domingo, 31 de janeiro de 2010

Infinito.

Cabeça pesada, despencando das alturas. Com a vista pouco nítida, e com pouca vontade de enxergar, repousava o peso de viver sobre os braços. Como quem abaixasse o tronco para uma prece. Como queria ter pressa...mas tinha toda a calma em ressuscitar. Descansava, preparando-se para o longo inverno que estava por vir. Se em um outro ano, aquele telefone tivesse tocado, aquela voz poderia ter lhe tocado a alma. Mas naquelas circustâncias, tocou-lhe a ferida, cujo sangue, coagulado, escapou. E escapou-lhe também o controle. Os lábios vieram à cabeça, antes que voz terminasse a primeira oração. E a saliva escorreu pelo telefone. Pediu que não voltasse. Não obedeceu.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Palavras Tuas.

O futuro, minha cara, bateu na porta e bateu-a em minha cara. O futuro, minha cara, esse que era meu segredo, e sua previsão, abandonou-me entrelinhas. O futuro, minha cara, não foi aquele que você desejou ter dado-me. Escapou de previsões e de teus braços.
Meu futuro, minha cara, não está nas palavras.
Nas palavras, minha cara, estava o passado.

Trapézio.

Lábios irredutíveis. Seus olhos pretos, cor de alma vencida. Caminhavas por qual estrada quando atropelaram-te a vida?
- Voltava.
Não, só seguias.
- E voltava.
Só tu não vias.
Agora deixe a minha quieta.
Pois eu sigo pela calçada.
- E voltava.
Desculpe-me.
Caminhavas por qual estrada quando atropelastes-me a alma?

sábado, 23 de janeiro de 2010

Trompe L'oeil.

Teus olhos, apavorados, fuzilavam-me o coração. A porta, entreaberta, dava-nos a esperança de fechar-se com o vento, mas permanecia da mesma forma que nós, parados no meio do caminho. Tuas mãos, angustiadas, agitadas, suavam pelas minhas. E ficávamos a espiar a porta mover-se, embora imóvel. O tempo que levou-nos a sentar-se naquela sala, era o mesmo que havia levado-nos a passar por ela, três mil noites antes daquela, ignorando a porta, as poltronas, as quatro paredes, que naquele momento sufocavam-nos. Levantaria-me, fecharia a porta, querendo estar do lado de fora. Teus olhos, apavorados, fuzilavam-me o querer.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Pedido de Ajuda.

Fala-me da dor da partida, pois sinto-a tomando-me as forças. E que forças são essas, que desprendem-me do chão no qual eu mesma fiz de tudo para ser atada? Não quero futuro, emancipei-me do passado. E o agora passa, junto as horas. Não quero uma caixa de lembranças, não quero lembranças para precisar de uma caixa. Eu quero que tudo encaixe-se, enquanto minhas extremidades não têm forma fixa.

Piaf.

Quis tanto fazer-me feliz, mas fui eu quem tomou o primeiro passo. E os que vieram logo em seguida. Fui eu quem olhou para ela, e olhou para nós, e entreolhou entrequadras, e foi em busca de um maço de cigarros. Eu que segui pelas quebradas de corpo inteiro. Eu que observei-a pelo retrovisor. Eu que pisei no acelerador. Eu quem nunca deu ré. A felicidade foi a lembrança dos bons momentos, o encurtamento dos ruins. Dei a ela o presente que empacotei para mim. Deixei que ela sorrise ao ver-me abaixando os vidros. E acenei como quem voltasse já. Não voltei. Não pretendo. A felicidade que ela poderia dar-me, estava na tristeza de roubar-me dela. Os cigarros eu achei, meus incontáveis maços. Minha incalculável vontade de antes da partida, ter quebrado o espelho do retrovisor. Adeus a quem fica. Ao Deus que ficou.

Bons Conselhos.

- E o que ela te disse?
- Disse para eu escutar meu coração.
- E o que você disse?
- Disse que ele estava rouco...

Pêssego-Melba.

Assistiu o céu vestir-se de branco através da íris da figura amada. Ergueu sua caneca, deixou que o chá escapasse pelas beiradas. Ergueu sua caneca feito erguesse uma medalha de honra.
- Ora homem, estás voltando da guerra?
- Não, minha cara, estou de partida para a vida.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Pôr é Dó.

