quinta-feira, 21 de julho de 2011

Não é Amor.

Não é amor. É uma espécie de prisão. Mas eu fui vivendo com a precisão de quem não precisa de nada. Que espera mesmo é que tudo se foda. Tanto faz, meu bem, tanto faz. As janelas do carro todas abertas, 60km/h a mais do limite da via. Caetano me dizendo o que queria querer sem ter fim. Através do céu nublado, dias de sol. Para, sem que percebesse, ter o horizonte limitado por uma janela gradeada 15x30 centímetros. Não é amor. É 500 reais a menos, por mês, para pagar as consultas com o psiquiatra. Mais 300 reais de mensagens que nunca seriam enviadas pelo seu polegar, mas que acabaram deslizando através do álcool. É uma falência. Inclusive, a geral, de órgãos. Claro, é negociável. Com um bom diálogo, é possível libertar-se deixando o cachorro, mas levando umas mudas de roupas - logo depois de terem sido atiradas pela janela do apartamento, diretamente ao asfalto. Estando sob condicional, com janelas mais favorecidas e banheiros mais asseados, ainda assim, sentir-se aprisionado. Apesar da distância, as correntes que partem do tornozelo até aquele sorriso que deveria estar esquecido, mas...mas para Quinta-Feira ficou resolvido que iria com os amigos conhecer aquele novo bar. Mesmo sendo as mesmas bebidas. E pior, as mesmas pessoas. E todo mundo sabe. Mas já está tudo esquecido, deleitei-me em um corpo diferente, com um gosto diferente, a saliva escorrendo, doeu um pouco. Deletei-a. Mas tá tudo bem. Não está? De repente é Quinta-Feira, e a corrente chega se embola, pela distância, subitamente, se tornar tão menor. E para aumentar o incômodo, parece que sobe direto até o pescoço e se enrola até não ter como ser mais sufocante. A acidez de tentar esquecer. O estômago sobe até a garganta, o cigarro vira oxigênio, a gastrite se torna úlcera, o porre se torna coma. Dois carros em alta velocidade e no dia seguinte é Sexta e ninguém lembra de nada. Porque nos fins de semana o que deve ser feito é esquecer, caso não se tenha conseguido antes. Conquistado, digo. A própria liberdade, retirá-la das mãos de quem um dia você quis tão bem. E por uma série de acidentes e momentos e discussões, só quer bem longe. Ao se ver tomado por raiva. Uma raiva tão grande que poderia explodir de um lado e acabar com o mundo todo. As faces da terra. É bem possível que passem milhares de pessoa por dia ao lado de cada um de nós. Mas só uma face fica ali pregada entre a retina e o coração. Lá vem a sabedoria chinesa dizer que são muitos amores em uma vida. Mas ninguém sabe explicar o porquê de ser sempre aquela pessoa, a primeira a aparecer na cabeça quando pensamos que iremos morrer no dia seguinte.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Encaixe.

Num dia a gente acorda e não está mais lá. Tudo sumiu. Escapou pelas pontas amassadas do lençol. A gente acorda e não reconhece aquela coisa que antes era tão viva e inigualável. Um balão que dá cor e voa e voa e de repente murcha, diminui, some. Um dia a gente acorda e vai dormir pensando que seria melhor ter permanecido na cama. As noites parecem ter o poder de cura. Ao mesmo tempo que também são guardiãs de insuportáveis agonias. É só dormir que a dor de cabeça sara, que o mal estar passa. É só dormir e acordar para um dia novo. E, quem sabe, um mundo novo. Olhar para o lado e notar que tudo passa. Tudo passará. De forma simples. Sem avisos. Indolor. Foi assim que te arranquei, que você escapou, que saiu correndo sem que ninguém visse. Na mudança da data de um calendário. Foi como fechar os olhos na intenção de diminuir uma tontura. Como passam as horas, como chegam os problemas, como gira o mundo e ninguém vê. Sem precedências. Um dia amanhecemos, mas não estávamos mais lá. Eu te apalpei o corpo e beijei a testa, por uma questão de poucas horas e sonhos, já não estávamos mais lá. Assim segue a tragédia. Que se dá até este momento em que resolvo redigí-la na mundana intenção de entendê-la. De