquilo funcionava. Que ela queria acabar com o sistema e chamar a atenção do mundo. Você não vê o que está acontecendo? Ela gritava deixando a saliva escorrer pelo canto da boca. Está tudo errado, e se debruçava no meu colo, e chorava. Eu não sabia de onde vinha aquela dor. Se era passageira ou se havia estado sempre com ela. Admito que, em algumas horas, ela me assustava. Mais que trovões e mais que a morte. Ela me assustava por ser tão perfeita e, ao mesmo tempo, tão arruinada. Era isso que ela era. Um casarão tombado, cheio de segredos, indubtavelmente instigante. Belo, do lado de fora. Com um portal que poucos ousariam entrar. E dentro, cheio de teias e rachaduras - mais aparentes e descuidadas. Abandonada, tal como o casarão. Ao contrário dele, não tinha cheiro de mofo. Mas o hipnótico odor que circunda as travessas de doces. Eu degustei de seu açúcar, mas mais de seu veneno. Com o decorrer do tempo, mais nítida foi ficando a imagem dela na minha cabeça. De óculos escuros, segurando o volante com uma mão, falhando ao tentar sintonizar o rádio com a outra. Reclamando que porra nenhuma naqueles dias - e nos de hoje - era boa de escutar. O be free balançando com as curvas. Eu a reconhecendo de algum dos meus sonhos. Até então não sabia de qual. Hoje, eu já entendi. Sabe um daqueles sonhos em que você sente estar caindo e, de repente, acorda? Ela era assim.

terça-feira, 29 de março de 2011

Na Boca do Estômago.

I wanted an airplane. A first-class ticket to nowhere. An elephant. An everlasting cheesecake. Most of all, I wanted you


Reviramos as gavetas erradas. Não era você quem eu queria ter encontrado. Não era, insisto. Quem sabe assim eu acredite. Vinha andando vazio. Como se os passos fossem mecânicos e o caminho não fosse de meu interesse. Não diria que algo mudou. Porque é cedo. Meu Deus, como é cedo. Eu ainda mordo os lábios e troco suspiros com uma lembrança que não deixei ir embora. Um corpo que conhece meus toques. E espera por eles, ansiosamente. Ainda revivo as dores de feridas que não esperei secar. Vivo amordaçado. Para não largar as palavras por aí. Se me fosse permitido, eu juraria a eternidade. Para qualquer brilho. No céu ou nos olhos. Vinha andando, sem ter conhecimento do perigo que é se largar. Não digo que encontrei, porque já é de praxe estar perdido. Não digo que me apaixonei, porque só a idéia disso já me dá náuseas. Uma crise de ansiedade. Perigoso é querer sempre perto. Melhor não se entregar. Dar meia volta e seguir em frente. Mas aquele par de olhos me persegue. Nas nuances do quarto escuro. Nas silhuetas debruçadas sobre a cama. A verdade é que eu mal te conheço. Já ela me conhece tão bem. Eu poderia dizer tudo de olhos e boca fechados. E ela saberia. Eu não tenho sobre o que escrever. Voltou o vazio. Um minuto de silêncio. Nunca conheci ninguém que soubesse seguir em frente. Não assim. Quando uma mínima possibilidade se mostra capaz de repôr tudo aquilo que escapou de dentro. Não era você. Novamente, eu insisto. Talvez assim eu me conforme. Ao saber que tudo conspira para não ser, nunca poderia ser você. Mesmo que meus lábios te chamem, e os seus respondam. Mesmo que seu abraço me puxe, e eu queira me prender nele. Nunca poderia ser você, e nós nunca poderíamos ser nós dois. Então eu ainda sobrevivo dela. Quando o desespero invade, e o silêncio faz da noite mais escura. Eu sobrevivo dela. Meu corpo dói. Desde os músculos até a alma. E dizem por aí que corpo e mente são uma coisa e alma é outra. Não que eu entenda disso. Mas meus dedos doem, e o que está por detrás deles também. É difícil me concentrar e não pensar em você. Mesmo quando dentro dela. Mesmo ao lado dela. É difícil pensar em outra coisa que não em você. Seus lábios e seus cílios, seu rosto e um sorriso. Eu daria um nome a cada uma de suas sardas. E nunca me esqueceria. Nunca, jamais, eu ousaria me esquecer. Nem de você, nem de cada mílimetro que te compõe. Alguns chamariam de amor, paixão, febre, alucinação. Eu diria que é uma puta dor bem aqui, na boca do estômago. A vontade de te ver a cada hora - para então entender que o tempo realmente existe. A vontade de que você entenda cada cigarro como um sinal de fumaça, um pedido de socorro, um solene apelo. Ainda assim, eu vivo e respiro ela. Porque não me restaram muitas outras saídas. Nem outros amores viajantes. Nem outros colos nos quais eu possa repousar com a certeza de infinita permanência. Eu, mais que tudo, viveria de você. Noite ou dia. Tristeza ou alegria. Como se houvesse feito um juramento, e enfeitado seu dedo. Se você ficasse por mais tempo, eu te escreveria até um poema. Sem métrica, sem rumo. Ou eu-humano é plural. E eu te quero para mim de uma forma singular. Se eu pudesse mudar sua cabeça, só por uma vez. Fazer tudo funcionar, como na tela do cinema. Eu coloquei o café para esquentar. Não demore não. Senão, eu servirei para mim e para ela. Assim não é meu coração. Esse não é meu coração. Não pode ser meu coração. Should be yours...

domingo, 27 de março de 2011

Mesmo Nós.