Que tua dor putrefate-me as feridas.
Pois teu silêncio sofrido cala-me as batidas.
Que teu pranto simpatize-me a alma.
Pois teu choro dedilha-me os cordões da vida.
Que seja doce até tornarmo-nos amargos.
De outro modo, o único - e ininterrupto - caminho, será o de saída.

Simpática Sofia.

Simpática Sofia,
Caminha pelo pomar.
Simpática Sofia,
Cheira mar à beira-pó.
Simpática Sofia,
Difícil de se fotografar.
Enquanto sorria, parecia chorar.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Dúbio.

Minha Brasília, que dor sem fim seria deixá-la. Nenhum lugar no mundo deixaria-me tão perto do céu. Nenhum lugar do mundo deixaria-me tão perto do mar. Meu mar de concreto, sem ondas, mas com a pura brisa de cheiro nenhum. Minhas Brasílias, de tantas letras e singulares cores. Meus gramados esverdeados, meu céu azulado com sardas brancas. Deixá-la por uma vida sem eixo, desordenada, seria tortura ou caridade?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Ora Pois.

Eu te conheci em uma vida que não existiu. Tu eras a moça de vestido branco, apoiada no aparador do canto esquerdo da sala. Tu olhavas meu corpo como se cumprimentasses minha alma. Mas que alma era essa que eu nunca vi? Tu eras o abraço entregue pelo vento, o mesmo que marcava tua silhueta amassando-te a roupa. Com um sorriso transatlântico, tu acalmava meu pranto. Eu te conheci em uma vida que quis ter.

2025

Hoje, enquanto os fogos desenharem no céu e explodirem em corações, eu manterei-me de boca fechada. Não dou boas vindas ao ano que chega. Tampouco despeço-me do que vai. Despedir-me dele, seria tal como despedir-me de você pela segunda vez.

Ame.

Maria era o sol em seu ponto mais alto. José era a brisa fresca do mar. Os dois eram verão. Na nossa cidade, éramos reis. Nossa cidade inexistia no espaço que nos cabia. Mas vigorava em nossos corações. Maria dava-me tiros à queima roupa. José estancava o sangue com seus próprios farrapos. Galopávamos sentados em ônibus, imaginando sempre algo maior. Davámos a tudo o tamanho que faltava-nos. Quando eu calava-me, acompanhavam-me no silêncio, até que de tanta quietude, fizéssemos barulho. Maria era encaixe para dormir. José decifrava meus sonhos. Eu era pesado. Meus amigos foram o que eu não pude ser sozinha.

Caridade.

Das memórias que a vida deixou-me, a dela compreende a mais clara e dolorosa. Tu sabes, pelo pouco que sabes do mundo - e de mim -, que minha memória nunca fora lá essas coisas. Sempre confundiu-se com o branco, apresentou-se vaga. Mas a memória dela é latente. Recordo-me da primeira vez em que ela furtou-me um sorriso, e eu, bobo como era, não notei a perda. Recordo-me mais ainda da primeira vez em que ela forçou-me o choro. "Chore, homem. És fraco ou poeta?". Os dois, sussurrei. E chorei. Como chorei tantas outras vezes, por ser fraco, pela perda do poeta. Quando ela bateu a porta para nunca mais, eu permaneci sentado, atravessando séculos. Quando fui capaz de notar que ela havia tornado-se apenas memória, corri, incapaz de ir contra o tempo. Levei-me a desistência. A memória dela ainda é o aconchego de estar entre lençóis. Durmo só, pois nenhuma companhia sacia o que a dela deixou-me. Tu és extremamente calculada. Ela fora um terremoto a escapar de previsões. Tu és a calma. Ela fora a tempestade. Tu és abraço. Ela fora meus braços, meus fios de cabelo a arrepiarem-se. Poderia, nessa idade, viver apenas de memórias. Mas viveria apenas com a dela e com um espaço vazio. Tu aindas não tornou-se memória. Pergunto-me se um dia chegarás a tornar-se. Não prevejo abandono algum, minha cara. Não compreenda minhas palavras ao vento como punhais no ar. Respiras tão somente porque respirar és a ti indolor. Pois saiba que a mim dói. E essa mesma dor que trouxe teu corpo ao meu encaixe, e encaixou-nos com alguns remendos. Se um dia tu, por acaso, bateres aquela porta para nunca mais, juro que guardarei-te na lembrança. Junto aos souvenirs que carreguei do passado e exibo nas estantes. Tu serás feito a lembrança de um verão em uma praia quente, de uma viagem para outro continente. Tu serás uma forma sossegada do passado.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Maré.

