sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O começo do fim das coisas.

Um dia tudo foi pó. Um dia tudo foi nada. Um dia o dia foi mais do que "um". Um dia alguma coisa algo foi. E dias depois, já não era mais. E foi embora.
Eu tenho essa obsessão pela transformação das coisas. Pelos processos radicais e instantâneos, mais do que pelos graduais. Começou quando, pequena, descobri que a borboleta era, antes, uma simples lagarta. Quando meu pai veio me dizer que as coisas haviam mudado e ele já não amava minha mãe. Quando mamãe parou de cozinhar e assobiar pelas manhãs afora, e começou a acordar mais tarde, pedir para que alguém ficasse comigo durante à noite.
"A essência fica: as pessoas nunca mudam". Será? Se não mudam, será que evoluem? Ou regridem? Pensando bem, talvez haja sim uma essência, "o que permanece sempre o mesmo", como uma forma de olhar para trás e dizer que valeu à pena. Ou olhar para trás e ter vontade de voltar no tempo. De qualquer forma, tudo se transforma. Tudo se encaixa e, sem que se espere, se solta.
Somos pontas de iceberg flutuando neste oceano-mundo.
Nenhuma palavra acompanha mais um homem durante a vida do que "mudança". Dá arrepios na coluna, mas também traz esperança. Mudança em nós e no mundo.
Imagine, imagine só se o mundo se adaptasse a tudo que se move do lado de dentro. Se ele se encaixasse para dar um abraço em dias de dor. Ou de confusão.
As coisas que quero contar, não têm ordem cronológica. Ou ordem alguma. As palavras vêm em forma de um desabafo, daqueles que só fazemos debaixo do chuveiro.
A primeira mulher que foi capaz de me amar, foi uma das únicas que eu nunca consegui enxergar como mulher. Tinha mais o aspecto santo. De um ser especial. Capaz de estender as mãos para um afago ou um tapa. De me colocar confortavelmente entre os braços quando mais me precisava longe. De perdoar e compreender o meu choro, mesmo que eu sofresse e não fosse por ela.
Sobre uma outra mulher, da qual necessito falar, relembrar dos fatos, e recordar o cheiro, não há nada de glorioso. Absolutamente nada de transcendental. Houve somente uma força, que surgiu sei lá porque, vinda de sei lá onde, para fazer sempre com que eu me arrastasse à sombra dela.
Ela eu amei como se não houvesse amanhã. Com medo do dia seguinte. De que ela se cansasse e fizesse as malas. Vivia a me dizer que não, se enrolar toda pela cama, e repetir que nunca quereria nada mais do que tínhamos.
"Não preciso de nada além disso".
O que era isso? Ela saía e eu ficava sem fome, sem forças, sem vontade de me mexer, rabugento no escritório escuro contando os segundos até cair sobre à escrivaninha um sono incômodo e derrubar a garrafa térmica de café a cada possibilidade de que o barulho no corredor fosse um passo dela.
As sombras encobrem as particularidades das coisas.
E as coisas, como eu já disse - sem precisar dizer -, se transformam. Enquanto com ela, me esqueci um pouco de como mudanças muito me fascinavam.
Quando ela decidiu que isso não era mais o suficiente, e pegou um avião para bem longe, eu comecei a repudiar a capacidade de transformação das coisas.
Eu passei a repudiar praticamente tudo.
Foi uma daquelas mudanças explosivas. Súbitas. Ao menos, pareceu aos meus olhos atentos.
Não tenho mais nada a falar. Nenhuma lição que possa servir para alguém.
Eu mesmo não sei quando foi que se deu o começo do fim das coisas.
Eu só sei que uma hora, todas elas mudam. E, mais importante, todas terminam.