Não era Inverno. Tampouco Outono, ou Primareva. Nem muito menos Verão. Era uma estação à parte das outras. Imprevisível e desconhecida. Uma estação em que fazia sol e ao mesmo tempo trovejava. Chamam-na de inesperado. Eu sempre preferi não dar nome as coisas. Nem dar nome ao amor, nem dar nome as feridas. Deixar correr. Voar, se for leve. Deixar acontecer, e apreciar a paisagem pelo caminho. Não que eu seja só sorrisos e a vida seja o mais lindo dos mistérios. Não que seja preciso me escutar. Não que seja ou tenha sido. Mas eu queria contar. O número de pessoas que atravessam a rua, e fazem bolhas de saliva na ponta dos lábios, e inserem seus corpos na vida de outros. Eram tão pequenas as suas mãos. Tão pequenas e o mundo, já sabemos, tão grande. E me dava um medo ver você sair pela porta e, distraída com a bolha nos lábios, atravessar a rua, e cruzar seu caminho na vida de outros. Medo de que fosse embora. Que não fosse comigo. Um medo de te perder. Para outro, mais do que para outra dimensão. Muitas vezes eu te assisti pela janela. Nunca sabemos quando veremos nosso maior amor pela última vez. Tanta coisa acontece. Coisas que não saem no jornal, que não são debatidas na calçada. Se os Domingos não fossem quase todos de sol, eu não te confiaria ao mundo. Ele não seria capaz de te cuidar como eu cuido. Como eu quis. Se eu não contasse, ninguém saberia que você tem medo de grilos, morcegos, amor e escuro. Ninguém saberia que você dorme todos os dias com o mesmo par de meias. De vez em quando colocando para lavar, mas somente se com a certeza de que estarão secas ao anoitecer. Talvez só eu saiba como você adora o pôr-do-sol, as tulipas e o cheiro da noite. Como você se treme toda com o barulho dos trovões, e tem medo de morrer em um acidente de avião. Esse seu medo de ir embora e ser esquecida. De que seu corpo farto se divida em milhões de partículas. E que elas sumam. Você contou feito fosse o segredo do mundo. Mas não é tão especial querer deixar marcas, e ter suas fotos penduradas nas paredes, e seu nome pintado em um muro. A idéia de que alguém, um dia, possa te fazer mal, qualquer mal, já me embrulha o estômago. Você parece tão forte. Se me perguntassem, antes de tudo, eu diria que sim. Mas te assistindo chorar, delicadamente, depois de uma garrafa de vinho, depois de me dizer que não queria isso, depois de me contar que dormiu em outros braços, eu já não tive mais tanta certeza. Você acha que fez mal, mas isso é só o começo. O que virá depois poderá ser pesado ou transparente. E, um dia, eu poderei acordar, assistir você dormindo, esperar que você acorde e boceje uma ou duas vezes, para depois te dizer que não valeu à pena. Nem que tivéssemos tentado mais cedo ou acreditado mais cegamente. Um dia eu poderia te pedir para ir embora. Sem duvidar ou esquecer. Uma expulsão educada, sensata, certa. Porque não podemos prever. E nem perder a graça. Há dois anos atrás, quando eu te vi pela primeira vez e o tempo congelou, eu ainda cultivava uma fome maior de loucuras. Fosse o ócio ou o ópio. Fosse o que tivesse de ser. Sem pensar. Sem jamais pensar. Com você as coisas pedem por mais cautela. Como andar com um guarda-chuva e protetor solar. E te dar a mão, e te assistir entrar no ônibus. E prometer que te amarei para sempre, ainda que tudo passe. Mesmo nós, mesmo o tempo.

terça-feira, 22 de março de 2011

Espinhos.

Quando começou, não era algo tão cruel ou sombrio. Não ditava minhas formas de girar com o mundo. Nem me fazia mais só do que o natural. Quando eu comecei a escrever, meus olhos tinham o brilho dos olhos de um garoto, a vivacidade e a vontade de querer bem. Eu ainda tinha esperança. E algo no qual me apoiar. Princesas e cavalaria, e dias de sol e, quem sabe, um homem ruim escondido no sótão. Não falava de sangue, ou mágoas, ou vertigens. Ou o pior, eu renegava a dor. Foi crescendo, calada, em mim, a vontade de ser maior. Tão maior que um dia me chamariam de grande. E se lembrariam com certa tristeza. Eu quis ser triste, para deixar algo para trás. E não ser esquecido, ou desmembrado com o tempo. Eu quis ser triste, e foi por isso que, por tantas vezes, me entreguei. Eu precisei me apaixonar, perder, sofrer, encontrar, morrer, e renascer. Eu precisei partir. Deixar de ser aquele rapaz com olhos de garotos, e partir. Partir para longe, partir a mim, partir aos outros. Ver o oco, o coração, o ardor, o frio. Ter pressa. Eu amadureci e não deixei restar nenhuma ingenuidade, apenas dei vida a um monstro. Eu quis viver de tudo. Experimentar de todos os sabores. Tirar, deles, o sumo. E, até, a pureza. Fui mutilando a felicidade de uns, para, no papel, dar vida a outros. Pois é preciso emoção. E é preciso sentir. E por isso rasguei, não só as folhas, mas os corpos. Com arranhões e palavras tão duras. Tão desumanamente duras. Eu dizia eu te amo só para saber que olhar receberia de volta. Porque era aquela realidade que eu queria expôr. Aquele entusiasmo beirando a mutualidade. Beirando o espasmo de um beijo e o desgostoso vamos viver juntos para sempre. Eu juntava minhas coisas e fechava a porta. Nenhuma ligação, ou rodeio. Nada. Nada. Foi através de você que eu reconheci todos os meus pecados. Ultrapassando o limite dos sete. Repetidas vezes. E novas abordagens. Foi através do seu gosto que eu me encantei e depois me perdi. Você era doce, e sempre há de ser. Mesmo que o mundo pare e tudo se vá. Mesmo tomada por dores irreparáveis e hemorragias que nunca cessarão. Mesmo sendo você uma boneca faltando alguns pedaços. Mesmo sendo você um amor que eu abandonei. Alguém, um dia, ainda te encontrará. E vai te querer assim, pequeno desastre. Tenha fé, é o que repito, para continuar vivo. Mesmo você descrente de tudo e de todos. Eu te escreveria as mais belas palavras, mas o que ficou, é horrendo e mal cabe nesta folha. Não se apaixone por mim. Não me ligue de madrugada tomada pelo temor de morrer só. Não olhe para atrás. Não pule de um prédio no meio da cidade. Não me torne o homem que eu não sou. Que eu nunca poderia ser, embora tenha tentado. Não encontrei outra, nem um princípio de paixão, nem um calafrio inesperado. Não encontrei, nem em você. E foi assim que me perdi. Um dia, posso apostar, você dançava com a luz. Não foi assim que te conheci. E a culpa não é sua, nem minha. Não sei quem te atropelou, mas caberia muito bem com o pescoço entre as minhas mãos. Eu te quero bem, por mais cruel que isso, agora, pareça. Não deixei nada que te forçasse pensar em mim - por mais inevitável que isso seja. Nada de cartas, ou pares imcompletos de meias. Nos conhecemos há muito tempo, há tanto tempo que não sei como isso tudo se deu. Como você foi me confundir com seus sonhos, e eu fui te tornar esperança. Como depois disso nos deparamos com o pico, e dele, o precipício. E disso tudo, e de nós dois, ficou o impalpável - mais para você, do que para mim - recomeço. Eu lembro que te fiz feliz. Eu te dei uma certa vontade de estar feliz. De engolir as lágrimas e encarar de frente. Eu te dei amor, ao menos foi o que você entendeu. Mas agora, eu posso confessar, foi tudo um engano. Um abuso inconsequente e juvenil, de minha parte. Eu pediria perdão. Mas atingi meu ápice de insensibilidade. Não posso achar que repararia os meus espinhos assim. Eu encontrei quem me fizesse brilhar de novo. O sorriso e os olhos. Podia ter sido você. Quem mais quis isso de mim. Você. Mas não foi. E agora eu deixo escorrer o sangue causado pelos espinhos dela. Deixa escorrer, deixa. Uma hora para...