Ela era minha tontura. Minha perda de consciência escolhida a dedo pelo coração. Era, e como sabia ser bem! Chamava não só a atenção, mas todos os seres fantasiosos de contos infantis. Reinventava a beleza de forma conturbada e metida. Seu nariz arrebitado era nada mais do que sua clareza em saber-se tão acima de tudo outrora já visto. A pequinez de seu corpo era coisa muita comparada ao nascer do sol. Nasceu para causar um eclipse. Nenhum homem nunca pensou em inventar um antídoto para ela. E quando vi, estava eu, enfermo de tanto respirá-la. Era uma poça d'água em meus pulmões. E meu peito chiava só de vê-la vendo-me. Capaz de fazer qualquer deusa descer do salto, fazia-me descer até seus pés. Meus olhos caminhando por suas pernas, lisas e gélidas, faziam um passeio em pleno nevoeiro. E queimavam. E eu queimava. E ela ria. E eu gozava. Meu gozo saía em forma de riso, do mais puro desconcerto de excitar-se tanto com nada. O nada dela que era tudo. E nesse tudo eu nadava. E ela era meu mar, e nele eu afogava-me. Trouxessem-me a bóia que fosse, carregassem-me nos braços. As ondas vinham e puxavam-me. De mim eu não escapava. Muito menos dela. Perdia os movimentos das pernas, dos braços. Meu amor, quando em meu corpo, era inerte. Sempre soube que, de todas as mortes, se fosse-me dado o direito de escolha, escolheria morrer afogado. Ou morreria dormindo. Sempre desconfiei da sorte. E foi quando esta surpreendeu-me. Estava lá eu, vivendo o mais belo dos sonhos. Enquanto contraía músculos dos mais variados, para manter-me no fundo. Afogado, apaixonado e sonhando, consequentemente dormindo. Hora da morte: com ela inexistia o tempo.

Prazeres.

Assistirei desde o desconsolo de tuas pálpebras até a queda de tua primeira lágrima. Estarei de pé a elogiar tua dor. Comprarei-te flores assim que torná-la forma manjada de arte. Quero poder acompanhar-te desde o primeiro passo que tenha dado. Voltarei no tempo para assistí-lo. Imaginarei-o enquanto vejo-te cortar as batatas. Quero amansar-te o coração e amaciar teu travesseiro. Quero querer-te como quis um dia sentir a dor de um parto. Preciso que diga-me qual das cores é a tua favorita, preciso dizer-te qual melhor combina com teu tom de pele. Quero identificar cada uma de tuas marcas, e quero que, comigo, você tenha uma de nascença. Quero ver em tua pele a concepção de nós. Preciso que dê-me o direito de assistir-te fazendo um pão, colocando a mesa, quebrando um copo. Preciso que os cacos cortem-te. Quero olhar tua ferida. Quero imaginá-la e imaginar-te doída. Quero cobrí-la de sal. E quero, acima de tudo, que você sorria.

Metrô.

As luzes das lâmpadas pareciam movimentar-se mais que o trem. Submerso estava eu. No meu silêncio, na minha quietude revogada. Meu destino era qualquer um, e eu ia e vinha como se não saísse do lugar. De fato, não era eu quem saía. Nem muito menos era o trem. Nem muito menos eram as luzes. As pessoas que saíam, dos lugares que sequer eram delas. Saíam, como se soubessem seus destinos. Como luzes com a certeza de serem refratadas. Imóvel era eu, não os trilhos. Eu precisava daqueles ires e vires para virar-me para mim. Independente da velocidade do trem, dos passos, veloz era o tempo. E fazia tempo que não dava-me o tempo. Ele havia atropelado-me. Via em meu rosto as cicatrizes, eram rugas, eram linhas, eram desorganizadas. O tempo tratou-me com repúdio, mas fui eu quem tornou-o inexistente. Sentado e sozinho, sozinho e acompanhado. Sempre estive sentado junto ao tempo. E o tempo sempre esteve comigo e desacompanhado. Na falta de Deus, fiz uma prece ao tempo. Fiz com pressa o meu tempo. Tempo todo meu. Nas minhas idas e vindas, ele ia e ficava. Ia e continuava. O tempo prolongava-se nas linhas do meu rosto, e descia até meus pés. O tempo deixou-me torto, assimétrico, enfraquecido. O tempo deixou-me qualquer coisa, mas nunca deixou-me só. O tempo chegou e vai comigo. Nas minhas idas e vindas, até que numa dessas idas, eu deixe-o só, para contar aos outros, o tempo que foi meu e ficará para eles.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Investimentos.