digerí-la, para melhor dizer. Meu estômago nunca foi dos melhores, mas as ânsias se tornam cada vez mais frequentes. Repulsa. Negação. Acontece quando saímos do conforto de nossos umbigos e entendemos de quantas camadas é feita a pele. Ninguém tem a intenção de se perder, suponho. Ao menos, eu não tinha. Se perder no sentido de se distanciar tanto do que se é, ao ponto de se esconder no que são os outros. No que eles deixam de ser. Ninguém é tão sozinho da forma como você é sozinho. E você saiu batendo a porta, errando os degraus, acelerando o carro. A sola da sua sandália era vermelha, eu me lembro. E a lembrança daquela cor fazendo tanto estardalhaço por nada, ficou marcada na memória. Sim, é claro que eu perceberia - e percebi - que tanto barulho nunca seria causado por tão pouco. A procura por respostas é imensamente maior quando se sabe que não as terá. Quando não se sabe nem que perguntas devem ser feitas. Eu não pude olhar em seus olhos para te dizer que eu nunca saberia dizer, que eu não saberia explicar como tudo que estava justamente nos mantendo ali de repente foi embora. Não deixou um bilhete na geladeira, nem nos beijou em despedida. Se foi. E eu só pude te olhar nos olhos para ver se, por acaso, estava escondido lá dentro. Que você vá embora. Depois de engolir seco, eu te disse. Disse depois de você ter me perguntado o que eu queria que você fizesse. Depois de ter perguntado mais e mais vezes. Sem obter resposta. Nunca achei que desconfiaria tanto de uma voz. Sua voz nunca haveria de ser tão irritante. Eu poderia te explodir. Se não fosse seu jeito de manter sempre o mesmo tom de voz. De alisar meu braço mesmo que eu te arranhasse as costas. Talvez, se você tivesse sido mais severa, eu não teria me acomodado tanto. Mas não há culpa. Apesar de, vez ou outra, nos atracarmos ao ponto de não medirmos força, estávamos para o que desse e viesse. Só eu sei como rabisquei trajetos e planejei roteiros. Como ensaiei para sempre emitir as melhores frases. Como me crucifiquei por tanto mentir - mesmo depois de fazermos as pazes. Eu fui dormir ao seu lado, como fazíamos todo o dia. Eu te abraça por trás, e suas pernas encaixavam bem nas dobras da minha. Logo mais, você roubava os cobertores e saía rolando para o outro hemisfério do colchão. Eu te beijei a nuca e puxei, com os lábios, alguns fios de cabelo. Você se irritou, mas logo se virou e me deu um daqueles beijos fáceis de esquecer. No outro dia, acordamos. E não éramos o que tinha se acomodado por lá. Nunca me esqueci daquele beijo. Não foi o último de todos. Mas o último a não ser roubado. Por outras noites, ainda, dormimos daquela forma, como se ainda existisse um perfeito encaixe. Como se sonhássemos naquela esperança de sermos, novamente, encontrados.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Dia Seis.

O último pensamento antes de cair no sono. Aquele que, às vezes, a gente nem se lembra quando acorda na manhã seguinte. Um flash. Um pensamento-relâmpago. Uma daquelas coisas que te ocorrem do nada e, só depois de muito tempo, você se pergunta de onde é que veio. Um último desejo, um pedido para o dia seguinte. Uma memória doce das últimas vinte quatro horas. Um sorriso que sai sem querer. É assim que eu quero que você seja. No espaço de tempo que o para sempre queira nos dar, eu quero me lembrar de você com a satisfação de uma criança que sabe que possui todos os brinquedos dos quais precisa. A liberdade de quem desabotoa o primeiro botão para desafrouxar a calça e se esticar na cadeira. O gosto de Sábados que apesar de parecerem Domingos, não te obrigam a dormir cedo. Falo de felicidades corriqueiras, molduras que não precisam de grandes detalhes ou ornamentos para arrumarem espaço na parede. Ouvi tanto falar de cavalarias e topos de torres, que esperei por paixões transbordando de agonia e calor, apressadas e insaciáveis. Uma ligação embriagada depois das duas horas da matina me pedindo pela amor de Deus só