domingo, 20 de março de 2011

Uma Mulher.

"Se está de mau humor - digamos, se a irmã telefonou de Lübeck ou se ela achar gorda, embora eu jure inutilmente que vivo e morro pelas carnes dela -, ela declara que eu sou a árvore que a impede de ver a floresta. Não me afasto dela. Quando ela abre bem a boca, ááá, eu também abro a minha. Quando ela se senta, eu me aninho junto dela".


Eu quero um amor sentado no sofá. Um amor de Domingo de sol, com gosto de ressaca e vontade de viver feliz. Eu quero um amor em plena hora do rush, debaixo do viaduto, escondido da chuva. Eu quero um amor sem previsão de desgaste. Um amor sem previsão. Eu pude prever apenas o minuto em que você atravessaria a porta, e minha cabeça giraria trezentos e sessenta graus, e daria a volta na lua, e voltaria na velocidade da luz, só para eu não perder nenhum dos seus passos. Só para não te perder. Porque a vida, e tudo, passa tão rápido. Eu não te esperava com as mesmas bochechas e os mesmos olhos com os quais você veio. Eu te esperava sem a certeza dos traços em seu rosto, com meu coração embrulhado. Porque um dia me disseram que alguma coisa haveria de vir. E um dia me disseram que não era preciso procurar. Eu procurei alguém assim, nas dobras de coxas anônimas, na ponta de um nariz. Procurei até me cansar e desistir de tudo. Mas eu descobri uma felicidade vinda de você. E me apaixonei pelos seus joelhos tortos, pelo seu sorriso sem graça, pela sua vontade de me fazer feliz - por saber sê-lo tão bem. Você está presa na minha cabeça e eu sei de cor quantos centímetros medem seus pés, e o ângulo exato das suas maçãs do rosto. Eu nunca me entreguei a nada, mas você me receberia tão bem. De braços abertos e me querendo mais perto do que perto. Você poderia viver em meus sonhos, e desenhar na areia, e me salvar do que quer que seja que tenha me tornado tão duro. Eu acreditaria em todas as palavras que você nunca ousaria dizer. Porque as coisas não são assim tão fáceis e você sequer sabe do amor de graça que nutri sem nem saber se preferia vermelho ou amarelo. As coisas tem sido brutas, na maior parte do tempo. A temperatura do ar, a queda das folhas, o céu nublado. Você não sabe dos meus segredos. Dos cadáveres que escondo no armário, do que há debaixo da minha cama. Se eu sei amar ou se é tudo um engano. Ontem eu dormi com outra pessoa, coisa que eu não queria te dizer. Você não é minha, mas eu já me considero seu. Foi veloz e sem sentido. Você não estava por perto. São tantos os compromissos e os horários e os atrasos. Eu já sinto a sua falta. Porque a lucidez que mantenho desperta me faz saber que tudo, um dia, vai. Ir embora é tão doloroso e tão triste. Não quero antecipar nada. Mas é sacrificante me manter cínico. Penso que é mais sábio ficar só na vontade, para não manchar sua imagem com o mofo da convivência. E não deixar sua magia se confundir com a dificuldade de manter a louça limpa. Você me invade como, outrora, me invadia a tristeza. Pelos poros, como um meio-segredo, uma bactéria, uma vontade de não saber de nada, e deixar fluir. Eu desconheço as dores que te tornaram humana. Não sei se chorou mesmo antes de receber a palmada. Se foi prematura ou esperou o tempo exato. Você tem pressa? Porque eu poderia ficar aqui para sempre. Enumerando todos os meus pecados. E Deus, como foram tantos. E pesados. Minha carga é tão negativa que não sei como flutuo nesse tempo-espaço. Não sei como ainda tenho forças para dizer tudo que te digo agora. Para sentir tudo que aqui dentro explode e me faz querer gritar para o mundo que meu Deus, eu achei tudo que queria e ela não sabe. Ainda bem que me afoguei senão você nunca teria me salvo. Ainda bem que me perdi senão nunca teria te encontrado. Através destas falsas linhas retas eu prevejo uma vontade incorrigível de te querer perto. Tudo que eu nunca diria agora eu te entrego sem mesmo ter a coragem. Leva-se menos de um segundo para ter a vida virada de cabeça para baixo. Fica comigo.

Promessa.

