sexta-feira, 1 de julho de 2011

Luv.

Inconfundivelmente tristes, assim que eu definiria os primeiros dias de Outono. Quando as folhas começavam a cair, e os rostos, já pálidos, pareciam cada vez mais mortos. Embora o céu, frequentemente, ficasse aberto, o ar que circulava dava-me a sensação de dias nublados. Percorri vivendo esta melancolia, tão rotineira quanto as estações, por anos e mais anos. Não posso contá-los porque não me lembro o exato ano em que me dei conta da real textura das coisas. Foi um pouco depois de eu ter endurecido. Sim, eu endureci. É um caminho inevitável - e irreversível - para algums homens. Digamos que, geralmente, para os bons - os outros já nascem praticamente mumificados. Parece que é preciso endurecer para prosperar. Ter a pele coberta de peles e cascos para ser, finalmente, levado a sério. Nunca tive preferência por nenhuma estação. Na verdade, eu preferia que o tempo fosse sempre o mesmo. Que um ano fosse uma mistura heterôgenea, todos os dias sempre iguais, desde que, toda noite, entrasse um brisa fria pela abertura da janela. Mas realmente me incomodavam os Outonos. Aqueles filmes embasados em amores sem pé nem cabeça e as roupas cor-de-terra. Outono, pra mim, é um nome carinhoso a ser dado aos dias sem vida. Ando muito desacreditado, com uma dor de cabeça filha da puta, e a vontade de chutar este balde que suporta o mundo. Certo de que meus dentes amarelaram do tanto de tempo que permanecem guardados. Sorrisos empoeirados. Mas sequer me incomodo em desgrudar meus finos lábios - na maioria das vezes há uma crosta tão seca que, ao desgrudá-los, sangram - para, com eles, abraçar o filtro de um cigarro. Com a dureza da própria vida, eu preferi, depois de um tempo, reservar as melhores coisas para mim. Cansei dos amuletos, as mandingas, a procura por bençãos que só acentuam meu ceticismo, e a poeira de santos. A vida mesmo deve ser uma instituição falida - depois da Igreja, do casamento, da sinceridade. Eu mal consigo me lembrar da última vez que olhei para algo que fosse inquestionavelmente verdadeiro. Como a expressão de um rosto ao se deparar com outro. Ela sempre me dizia para pensar mais positivamente. Quando, na verdade, eu estava sendo apenas realista. Ela, também, sempre me dizia para diminuir no café, poupar o dinheiro que gastaria com cigarros, procurar tratamento para a insônia. São muitos incômodos os dizeres quando nos desgarramos dos monólogos. Entende? Isto de estar sempre só, de viver só, de trocar opiniões com você e você mesmo. Quando você parece ter largado de vez da solidão, parece que você realmente se entregou a ela. A solidão - e também o abandono - nos leva a acreditar que qualquer faísca fará fogo. Ou seja, por mais que você repita que está tudo bem, qualquer um parecerá sua chance de entrar no paraíso. Você finge que não procura, mas acha que vê amor em cada olhar que recebe. Sabe quando você tem um balde cheio de fichas e aposta todas em uma máquina só? É mais ou menos assim. Foi mais ou menos assim. E só depois de um tempo e todos os porres, eu fui capaz de perceber. Não que ela não fosse digna de me tirar tudo, afinal, ela só queria cuidar de mim. E eu seria o maior dos idiotas se negasse cuidados. Eu precisava deles, ela precisava de mim. Não quero jogar a culpa em ninguém, também não quero dividí-la, aliás, por quê falar de culpa? Acho que é só a ordem natural das coisas. A eternidade encontra seu fim logo ali. Mesmo sem saber a profundidade, nós mergulhamos sabendo que, hora ou outra, nossos pés encontrarão o chão. Não quero soar demasiadamente melancólico, nem fazer parecer que alguma coisa foi especial. O roteiro é sempre o mesmo. Infelizmente, é tudo sempre igual. E depois que toda a dramaticidade acontece, todos os êxtases e os pensamentos suicidas, todos os beijos e os tapas, tudo se encontra na mesma rua sem saída. Depois de tudo, insistimos até não termos mais forças, compramos um gato, enchemos o armário de bebidas, aprendemos uma nova língua, mas a verdade é que "there's no way to forget love". Aquela coisa de amar fica impregnada no paletó, no cós da calça, nos grisalhos fios de cabelo, nas paredes - mesmo mudando de cores ou casas. O repertório é sempre o mesmo, mas não nos cansamos de repetí-lo. É engraçado. A literatura tem que ter a mesma intenção da música: a de fazer todos os músculos se movimentarem involuntariamente. E instantaneamente. Mas enquanto escrevo, me acalmo. Como se encontrasse a paz depois de tanto alvoroço. Lembrar de certas pessoas acaba comigo - ter de esquecê-las também. E ainda mais. Mas rememorar faz parte de todo um ritual de emancipação. A vida vai seguindo em ciclos. Mesmo assim, agimos como se sempre ficássemos surpresos. A gente se sente muito mais humano quando ainda acredita em eternidade, né?

7 comentários:

Anônimo disse...

Você é linda. O que escreve é lindo. Cadê você na minha vida?

Julianna Motter disse...

Poxa! Muito obrigada! De coração!

Natália Valle disse...

Pra você não esquecer do quanto eu te amo...

Giselle Alencar disse...

"... por mais que você repita que está tudo bem, qualquer um parecerá sua chance de entrar no paraíso. Você finge que não procura, mas acha que vê amor em cada olhar que recebe..."
Caramba, é exatamente isso!!!Esse joguinho chamado vida cansa!È um ciclo vicioso, onde até o cansaço é parte da repetição!

Amei o post!! =)

Anônimo disse...

Texto FODA! só isso,

Anônimo disse...

Texto FODA! só isso,

Anônimo disse...

"Você finge que não procura, mas acha que vê amor em cada olhar que recebe..." e o desespero que me deu ao ler esse texto?