Não hesitei em quebrar meu cofrinho para comprar uma boneca. Hesitei muito menos na hora de comprar uma casa à beira-mar. Acrescentei cores e varandas. Comprei quadros e objetos de utilidade nula. Presenteei-me com três carros antigos. Nunca sequer aprendi a dirigir. Cansei da brisa e do cheiro de mar. Comprei uma casa no campo. Acrescentei três andares e um labirinto no jardim. Quando o gramado tornou-se cinzento e mórbido, mudei-me para as montanhas. Acrescentei mais dois metros de altura, para um gostinho de céu. Como era frio e amargo! Banhei meus cães a ouro, comprei 700m² no céu. Mas nada nunca custou-me tão caro quanto seu amor.

Jô.

Maria era feito um buquê de flores brotando em meio a neve. Tinha tanta força, tanto movimento. Maria era um mar cor de fogo, cujas ondas quebravam em meus olhos. A felicidade de sua visita - sempre tão inesperada e desprentenciosa -, deixava-me bobo. Maria pegava fogo e era eu quem queimava. Queimava-me os olhos que, miúdos, tentavam vê-la além do horizonte. Ela fazia-me ver além, e então eu via. Via sol nascendo quando chegava a noite, e via Maria abrindo os desfiles de carnaval fora de época. Maria era roda-viva. E então sentávamos para vê-la rodar.

Quintas.

Deixei Lisboa ontem à noite. A cidade, sua arquitetura, as pessoas, tudo, exatamente tudo me prendia lá. Queria minha liberdade, e precisava dela. Vendei-me e parti. Sem sequer olhar para os lados. Sem sequer me despedir. São 18:18 segundo o horário de minha cidade. Como quero ver Brasília! Como quero ver doer meus olhos com aquele céu. Espero encontrar-te logo. Um abraço apertado.

Cá.

Tinha nome de ator de filme americano, tirava-me o fôlego só de vê-lo passando de mão em mão. Queimava repousado nas bocas, e seu gosto escorregava tranquilo até os pulmões. Era branco feito a paz pós-vida que eu imaginava, e filtrava mais que a metade das impurezas que continha. Era seco por dentro, feito mata queimada. Acalmava tanto que fazia-me inveja. Tirava-me o sono e o apetite. Tinha uma presença esnobe, quase sempre mal-vista ou proibida. Muitos abandonavam-no depois de algum tempo, como se nada de bom houvesse dado. Desmereciam sua - tão cobiçada - companhia para um café. Carlton era um rapaz de poucos amigos.

Faltando Um Pedaço.

Passei toda a minha vida a idealizá-la. Passei toda minha vida, a esperá-la. Vida veio, vida vem, vida vai-e-vem. O mundo, feito um bambolê, escapava-me pela cintura. Passei todos os amores, a esperar pelo próximo. Passei todos os amores, esperando amar. Amores vinham, amores vêm, amores de Zé-Ninguém. Chegava a idade, e a hora de dormir. Passava todos os dias, esperando pelas noites. Passava todas as noites, sonhando com os dias. Dias vinham, noites também. E o mundo, diferente de um peão, girava sem que eu desse corda. Cheguei à infância aos meus quase cem anos. Brincava com o mundo seguindo minhas próprias regras. Passei todo o tempo a esperá-lo, mas o mundo já estava aqui antes de mim. Cheguei a ele passando por um canal escuro. Era o caminho direto do céu ou de alguma perdição.

Gabriela.

Em uma dose extravagante e estupidamente gelada, Gabriela levava-me à loucura. Levava-me para passear pela praia durante a madrugada, e a acreditar que os eixos eram mar. Na dosagem exata, Gabriela levava-me para ver as estrelas. Quando abusava de seu sabor adocicado, Gabriela fazia-me adormecer por lá. Abandoná-la dava-me fome. E a fome dava-me nojo. Gabriela era prefácio do enjôo. Mas sua companhia havia sido a melhor até então. Gabriela tinha o cheiro da noite, e era durante as noites que por ela saía a procurar. Ah! Gabriela...de todas as mulheres, nenhuma fora como ela. Pura poesia era aquela, minha Gabriela Cravo e Canela.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Liber.