Eu te amo, ele disse, assim, sem ao menos ter visto os pés da garota. Eu preciso que você me ame, ela disse, sem sequer lhe contar sobre as cicatrizes nos joelhos. Meu bem, você sabe que eu não me importo em saber ou deixar de saber sobre suas quedas. Eu só não posso com elas. É como um coice no peito e já estou velho pra coices. Me dá um cigarro? Eu te daria o mundo. Mas, por agora, só um trago. Temo pelos seus pulmões, mais do que por nossos corações. Eu menti pra você e abri seus cadernos. E eu vi aquelas frases e os textos e você bem sabe que só as palavras é que me ferem tanto. Faça silêncio com eles que meu coração aguenta firme. tô sem isqueiro também. Eu escrevi tudo aquilo para que você lesse. Gosto das feridas, muito mais do que de cicatrizes. Mas eu te prometo que só vai doer mais um pouco. Eu só tenho fósforo. Será que eu posso ficar sozinho, 10 minutos, será que é te pedir muito? Na verdade, eu preferia que você fosse embora. Não consigo fechar a janela, não consigo te levar comigo, não consigo me fechar para você. Vou te contar um segredo, talvez dois, talvez todos eles. Talvez eu te conte o que veio no meu biscoito da sorte, ou te chame para sair. Só nós dois, um maço e luz de velas. Você sabe que talvez eu não aceite. É o que dizem de mim. Se fosse difícil, talvez eu aparecesse. Se houvesse luta, e coagulos no corpo. Eu posso me esconder e te mandar telegramas. Assim você vai achar que eu sou seu tesouro, e me chamar de amor. Não, eu nem te conheço. Pois já passou do tempo, faça as malas e venha viver comigo. Pois esqueça isso tudo, estou falando sozinha. Com uma parte obscura de mim. Eu te inventei nos meus mais absurdos sonhos. E te dei corpo de homem distraído, a barriga e as olheiras, depois de tanta cerveja, a barba por fazer, e o sorriso torto. Meu amor imaginário. Nas sombras do meu eu infantil. E solitário. Eu me apaixonei ontem e não foi por você. Se fosse, nos seria proibido. Era alguém de carne e osso? Ou foi um suspiro? Foi alguém de carne, osso e meus suspiros. Alguém distante, que já havia visto. Talvez nos sonhos. Foi atrás? Fui na frente, antecipei o tempo, nos imaginei casados catando conchas. Na lua-de-mel? Todo dia, morávamos na praia. Era para ser comigo. Ainda não foi. Pede outro café, minha garganta está seca. Você vai me abandonar? Eu nunca estive contigo, senão em palavras. Nós dois caberíamos em um livro. Você coube em meu coração. Vamos escrever um romance deitados na banheira. O romance do século. Você já me fez este convite. Nossas palavras e meu coração. Nossos corações e minhas palavras. Eu mal te conheço. Mas eu me lembro dos tempos que não vivemos juntos. E eu sinto sua falta, quando distante. Nunca estive por perto. Mas eu imagino seu perfume. Ele era bonito? Que nem o vento. Não vá embora. Eu preciso de você aqui. Dividindo a janela e a vida em um trago. Eu não consegui saber seu nome. Meu amor imenso durou uma noite só. E se eu nunca mais vê-lo na vida? Aí eu terei dado sorte, e você ficará para sempre comigo. Eu não quero ficar para sempre com ninguém. Então não se apaixone. Eu preciso de algo que me mova. Não faz bem para o seu fígado. A verdade é que não faz bem para o seu coração. Você não quer ir embora. Você quer que eu fique. Eu quero o mundo, com você nele. Eu quero outro cigarro. Daqui a pouco vamos dormir. Você não tem medo de acordar? Eu tenho medo de perder muita coisa, fica mais aqui. Se você sonhar com ele, está tudo perdido. Mesmo tudo que já perdi? Eu tenho medo dos sonhos e da verdade neles. Eu tenho medo de você e o que acontecerá comigo. Eu me sentia vazia. Não faz bem para a literatura. A gente ainda vai se encontrar. E vai ser mais do que um encontro casual? Destino. Promete?


P.s.: Diego, você também está aqui.

terça-feira, 15 de março de 2011

Minha, Só Minha.

