domingo, 27 de março de 2011

Mesmo Nós.

Não era Inverno. Tampouco Outono, ou Primareva. Nem muito menos Verão. Era uma estação à parte das outras. Imprevisível e desconhecida. Uma estação em que fazia sol e ao mesmo tempo trovejava. Chamam-na de inesperado. Eu sempre preferi não dar nome as coisas. Nem dar nome ao amor, nem dar nome as feridas. Deixar correr. Voar, se for leve. Deixar acontecer, e apreciar a paisagem pelo caminho. Não que eu seja só sorrisos e a vida seja o mais lindo dos mistérios. Não que seja preciso me escutar. Não que seja ou tenha sido. Mas eu queria contar. O número de pessoas que atravessam a rua, e fazem bolhas de saliva na ponta dos lábios, e inserem seus corpos na vida de outros. Eram tão pequenas as suas mãos. Tão pequenas e o mundo, já sabemos, tão grande. E me dava um medo ver você sair pela porta e, distraída com a bolha nos lábios, atravessar a rua, e cruzar seu caminho na vida de outros. Medo de que fosse embora. Que não fosse comigo. Um medo de te perder. Para outro, mais do que para outra dimensão. Muitas vezes eu te assisti pela janela. Nunca sabemos quando veremos nosso maior amor pela última vez. Tanta coisa acontece. Coisas que não saem no jornal, que não são debatidas na calçada. Se os Domingos não fossem quase todos de sol, eu não te confiaria ao mundo. Ele não seria capaz de te cuidar como eu cuido. Como eu quis. Se eu não contasse, ninguém saberia que você tem medo de grilos, morcegos, amor e escuro. Ninguém saberia que você dorme todos os dias com o mesmo par de meias. De vez em quando colocando para lavar, mas somente se com a certeza de que estarão secas ao anoitecer. Talvez só eu saiba como você adora o pôr-do-sol, as tulipas e o cheiro da noite. Como você se treme toda com o barulho dos trovões, e tem medo de morrer em um acidente de avião. Esse seu medo de ir embora e ser esquecida. De que seu corpo farto se divida em milhões de partículas. E que elas sumam. Você contou feito fosse o segredo do mundo. Mas não é tão especial querer deixar marcas, e ter suas fotos penduradas nas paredes, e seu nome pintado em um muro. A idéia de que alguém, um dia, possa te fazer mal, qualquer mal, já me embrulha o estômago. Você parece tão forte. Se me perguntassem, antes de tudo, eu diria que sim. Mas te assistindo chorar, delicadamente, depois de uma garrafa de vinho, depois de me dizer que não queria isso, depois de me contar que dormiu em outros braços, eu já não tive mais tanta certeza. Você acha que fez mal, mas isso é só o começo. O que virá depois poderá ser pesado ou transparente. E, um dia, eu poderei acordar, assistir você dormindo, esperar que você acorde e boceje uma ou duas vezes, para depois te dizer que não valeu à pena. Nem que tivéssemos tentado mais cedo ou acreditado mais cegamente. Um dia eu poderia te pedir para ir embora. Sem duvidar ou esquecer. Uma expulsão educada, sensata, certa. Porque não podemos prever. E nem perder a graça. Há dois anos atrás, quando eu te vi pela primeira vez e o tempo congelou, eu ainda cultivava uma fome maior de loucuras. Fosse o ócio ou o ópio. Fosse o que tivesse de ser. Sem pensar. Sem jamais pensar. Com você as coisas pedem por mais cautela. Como andar com um guarda-chuva e protetor solar. E te dar a mão, e te assistir entrar no ônibus. E prometer que te amarei para sempre, ainda que tudo passe. Mesmo nós, mesmo o tempo.

4 comentários:

Belatrix Oliveira disse...

Quanto sentimento! Que íntimo, simples, lindo! Adorei.

Rafaela disse...

Que lindo, que tudo! Penso na mesma pessoa pra qual talvez você, tenha se inspirado ou simplesmente ''escrito'' diretamente. Gostei!

AnaButrico disse...

Uau, não consigo parar de ler seus textos. Você parece tão natural. Parece que senta na frente do computador e as palavras surgem numa questão de uns 5 minutos. Parabéns.

Julianna Motter disse...

Muito obrigada, gente! De verdade. Continuem lendo e comentando!