um olhar através de meu corpo nú para aquietar uma alma que vive aprisonada. Amor, pra mim, tinha que ter o mesmo exagero da arte. Ou até mais. Amor gentil. Está aí um termo que me é novo. Até mesmo amor. A-m-o-r, com quatro letras, mas sem qualquer imensidão. Amor, uma daquelas coisas que se dá para receber em troca. Ou não. Enfim. As palavras talvez saíssem mais intensas se eu dissesse que estava por aí, andando distraído, destroçado, quando, despretenciosamente, te encontrei. E você salvou minha vida. Então, meu Deus, obrigada. Amor quando é amor dispensa os exageros. Pois eu ia muito bem, tomava uma xícara de café a cada duas horas, fumava como se não houvesse amanhã - depois explicarei melhor as fobias -, me arrastava, trocava os dias pelas noites. Se era felicidade? Meu bem, eu não sei. Acho que existem graus. Mas mesmo que existam, nada disso importa. O que eu experimento agora é uma espécie de nirvana alcançável entre os intervalos dos choques de uma cadeira elétrica. Você entende? Você me soca o estômago e minutos, melhor, segundos depois, é responsável pelos passáros viajando por meus ouvidos. Um desnivelado equilíbrio entre minha loucura e a sanidade. Sinto vontade de te chutar até a alma, ao mesmo tempo que quero te esconder do mundo - experimente ter algo tão dito seu num mundo onde se perde tudo, inclusive a vida. Se eu soubesse como te dizer, provavelmente haveria dito antes. Como é reconfortante saber que, acima de tudo, haverá sempre o silêncio. Eu te busco quando quebram as ondas - e olha que por aqui não há sequer mar. Quando mergulho sozinho no meio do oceano - mantenha em segredo a forma como nunca aprendi a nadar apesar de suas pacientes tentativas. Quando eu prendo a respiração por tempo suficiente até desmaiar. Eu te encontro quando me lembro da calma. Quando me sinto só e você aparece para me resgatar. Existem jeitos de ser só sem estar sozinho. Eu vou escrevendo como se houvessem motivos. E mesmo sem encontrá-los, eu não consigo parar. Cansei de pensar em coisas para te falar. Quando se ama, não é preciso dizer nada. Mas na bobagem de ser humano, eu ainda digo. Se eu tivesse que escolher, eu te escolheria mais mil vezes. E se estas vezes acabassem, eu te escolheria outras mil. E daí em diante. Na pressa de encontrar alguém, eu encontrei coisas muito maiores do que isso. O sol já se pôs. Há muitas horas, na verdade. Cheguei correndo em casa na vontade de querer colocar para fora. Colocar para fora o quê? Aquilo que eu quero cada vez mais vivo, cada vez mais dentro. Você ri e acha tudo muito engraçado. Minhas pernas, minhas risadas. Você ri e acha tanta coisa da primeira vez que eu tenho certeza. Eu tinha medo de pensar no futuro. Agora eu tenho pânico. Mas não tenho como evitar. Não faço questão de muitos quartos, nem serei chato com a cor das paredes, só quero que a cama seja a mesma. E sem querer ser exigente, mas será se podemos providenciar um para sempre? Bem fresquinho...


Obrigada por me fazer mais feliz do que a própria felicidade.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Saints Who Don't Wanna Be Found.

Talvez por causa do tempo frio seus lábios tenham ficado fixados à minha mente como duas semi-luas completamente roxas. Talvez seus lábios fossem realmente sempre assim. Não fiquei para esperar uma súbita mudança na temperatura. Acredito que a beleza dos amores está na pressa. Mesmo os inocentes, quero dizer, até eles sabem o que há por detrás da eternidade. Por detrás daquela bela paisagem enquadrada. Do cheiro de camomila. Não há nada. Podemos sim chamar de sonho. Um lapso do inconsciente. Um desejo oculto. Foda-se. Precisamos acreditar, mas sem a certeza do toque: inventamos. Não vou dizer que foi a coisa mais triste da minha vida, nem dramatizar dizendo que me sentirei vazio para sempre. Não arrancou nenhum pedaço. Meu coração não deixou de bombear por nenhum instante. Só me foi reforçada a única verdade irrevogável da vida: estamos todos irreparavelmente sós. Portanto, não há motivos para chorar. Mas alguma coisa monstruosa se alonga pelos quatro cantos do estômago subindo e subindo até apertar os olhos - antes, o coração. O abandono tem o mesmo gosto da bili. E do fel. Às vezes, mais duro do que ser o abandonado, só sendo o último a olhar para trás. Meu punho endureceu, meus dedos se contraíram, e não deixei sequer a brisa de um aceno. Das lembranças, a mais forte foi uma que não chegou a acontecer. Uma imagem sua que eu criei para nunca me esquecer. Uma cortina de voal branca, indo e voltando com o vento, contornando seu corpo nu, debruçado sobre a cama. Sua pele refletindo o sol. O cheiro de mar balançando com a cortina, e fazendo vibrar a ponta do lençol. Seu rosto não aparece nesta lembrança. Está virado contra mim, repousando sobre um travesseiro, também branco. Acho que foi uma forma que arranjei para nunca descobrir a verdadeira cor de seus lábios. O que importa é que, apesar de tantos outros rompimentos - de sonhos e relações -, você está entre os únicos que realmente foram capazes de esticar ou arrebentar alguma coisa. Alguma fibra, mesmo que mínima. Sem você - e outros mais raros ainda -, eu nunca perceberia que é realmente impossível tatear o futuro. A razão nunca me impediu de sonhar, mas ela sempre esteve segurando meus pés. Por três ou quatro auroras, eu quase me deixei acreditar em eternidade. E dizem que as coisas crescem como os seres - de acordo com o tempo. Mas acho que tem coisas que já nascem crescidas. Como o que nasceu em mim por você. Não precisei regar, nem dar de comer, ou levar para tomar sol. Já nasceu pesado demais para segurar entre os braços. Eu abandonei numa cesta, no meio de alguma rua, numa noite fria e, provavelmente chuvosa, como se estivesse deixando uma moeda de cinco centavos cair no chão, e ficar por lá. Vai ver dá sorte para alguém, eu devo ter pensado. Não, eu nem olhei para trás. Quer dizer, olhei, mas tanto tempo já havia passado que nem sua marca ficou no chão. Mesmo os barulhos sendo outros, e novos, eu nunca fui cínico ao ponto de acreditar que nunca teria fim. Eu continuei enxergando. Eu mesmo fechei a porta - quando achei que devia - e boom! não há mais amor aqui. Não deveria haver. Deveria, apenas, restar a silhueta de um carinho, o cheiro de bolo saído do forno, sei lá como chamam...saudade? Falta? Ausência? A lembrança de uma existência tão viril, tão visceral, mas tão terna. Aquele doce que você deseja que sobre um pedaço para mais tarde, mas que, não pouco depois, já não suporta mais seus vestígios lhe secando a garganta? Amar deveria tão estimulante como o açúcar. E, por isso, também tão enjoativo. Traria nosso tempo de volta dizer que você deu mais voltas que o próprio mundo? Não. Nada te traria de volta, nem muito menos traria o tempo. Eu posso me deitar em posição fetal por longos meses, pernoitar por anos, suar frio e gemer sem que ninguém me ouça. Ainda assim, não existem maneiras de regressar ao passado. Nem maneiras de refazer. Mesmo que eu, voltando lá atrás, mantivesse esta consciência que tenho agora - a de que mesmo sabendo do fim nada me dá o direito de trazê-lo à tona. Apesar de que muitos baldes me teriam sido úteis, abrir mão de você não foi o que já me aconteceu de mais triste. E eu sei que mesmo tudo, agora, ainda parecendo insosso, logo eu me curarei de suas reviravoltas. O único vazio que carrego, é o mesmo que me trouxe até aqui, que caminhou comigo até então, que seguirá, firme. Mesmo sem querer a gente se pergunta - ao menos na frequência de todo dia - o quê é que estamos fazendo com nossas vidas. Porra, e alguém lá sabe o que é viver? Só queria te dizer que ainda sinto saudades. Logo, logo, passará. Não me lembrarei com tanta frequência e terei dificuldade ao desenhar todas as suas linhas. E, antes que eu me esqueça, qual é a verdadeira cor dos seus lábios?

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Luv.