Minha, só minha,
há tempos não te direciono nada. Nem cartas, nem beijos, nem fotos, ou suspiros. Nunca mais esbocei seu rosto nas linhas tortas do céu. Mal me lembro de seus joelhos - eram tortos mesmo ou estes eram de outra? Tenho sofrido pela falta. Falta de algo que, ainda, não soube definir. Mesmo concentrando todas as minhas forças na busca. Ainda me procuram para saber o quê é que se deu de você. Qual foi seu rumo, se casou, se teve filhos, se virou modelo ou viciada em pó. Eu digo que nunca procurei saber, que deixei você ir, sem tentar impedir ou morrer de arrependimento. Só não minto por se tratar de uma meia-verdade. Que completei com uma dose de soro, de mesma composição que as lágrimas. Que completei meio sofrido, estando ciente de que sua partida já havia sido previsão com cara de certeza. E profetizei, naquele dia, que choveria, e logo mais sua visão seria apenas uma imagem turva perdendo cada vez mais o contraste ao longo do horizonte. Se chorei, se chorei não foi como choram as crianças. Não tive a certeza de estar logo sobre o seu peito, recebendo carinho e me sentindo amado. Não houve tempo para o amor. E se houvesse uma culpa, ela não seria nossa. O mundo é formado de mundos, às vezes, tão distantes. E eu vivo escondido de um lado, sabendo claramente de você em um outro. Escutei uma canção um dia desses, não me lembro dos versos, ou do refrão, mas sei que dela surgiu uma saudade. Daquele tempo que inventamos, um amor que criamos. Pela pura e singela vontade de estar. Estou sozinho. Coisa que, imagino, você não esteja. Embora cercado de tantos, ombros e amigos, vive em mim a vontade de viver só, para ser só, e não depender de mais nada. As coisas doem mais quando escapam. E para escaparem, precisam existir com a gente. Eu existo sem elas. Às vezes, coexisto na existência que elas já tem em si. E sumo. Sem deixar nem rastros, nem resquícios. Assim não há sofrimento. Só uma lembrança aquecida de algo que ficou. Feito um lençol que guarda o calor de um corpo mesmo após sua partida. O que, para mim, fica, não volta mais. É uma maneira sensata de encarar a vida. Ou de fugir. De qualquer forma, está tudo bem. Espero que também esteja contigo. Da última vez em que nos falamos, foi para reclamar do tanto que fazia sol - aí e aqui -, e do tanto que nada valia. Tínhamos em comum as decepções, mesmo que distintas. Você já morreu de amores, e eu também. Nas curvas de seu corpo eu podia sentir a frieza que foi deixada. Os olhos miúdos e a boca descascada. Eu queria ter anotado todos os pensamentos que criaram raízes em mim. Para poder partilhar contigo tudo aquilo que não partilhei com ninguém. Pior do que sentir falta, é querer sentí-la. Coisas que os anos e as rugas trazem à tona. Um dia, no parque, eu dividi minha língua com uma outra. Não digo por livre e espontânea vontade, mas sim pela necessidade de fazer barulho. E fez. Nada de sinos ou estralos. Foram intensos os dias em que vivi morando em diferentes bocas. Se não podíamos dividir o teto, dividíamos o céu. E era mais do que suficiente. Algumas vezes limpo, todas as vezes sem estrela. Algumas vezes úmido, outras seco e ríspido. Coisas que eu teria te contado com a certeza de que gargalharíamos e esqueceríamos de terminar nossos cigarros. Contigo eu poderia dividir de tudo. Desde as noites resgatando a boêmia até a solidão de voltar - quase - sempre para um apartamento de apenas um quarto há três quarteirões da avenida beira-mar. Seria mesmo melancólico se eu realmente morasse em Ipanema. Seria bonito se tudo fosse verdade. Mas essa vida é foda e não tem cheiro de mar. No máximo, de esgoto, quando venta forte e se esquecem do real significado de saneamento público. Quando eu mando todos à merda pensam que é piada e abrem seus sorrisos amarelados. Eu queria saber qual é o gosto de um céu de verdade. Deve ser parecido com o seu. Se ao menos eu tivesse te tocado, se ao menos meu toque tivesse te despertado, talvez o amor vingasse. E não se vingasse de mim. Foi por amar tanto que, hoje, eu sou odiado. E que quando a chuva é para mim, só caem garrafas - abertas ou não -, pedaços de torta, restos de comida, tapas e alguns chutes. Ninguém nunca foi capaz de entender o tipo de amor que me dispus a dar. Talvez eu pudesse ter te explicado. Falam de amor livre, mas só se preocupam com o sexo. Se transamos, se transei, se transaram ou não. Tudo sempre acaba em foda. E depois o fodido aqui sou eu. Quando me oferecem amor, eu não quero dar. Quando eu quero amar, só querem dar para mim. Eu deveria te dizer que a vida é mais complicada do que parece. Não sei para você. Talvez você viva escondida para que ninguém, nem eu, te ache. Ou viva expondo suas partes íntimas no ápice de suas madrugadas. Ou viva quieta, tomando um chá todo dia às cinco, e chorando baixinho porque nada deu certo. Acho que me preocupo com seu rumo. Mais do que teria me preocupado com o meu caso, um dia, eu sumisse de vista. Sua vida deve ser feliz. Sendo promíscua, ilegal, destrutiva, morna, sossegada, ou não. Eu queria te dizer e, ainda pior, eu queria que me escutasse. Não uso exclamações para não parecer animado com o que está para vir. O pior é que estou. Se nada me toca é porque nada eu sinto. E estar leve pode ser o maior segredo para estar bem. Pareço um autor de um livro de auto-ajuda, mas a verdade é que eu mandei tudo para você. Que cuide dos meus problemas, já que tudo meu é seu. Na verdade, aquilo não foi nosso. E o que foi nosso nunca aconteceu.
Seu, só seu.
Como eu quis um dia.

Lirismo Egoísta.

Impossível saber a medida exata. E alguns dizem que sabem. Como no Domingo passado, foi molho demais para pouco macarrão. Como ontem, quando eu planejava terminar, ao menos, a primeira garrafa. Mas pouco depois da metade, eu já estava trepando - não da maneira prazerosa ou delicada. Estava trepando as árvores que plantei na minha própria cabeça. Vieram me dizer se cuida, mas para quê mesmo o cuidado? São tantos os amigos e tantos os nomes, e são tantos os pecados e são poucos os perdões. E são tão duras as verdades, e são tão saciantes as mentiras. Não digo estar frustrado, mas admito estar ocioso. Vivo em tempos onde não há nada. Nem um pingo de respeito ou felicidade. Até mesmo o estômago reclama. Tudo que, um dia, foi cheio, agora nos escapa. É tão mais fácil falar, tão mais fácil que sentir, e viver. E viver se tornou uma obrigação. Os anos de estudo, os filhos voltando antes das cinco do parquinho. O mundo girando, o tamanho da lua aumentando. Os tsunamis de água e receios. E de forma egoísta meus problemas pareceram maiores do que todos os outros. Não perdi nenhum ente querido, nem vi o teto de minha casa desabar, nem fui levado. Sofro por não ter motivos. O ópio, o ócio, a vontade de ter algo mais para falar. E reclamar. Reclamo do que não vivo. Porque um dia eu decidi que iria ser assim e foi. Eu escrevo como forma de inventar as dores. Uma transfusão de sangue, de mim para você. Ou vice-versa. Provavelmente seu sangue seja mais puro que o meu, mais vermelho, mais pulsante, mais saudável. Provavelmente você chorou ao se cortar. Se me cortei foi para me provocar. Nenhuma reação, nada além de apatia. Estou morrendo de sede. Morrendo, enfim. Não me sinto, ao menos, culpado pelo que assisto acontecer no mundo. Não me sinto em mim. Nada se desperta além da vontade de ser notado. E poder dizer que estamos perdendo tanto tempo sentados em frente a televisão. Que estamos perdendo tanto tempo que daqui a pouco teremos perdido tudo. Eu sei do tamanho da minha barriga e da minha vontade de engolir o mundo. Sei de você também. Sei que nada se resolveria em um abraço, mas certas feridas saram. E está tudo desabando, dentro ou fora. Sem que ninguém esteja pronto para se despedir. Tenho pensado muito nas coisas que deixei para pensar depois. Eu poderia estar aqui te jurando amores, mas se nada mais restar, não é esse meu amor por você que vai perdurar. Talvez voando pelas estrelas, ou entre os graus de valência. Talvez na memória, se eu contar para o mundo e alguém ficar para explicar. Embalado pelos agudos e graves do meu próprio egoísmo, eu não quero que nada se acabe. Porque ainda não acabei com você. Pensando de forma mais humanista, meus sinceros desejos de que tudo fique bem. Porque tudo que causamos é apenas reflexo de tudo e muito mais que criamos. Eu nunca pude salvar nada. Nem as mudas de plantas que morreram. Nem os gatinhos que atravessaram a rua em plena hora do rush. Nem eu mesmo. Eu nunca pude salvar nada e, de certa forma, eu desejava. Eu ainda desejo. Pois mesmo perdendo tempo, ainda não é tarde demais. Ao menos não para mim. Eu poderia te jurar amores, mas juro que estou com medo. Se você estivesse naquele avião, naquela beira-mar, naquelas torres, em qualquer lugar. Se algo para você representasse qualquer perigo, o mínimo perigo, eu arcaria com as forças e os riscos de quem segura o mundo.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A Velocidade dos Sentimentos.