Amor liberto,
num jardim sem flores os corpos repousam.
De almas entrelaçadas,
e dedos despreocupados.
Os olhos encaixam-se,
e tronco com tronco fazem florescer.
O que há de grandioso é a pequinez do que fazem.
Amor-liberdade,
olhares encaixados,
fitando desencaixes.
Amor inteiro,
sem precisar de metades.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Pó(ema).

As sílabas cortam a garganta enquanto encaminham-se até o papel.
Na folha há tinta e há sangue.
Rimas são pregos presos na pele.
Cada traço é uma carne em vida.
Toda poesia é um pouco de masoquismo.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Blá.

Falta-lhe um pouco de coragem para admitir-se, abrir as portas do armário e deixar que caíam todos os esqueletos. Não há música por detrás de seus olhos negros, nem força em seus braços longos. É quem justamente nunca poderia ser. Gasta todo seu fôlego reclamando da respiração alheia, mas a falha está na sua que, cortada, solta alguns gemidos. É de sair pela noite à procura de um endereço para suas mãos, e não de repousá-las em um lugar fixo. Não sabe dançar, tampouco sabe batucar seu tambor. É um falso artista. Não vê além, vê alguém. Alguém que deveria ter sido, mas ao nascer, não foi. Encondeu-se tanto que sequer pode encontrar-se. Ao apresentar-se, repete o nome datilografado em sua identidade. Mas ele quem é? Tristeza.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Tua carta.

Quando reli tuas palavras, tão mal fixadas num velho papel cor-de-nada, uma dor veio-me ao peito. O passado abriu o portão, bateu na porta, e o som ecoou pelas paredes. Teu riso gargalhou em meus ouvidos, e a cor de teus cabelos atravessou as cortinas. Em tuas palavras, eu era sempre tão grande, como um herói de guerra. Mas relendo-as, diminuí de tamanho. A distância com a qual via-me - através de todos os carros, prédios e concretos -, possibilitava que segurrasse-me na ponta de teus dedos. Como será que escreveria-me agora, agora que tuas palavras desgrudavam-se da tinta que evaporava da folha? Como será que contaria-me tuas notícias, que sem dúvidas, já chegariam envelhecidas? Como será que falaria-me de meus olhos, se mal podes ver minha silhueta com nitidez? Tu fostes, por tempo pouco, meu espelho adulterado, cujo reflexo era de meu agrado. Quando perdi-te de vista, e perdi também no tempo, perdi-me um pouco. Como será que falaria-me das minhas tormentas, se os obstáculos entre nós impedem-nas de chegarem a ti? Como falo de saudade se ainda és tão presente? Passo nova tinta em tuas palavras, e escrevo outras mais: "Querido amigo, esquecemos de mim".

Poeta.

O café tinha gosto de liberdade, e cada trago era o desprender de um nó. O tempo passava ligeiro, quase despercebido. Não havia um bom motivo para fazê-lo acordar, portanto não punha-se a dormir. Sentava-se na velha cadeira de balanço e pescava alguns sonhos de cabeça caída. Os sonhos eram pesadelos e cada pesadelo um fruto maduro da realidade. A efemeridade dos balanços mostravam o quão fraco acabará tornando-se. As pernas não obedeciam a cabeça, que teimava na hora de mandar. A idade ia aumentando de acordo com os segundos, e o peso de seu corpo - tão volumoso e distraído -, tornava-se mais um empecilho. De todos os caminhos que foram-lhe oferecidos, nenhum tivera sido tão certo quanto o que levaria-o à morte. Os que levariam-no. Mortes, até então, haviam sido várias. Morreu o moleque, o rapaz, o homem, o otimista, o romântico. Por diversas vezes, viu-se ser coberto de terra e ser comido por vermes. Mas nenhuma morte era tão incontestavelmente difícil quanto a do poeta, que no balanço, permanecia forte na fraqueza do luar e das pernas. O corpo queria enterrar-se, e o poeta queria ficar. Poeta sem corpo era poema do vento. Mas de janelas fechadas, o vento não poderia entrar, nem tampouco sair.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Besteira.

Meu primeiro verso cantava.
O segundo, saltitava.
O terceiro, tropeçou e caiu.
O quarto percebeu uma ferida.
O quinto cutucou-a.
O sexto deixou que caísse uma lágrima.
Era um poema de amor.

Balanço.

Os planetas se atraem, feito numa velha canção de amor.
Os corpos se distraem, feito um desencontro no escuro.