Inconfundivelmente tristes, assim que eu definiria os primeiros dias de Outono. Quando as folhas começavam a cair, e os rostos, já pálidos, pareciam cada vez mais mortos. Embora o céu, frequentemente, ficasse aberto, o ar que circulava dava-me a sensação de dias nublados. Percorri vivendo esta melancolia, tão rotineira quanto as estações, por anos e mais anos. Não posso contá-los porque não me lembro o exato ano em que me dei conta da real textura das coisas. Foi um pouco depois de eu ter endurecido. Sim, eu endureci. É um caminho inevitável - e irreversível - para algums homens. Digamos que, geralmente, para os bons - os outros já nascem praticamente mumificados. Parece que é preciso endurecer para prosperar. Ter a pele coberta de peles e cascos para ser, finalmente, levado a sério. Nunca tive preferência por nenhuma estação. Na verdade, eu preferia que o tempo fosse sempre o mesmo. Que um ano fosse uma mistura heterôgenea, todos os dias sempre iguais, desde que, toda noite, entrasse um brisa fria pela abertura da janela. Mas realmente me incomodavam os Outonos. Aqueles filmes embasados em amores sem pé nem cabeça e as roupas cor-de-terra. Outono, pra mim, é um nome carinhoso a ser dado aos dias sem vida. Ando muito desacreditado, com uma dor de cabeça filha da puta, e a vontade de chutar este balde que suporta o mundo. Certo de que meus dentes amarelaram do tanto de tempo que permanecem guardados. Sorrisos empoeirados. Mas sequer me incomodo em desgrudar meus finos lábios - na maioria das vezes há uma crosta tão seca que, ao desgrudá-los, sangram - para, com eles, abraçar o filtro de um cigarro. Com a dureza da própria vida, eu preferi, depois de um tempo, reservar as melhores coisas para mim. Cansei dos amuletos, as mandingas, a procura por bençãos que só acentuam meu ceticismo, e a poeira de santos. A vida mesmo deve ser uma instituição falida - depois da Igreja, do casamento, da sinceridade. Eu mal consigo me lembrar da última vez que olhei para algo que fosse inquestionavelmente verdadeiro. Como a expressão de um rosto ao se deparar com outro. Ela sempre me dizia para pensar mais positivamente. Quando, na verdade, eu estava sendo apenas realista. Ela, também, sempre me dizia para diminuir no café, poupar o dinheiro que gastaria com cigarros, procurar tratamento para a insônia. São muitos incômodos os dizeres quando nos desgarramos dos monólogos. Entende? Isto de estar sempre só, de viver só, de trocar opiniões com você e você mesmo. Quando você parece ter largado de vez da solidão, parece que você realmente se entregou a ela. A solidão - e também o abandono - nos leva a acreditar que qualquer faísca fará fogo. Ou seja, por mais que você repita que está tudo bem, qualquer um parecerá sua chance de entrar no paraíso. Você finge que não procura, mas acha que vê amor em cada olhar que recebe. Sabe quando você tem um balde cheio de fichas e aposta todas em uma máquina só? É mais ou menos assim. Foi mais ou menos assim. E só depois de um tempo e todos os porres, eu fui capaz de perceber. Não que ela não fosse digna de me tirar tudo, afinal, ela só queria cuidar de mim. E eu seria o maior dos idiotas se negasse cuidados. Eu precisava deles, ela precisava de mim. Não quero jogar a culpa em ninguém, também não quero dividí-la, aliás, por quê falar de culpa? Acho que é só a ordem natural das coisas. A eternidade encontra seu fim logo ali. Mesmo sem saber a profundidade, nós mergulhamos sabendo que, hora ou outra, nossos pés encontrarão o chão. Não quero soar demasiadamente melancólico, nem fazer parecer que alguma coisa foi especial. O roteiro é sempre o mesmo. Infelizmente, é tudo sempre igual. E depois que toda a dramaticidade acontece, todos os êxtases e os pensamentos suicidas, todos os beijos e os tapas, tudo se encontra na mesma rua sem saída. Depois de tudo, insistimos até não termos mais forças, compramos um gato, enchemos o armário de bebidas, aprendemos uma nova língua, mas a verdade é que "there's no way to forget love". Aquela coisa de amar fica impregnada no paletó, no cós da calça, nos grisalhos fios de cabelo, nas paredes - mesmo mudando de cores ou casas. O repertório é sempre o mesmo, mas não nos cansamos de repetí-lo. É engraçado. A literatura tem que ter a mesma intenção da música: a de fazer todos os músculos se movimentarem involuntariamente. E instantaneamente. Mas enquanto escrevo, me acalmo. Como se encontrasse a paz depois de tanto alvoroço. Lembrar de certas pessoas acaba comigo - ter de esquecê-las também. E ainda mais. Mas rememorar faz parte de todo um ritual de emancipação. A vida vai seguindo em ciclos. Mesmo assim, agimos como se sempre ficássemos surpresos. A gente se sente muito mais humano quando ainda acredita em eternidade, né?