Conversar contigo é como conversar com todos os meus segredos de uma vez só. Você não sabe quem eu sou, nem o formato que meu rosto toma quando abro um sorriso, nem como meus pêlos se eriçam ao mínimo contato. Eu te escreveria todos os dias, se não fosse enjoativa minha mania de falar sobre a falta de flores na minha pele. Hoje choveu o dia inteiro, mas eu me enganei ao colocar um casaco. Não estava frio, a não ser visceralmente e mentalmente falando. Saí com alguém para tomar um café - me recuso a contar os detalhes, como o momento em que minha perna tremeu e a boca dela se confundiu com a cor do arranjo de rosas sobre a mesa. Ligeiramente sem emoções. Tudo se tratou de um leve - e confuso - espasmo, no qual eu pude ver nela tudo aquilo que - em segredo - eu desejo ver em alguém. Existe uma dualidade na memória, nos sentidos. Às vezes sinto algo que queria sentir, e me lembro da saliência causada na pele. Sem ser profundamente tocado, nem por corações, nem pelas pontas de dedos. Às vezes eu me lembro de um amor que nunca cheguei a ter. Uma esperança pobre, sujeita a mutilações da alma. Quando eu me despedi, segui pelo caminho dos desnorteados. Nada havia, senão a falsa lembrança de uma paixão desconexa. Mais tarde, a aparição de outro provável amor - como é possível notar, venho depositado esperança e falsas emoções em todo e qualquer sorriso que recebo. Ela se vestia de forma a mostrar-se nua. Pela ponta de seu nariz, eu já poderia saber tudo que se passava ali por dentro dela. Era uma explosão de sons e cores, e tudo mais que poderia haver de belo ou gritante no mundo. Era uma explosão que eu queria ter sentido explodir dentro de mim. Mas algo me fez perceber que eu estava lacrado. Eu reclamava da falta de circulação - no sangue, entre os poros, de gente, coisas a mais -, mas eu não permitia a entrada. Eu pude, em um momento entre o que ela passou pela porta e o que ela se levantou pegando a bolsa para sair, notar que ali havia algo. Algo que poderia sim crescer e, de fato, existir. Sem ser na imaginação de um homem desfeito. Mas na realidade de um rapaz apaixonado. Ela me fez acordar e, então, lembrei-me da última possibilidade que deixei esvair. Um dia ela veio - assim começa o impacto e durará até o encerramento da história -, e eu não esperava. Quando veio, já estava aqui uma outra. Entre as duas, eu escolhi a opção mais sossegada. Neste momento da escolha - pelo que percebo agora -, renunciei toda a minha habilidade para paixões inflamáveis e inconsequentes. Ela era o brilho de um sol até então desconhecido. O luar sem lua, e o começo do fim para o enfim começo de tudo que eu deveria ter esperado - não em sã consciência. Ela faria com que eu perdesse todos os sentidos - e ainda mais, a razão que já havia se desencontrado há tanto. Ela faria o que eu espero agora, e renunciei antes. Se eu não houvesse renunciado - penso -, estaria mais suscetível a perdas como essa. Eu evitei, pelo mundano medo de nunca mais me reencontrar. Em seus olhos, estaria, talvez, seguro. Mas com o abandono de suas íris, nem sentido, nem razão, nem eu, nem amor, nem nada, nada me pertenceria. Dispensei a loucura que dela provinha. Dispensei a insanidade. Foi quando eu enlouqueci e declarei o estado. Estive com a outra, tomando chá morno, com pouco açúcar, comendo sem sal e amando sem motivos. Eu nunca a perdi, pois grudou em em mim feito um tumor. Benigno. Trouxe-me coisas gostosas, como o saber estar sempre junto e o corpo aquecido em plena madrugada de inverno. Mas nunca esqueci aquela cor de mel, aquela malemolência de quem não devia nada a ninguém - por dar sempre tudo. A que me fez acordar...você ainda se lembra de quando falei dela? Tudo que, aqui, falo - mais do que escrevo -, parece se perder com a facilidade de uma brisa. A que me fez acordar me parece um sonho distante, tomado pela vontade de que ela me queira tanto como, um dia, eu tive medo de querer. Que ela me queira tanto como eu quis ser querido. Como eu quis, um dia. Eu cansei de amar, eu cansei de amar, eu cansei de amar. Eu cansei. Eu queria viver um sonho. Mas vivê-la, por enquanto, não me parece tão fácil.

domingo, 13 de março de 2011

Our Blueberry Nights.

