quarta-feira, 13 de julho de 2011

Encaixe.

Num dia a gente acorda e não está mais lá. Tudo sumiu. Escapou pelas pontas amassadas do lençol. A gente acorda e não reconhece aquela coisa que antes era tão viva e inigualável. Um balão que dá cor e voa e voa e de repente murcha, diminui, some. Um dia a gente acorda e vai dormir pensando que seria melhor ter permanecido na cama. As noites parecem ter o poder de cura. Ao mesmo tempo que também são guardiãs de insuportáveis agonias. É só dormir que a dor de cabeça sara, que o mal estar passa. É só dormir e acordar para um dia novo. E, quem sabe, um mundo novo. Olhar para o lado e notar que tudo passa. Tudo passará. De forma simples. Sem avisos. Indolor. Foi assim que te arranquei, que você escapou, que saiu correndo sem que ninguém visse. Na mudança da data de um calendário. Foi como fechar os olhos na intenção de diminuir uma tontura. Como passam as horas, como chegam os problemas, como gira o mundo e ninguém vê. Sem precedências. Um dia amanhecemos, mas não estávamos mais lá. Eu te apalpei o corpo e beijei a testa, por uma questão de poucas horas e sonhos, já não estávamos mais lá. Assim segue a tragédia. Que se dá até este momento em que resolvo redigí-la na mundana intenção de entendê-la. De digerí-la, para melhor dizer. Meu estômago nunca foi dos melhores, mas as ânsias se tornam cada vez mais frequentes. Repulsa. Negação. Acontece quando saímos do conforto de nossos umbigos e entendemos de quantas camadas é feita a pele. Ninguém tem a intenção de se perder, suponho. Ao menos, eu não tinha. Se perder no sentido de se distanciar tanto do que se é, ao ponto de se esconder no que são os outros. No que eles deixam de ser. Ninguém é tão sozinho da forma como você é sozinho. E você saiu batendo a porta, errando os degraus, acelerando o carro. A sola da sua sandália era vermelha, eu me lembro. E a lembrança daquela cor fazendo tanto estardalhaço por nada, ficou marcada na memória. Sim, é claro que eu perceberia - e percebi - que tanto barulho nunca seria causado por tão pouco. A procura por respostas é imensamente maior quando se sabe que não as terá. Quando não se sabe nem que perguntas devem ser feitas. Eu não pude olhar em seus olhos para te dizer que eu nunca saberia dizer, que eu não saberia explicar como tudo que estava justamente nos mantendo ali de repente foi embora. Não deixou um bilhete na geladeira, nem nos beijou em despedida. Se foi. E eu só pude te olhar nos olhos para ver se, por acaso, estava escondido lá dentro. Que você vá embora. Depois de engolir seco, eu te disse. Disse depois de você ter me perguntado o que eu queria que você fizesse. Depois de ter perguntado mais e mais vezes. Sem obter resposta. Nunca achei que desconfiaria tanto de uma voz. Sua voz nunca haveria de ser tão irritante. Eu poderia te explodir. Se não fosse seu jeito de manter sempre o mesmo tom de voz. De alisar meu braço mesmo que eu te arranhasse as costas. Talvez, se você tivesse sido mais severa, eu não teria me acomodado tanto. Mas não há culpa. Apesar de, vez ou outra, nos atracarmos ao ponto de não medirmos força, estávamos para o que desse e viesse. Só eu sei como rabisquei trajetos e planejei roteiros. Como ensaiei para sempre emitir as melhores frases. Como me crucifiquei por tanto mentir - mesmo depois de fazermos as pazes. Eu fui dormir ao seu lado, como fazíamos todo o dia. Eu te abraça por trás, e suas pernas encaixavam bem nas dobras da minha. Logo mais, você roubava os cobertores e saía rolando para o outro hemisfério do colchão. Eu te beijei a nuca e puxei, com os lábios, alguns fios de cabelo. Você se irritou, mas logo se virou e me deu um daqueles beijos fáceis de esquecer. No outro dia, acordamos. E não éramos o que tinha se acomodado por lá. Nunca me esqueci daquele beijo. Não foi o último de todos. Mas o último a não ser roubado. Por outras noites, ainda, dormimos daquela forma, como se ainda existisse um perfeito encaixe. Como se sonhássemos naquela esperança de sermos, novamente, encontrados.

3 comentários:

Giselle Alencar disse...

Post lindo!!
"...Só eu sei como rabisquei trajetos e planejei roteiros..."

Um brasileiro disse...

oi. tudo blz? estive por aqui. muito interessante. apareça por la. abraços.

Ana disse...

Sabe quando a gente pega pra escrever e só imagina uma cena, mesmo que inexistente, mesmo que por pura metáfora, pra encaixar em possíveis imaginações a fim de que façamos o outro entender nossa intenção? Essa sua cena não foi uma dessas, e eu um dia vivi algo exatamente assim. Acho que econtrei meu(minha) o(a) narrador(a).