Se destruir deveria ser prazeroso? Eu venho tentado descobrir. Parece coisa dos grandes, os semi-deuses sem poder algum - além das palavras, mas que poderes elas exercem além das catarses e epifanias e juras e promessas e desgostos? Li, um dia desses, que Tolstói morreu assumindo a barba e a loucura pegajosa de um profeta e, pouco antes de sua morte, questionou a profundidade dos sentimentos expostos por Shakespeare. Ele foi assassinado pela própria loucura ou foi tentando matá-la que acabou sendo apunhalado pelas costas em um golpe certeiro? Impossível questionar a profundidade sentimental de um homem que acreditou no amor infinito. Pura loucura, questionar a profundidade do poço de insanidade que o levou a acreditar nisto. E escapou pelas beiradas e se derramou no tinteiro e na caneta de pena. Foi com pena que os maiores amores foram escritos. Compreende? Ontem eu saí. Todos saem. Vão e voltam. Eu saí com a certeza de que iria me embriagar o suficiente para não me lembrar de nada, de absolutamente nada, e acordar com um zumbido no ouvido e o peso do mundo sobre a testa. Não há nada mais denso do que abraçar a loucura genética ou natural ou demolidora com uma loucura sintética ou com alto teor alcólico ou esfumaçada. Se bem me lembro, eu caía pelos cantos, e aos pedaços. Nada está batendo aqui dentro, isso eu queria te contar. Queria contar a você, que eu nem conheço. Nada eu conheço em você além de umas linhas tortas, e as jogadas favoritas no poker. Você ganhou as últimas partidas? Enriqueceu? Lembrou-se de mim e pensou que, um dia, eu poderia ser o amor da sua vida? E se eu já sou e você não percebeu? E se percebesse, será que iria me dizer? E vir aqui me buscar, de um outro lado, de um outro mundo, em uma outra dimensão. Quanta lucidez. Tamanha lucidez um dia eu tive. Agora só a vontade de te ligar, e perturbar seu sono infantil. E procurar saber quando foi que eu deixei você me invadir de forma tão violenta. E a vontade de querer saber onde foi parar o amor. Aonde foi parar o amor? Aquele que apareceu de relance, e nós dois pensamos que pudesse vingar. Agora você vem me dizer que eu não sei de nada. Eu não sei de você. Começo a te confundir com um amor antigo, meio querendo dividir o choro, mas sem soltar nenhuma lágrima. Não percebi quando curou, se foi cura ou esquecimento. Eu queria te contar como dói mais do que queria te contar sobre meu dia. Você me disse não vá pela dor, vá pelo amor. Eu queria tanto acreditar em você. Tanto que, às vezes, me convenço de que acredito. Você parece saber mais do que eu. E esses caminhos são diferentes? Há uma bifurcação? Das vezes que tentei, doeu tanto. É por isso que vivo engatinhando e fingindo estar de pé, usando um perfume caro e escondendo sob a maquiagem a imensidão das olheiras que amar me deixou. Um amor me deixou. Vários amores me deixaram. Eu os deixei em vingança. Sem cru, sem crueldade, nem frieza. Deixei por viver nessa incontrolável busca por algo que precise dos meus cuidados. Você me disse não bata a cabeça e não morra, e preserve seus lábios intactos - eu preciso encontrar alguma coisa que valha a pena, e pode ser você. E eu senti algo me segurar pelo mesmo braço que estava sendo puxado por um lado obscuro de loucura. Eu me senti cuidada. Foi quando eu percebi que eu preciso de alguém, e poderia ser você. Ou qualquer um. Ou qualquer rosto, ou corpo quente. Eu te escrevo como quem conseguiria dizer amor, mas eu não te amo. Eu te escrevo como se escrevesse para alguém capaz de me entregar amor - amor de um outro. É como se você soubesse todos os caminhos, inclusive o meu. Ontem eu saí desesperada, tropecei no tapete, mas mantive todos os meus fios de cabelo no lugar. Como você teria me pedido se, naquela hora, eu te contasse que estava prestes a vomitar, mas fui tomada pela precisão de um olhar trocado no meio de uma multidão de outros olhares ao avesso. Tenho aversão a tudo que me sugue. Mas em meio aquela confusão latente de tudo que pulsava do coração às artérias e movia rapidamente as minhas pernas, eu achei que tivesse encontrado alguém. Talvez eu tenha. Mas o temor falou mais alto, e eu me escondi. Depois fiquei me remoendo pensando na vontade de dizer coisas que ninguém nunca diria. Que ninguém nunca responderia de forma precisa. Imaginei que, se aquela corrida, tivesse dado certo, e não houvesse tropeço, eu teria alcançado o clímax de toda a minha história, o êxtase, o ápice de minha entrega. Por isso falei da minha aversão, repulsa, fobia, tudo. Ali eu fui sugada. Por carência ou desejo? Por desejo de não ser mais carente ou por carecer daquele olhar mais próximo ao meu? Eu imaginei eu e ele. Já havia imaginado antes, pois houveram tantos outros olhares trocados. Ele com sua camiseta vermelha, e seu cavanhaque emoldurando um sorriso tímido. Nós dois sentados na calçada imunda. E a vida sendo leve feito música. Me diz como era sua vida antes de me conhecer? Sã. E agora? Salva. Tenho mais medo de morrer amado, do que morrer louco. Tenho mais medo de morrer por amor, do que por loucura. Quando você vem me visitar?

quarta-feira, 2 de março de 2011

Tesouras.

It hurts to say "i miss you". But I do, and hope you're okay. Hope you are, 'cause I'm not. And I'm not that strong to see both you and me damaged.
I wish we were us still. I wish we were still together. I wish you were here. But mostly, I wish you were with me, no matter where.


Quando me dei conta, senti sua falta. E saber disso me doeu como um soco na boca do estômago. Quando percebi, já não era mais eu. Porque sem você, as coisas foram feitas para não fazerem sentido. Mas estou são. E só isso basta. Porque eu poderia ter te perdido e me perdido junto. Mas só você se foi, se disfarçou no meio da multidão. Ficou comigo uma saudade razoável, a memória do seu olhar sorridente, os souvenirs de sua passagem na minha vida. Não guardo nenhum rancor, nenhuma memória desmembrada por raiva. Você ficou intacta em mim. E eu te amo sem fim. Sem previsão de mudar. Sei, como todos, que os anos passam, as pessoas também. Você não passará, mas isso não me fará sofrer. Somente irei te guardar. Numa caixinha, escondida sob a cama, tomada por poeira. Eu nunca te esqueceria, nem que me pedissem. O que você me deu foi mais do que eu poderia, um dia, receber. E ficou esse amor-carinho, que se transformou pela falta de sintonia no querer. Um dia você foi meu amor e minha amante. Hoje você é amor e lembrança. Queria que você soubesse tudo que eu não deixei você saber. Fiz uma lista, com todos os momentos, os principais, em que o coração bateu mais forte e você fez brisa no meu estômago. Aquele dia, que fazia mais ou menos sol, e me sentei na sombra de uma árvore para te esperar. E você se atrasou. Era a segunda ou terceira vez que nos encontrávamos e, ali, eu já sabia quase tudo que viria nos dias seguintes. Elogiar a sua saia florida e rodada, era só uma forma de te fazer entender que até a loucura te caía bem. Para os outros, você podia não ter nada de deslumbrante, ou excepcional, mas você me puxava de uma forma que me era estranha. Era leve, ao mesmo tempo pesado. Era doce, ao mesmo tempo amargo. E era bom, sem se tornar viciante, nem lascivo. Havia sim um certo perigo em te querer, em me querer seu. Mas comum a todos os amores. Eu tive, eu tive alguns amores, meio-amores, paixões, antes de você. Terei outros depois. Terei o mundo, se for de meu agrado. Mas nem por isso as coisas se tornam fáceis. Ficam as meias, os presentes, as gírias. Ficará sempre um pedaço seu comigo. E vice-versa. E pensando, e escrevendo, vou percebendo como nós dois não tivemos nada de anormal. Um romance como qualquer outro, e meu amor nunca será maior do que de ninguém. Foi sim o maior de todos que já tive.

terça-feira, 1 de março de 2011

Dor de Cabeça.

Eu queria ter o romantismo dos suicidas. O êxtase do último pulo. O controle sobre o último pulsar. E o poder de decidir o fim. Eu queria ter o romantismo de um ser mundano. O buquê desajeitado de flores. O toque desconcertado de mãos. Eu queria ter um romantismo qualquer. Não quis que envelhecesse. Mas eu, antes, também não quis que acontecesse. Agora, sendo ácaro e pó. Impossível de resgatar. Sua lembrança permanece firme, no fundo falso das gavetas da memória. Guardada como um segredo. Que ninguém sabe como aconteceu. Em uma noite você me olhou, e depois dela eu só pude te olhar de volta. Uma duas três vezes. Sem que ninguém notasse. Minha insincera procura por algo verdadeiro. Outros dedos se entrelaçavam aos meus quando houve a troca. A troca de olhares, que dias depois se transformou em troca de suspiros e confissões. Você me pediu para que eu largasse tudo, eu me lembro. Um dia, quando apareceu sem avisar. Um livro por debaixo dos braços e havia encontrado as respostas no eu-lírico de alguém. Nada nos era proibido, me disse. E quis me salvar da monotonia da rotina amorosa. Eu amo, ele me ama, e estamos bem assim. Sem paixão ou disritmia cardíaca. Versos simples, nenhum mistério. Mas você não escutava. Atordoado ao saber que o meu amor era para ele, não por você. Em um passo arriscado, inesperado, você conheceu uma das minhas poucas amigas. Havia acabado de sofrer um acidente de carro, e eu teria estado com ela, se não estivesse na cama com você. Você não desgrudava. Com medo de que o destino ainda tivesse preparado um acidente para mim. Às duas da manhã, nós dois sendo desconhecidos no hospital. Ela já te conhecia, se bem lembro, e te chamou de anjo. Ao ver seu par de olhos cor-de-mel. E te disse que você era dela. Certa de que você nunca seria meu. Mas já era. Meu anjo caído, seguro apenas se em meus braços. Eu não abriria mão de tudo para poder me chamar de meu. Eu não abriria mão de nada. Mas, ainda assim, te dava esperanças. E repousava minha cabeça no seu peito, e te pedia carinho. Como se já não recebesse carinho demais. Eu fui feliz te tendo por perto. E, em um momento em que eu não quis nada, eu decidi por te deixar ir. E você se foi. Não me lembro o que passou por minha cabeça no momento em que decidi por ele, e não por você. Mas ocorreu depois uma série de momentos mais tristes do que a sua ida. Infinitamente mais tristes. Porque você sumiu do cuidado dos meus olhos, e eu fiquei caminhando a esmo. Se não for amor, melhor deixar para depois. Mas eu vivia na incerteza de seu retorno. Eu não quis que acontecesse e que, um dia, você me deixasse assim. Sentindo sua falta de um lado, e impossibilitada de sentir qualquer coisa do outro. Eu enganava um amor, antes tão sadio. Ele sabia de nós, me disse. Pelo brilho que eu deixava escapar dos olhos. Ao te ver passar, ou ao ouvir seu nome. Ele invejou esse brilho, eu não disse. Pois por sua revolta, não era de se assustar que um dia eu acabasse com a garganta aberta. Você não voltou, nem nunca mais me procurou. Desacreditei em todas as suas formas de amor. Desacreditei em você e em tudo mais. E por novos e calmos anos permaneci ao lado dele. Até que entendemos o real significado do amor, e ele me deixou ir. E não estando presa, te reencontrei. Em um espasmo, um beijo. E por tanta embriaguez, a sensação de completude. Você não sai da minha cabeça e, surpreso, quer saber dos meus sonhos. Tenho te tido neles todo dia. E em todos os instantes. Pois sonhar é algo que se faz desde que se esteja vivo. E descobri que estou. Eu queria não saber que eu gosto-mais-ou-menos de você.