quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Saudade é um Quarto.

A parte mais triste em perder alguém é que no dia seguinte tudo continua se movimentando, mas você não consegue sair do lugar. 
A parte mais triste em perder alguém é que já é suficientemente difícil quando você precisa encontrar a si mesmo. 
A parte mais triste em perder alguém é que se não existir mesmo eternidade, continuarão existindo períodos longos de tempo. 
Tão longos que os olhos não conseguem enxergar a extensão deles. 
A parte mais triste em perder é que a gente ainda acredita que está aqui para ganhar. 
Estamos todos fadados ao excesso. 
Muitas lágrimas, muito mau humor, muitas fitinhas do Bonfim, muito sal, muitos "amigos", muitos desejos, preces, muito medo, e pedidos. 
Estamos destinados a overdoses, crises de choro, pânico, depressão, socos, pauladas, pontapés.
Nascemos e já choramos de medo.
Morremos de medo de morrer.
A vida toda é um ciclo de parto e morte.
Um dia eu acordei e parecia noite. 
Um dia eu mal acordei e já quis que anoitecesse. 
Outro dia eu nem quis acordar. 
Em outro, tomei o número de pílulas necessárias para sequer vê-lo nascer.
O mais triste é que existe a tristeza. 
Ela, aliás, existiu sem que inventassem. 
Permeou mesmo sem ter como.
Sem um terreno propício. 
Enraizou-se. 
Deu nó.
A parte mais triste é que viver talvez seja a própria tragédia. 
Principalmente se existir algo melhor lá em cima. 
Se a palavra "melhor" realmente existir. 
Eu não sei. 
Talvez seja que nem "eternidade", ou uma garrafa de vinho. 
Coisas que nos fazem abrir a boca na tentativa de calar a dor. 
A parte mais triste em perder alguém é que ninguém vai segurar seu coração enquanto você tranca o carro. 
Abre a porta.
Ou vai ao banheiro.
Não há ninguém para dividir contigo.
A tristeza é indivisível.
Em alguns casos, irreparável.
Em outros, ninguém sequer repara...


"A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu..."

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um Quarto Para Estela.

Aqui acabaram os guardanapos. Usei todos, um por um. Na intenção de conter o que escorria de mim. Na verdade, usei todas as folhas que possuía. Sem me prender a suas finalidades. Tentei amenizar o estrago. Sujei toalhas, lençóis, panos de prato. Não me restou uma peça de roupa limpa. Nem espaço no varal. Continuei a ensopar os dois quartos do apartamento por uma semana, dois meses, três, quase cinco. Minha agonia continuou a se derramar sem culpa. Recebi seus elogios. Agradeço. Mas não consigo mais escrever. Isto já não pertence mais a mim. Não encontro um lugar comum entre o que penso, o que sinto, e o que me valerá de algo no futuro. Todo espaço em branco que encontro, preencho com alguma frase que o deixa vazio. Sigo sendo um fantasma sem que ninguém perceba. Uma alma penada vagando entre as pessoas, talentosamente fingindo ser uma delas. O que quero te dizer? Um bom tempo se passou desde que ouvi de você pela última vez. Um bom tempo passou. E só ele. As outras coisas permaneceram as mesmas. A mesma máquina de café que, toda vez quando ligada, ameaça explodir. Os mesmos travesseiros murchos na cama. O mesmo sofá. As mesmas amígdalas inflamadas. Nada passou, além do tempo. Passou por mim e através de si mesmo. Pelo menos, tenho tido mais oportunidades para pensar. Especialmente durante o banho. Nunca cheirei tão bem. Eu me permito pensar, e repassar, em tudo. Não me imponho limites. O que não quer, necessariamente, dizer que eu faça bom uso da minha liberdade. Eu não sei onde guardar coisas que são maiores que eu. Liberdade na sala. No banheiro. Entre a tela e o vidro da janela. Em uma estante. Onde cabe a liberdade? Não quero iniciar uma discussão. Não tenho quereres, afinal. Escrevo agora por ter encontrado um espaço em branco. Escrevo e o transformo em vazio. Não sei que dor me deu nas costas, mas precisei ficar de cama por longos dias. E é diretamente dela que te comunico: haviam guardanapos esquecidos debaixo do colchão. E eu aqui a procura de espaços. Encontrei quase quinze desses. E a descoberta me animou tanto que precisei te agradecer. Obrigada. Muito obrigada. Achava não que nada mais me cabia, mas que eu mesmo já não cabia ao mundo. Dizem que este é um dos quadros da depressão. Eu só posso dizer que adoraria ver a totalidade de suas obras. A depressão realmente pinta muito bem. Sabe trabalhar muito bem com a sombra. E se dedica de corpo e alma a seus quadros. Hoje, raramente, vejo artistas de verdade: tão entregues. Em compensação, vejo muita gente se querendo para a melancolia. As pessoas entendem o que realmente é sofrer? E que isso demanda muito? Sofrimento tem de ser visceral, atravessar as dermes, as tripas, a alma. Quanto do seu próprio peso cabe a alma? Quanto do meu peso responde por mim? Não sinto saudades. Não sei bem o que sinto. Talvez mais nada. Existe um período em que flutuamos, acho que o que chamam de "estado de choque". Não entendo o que querem dizer com isso. Mas também não me importo. Eu só sei que a cafeína tem me caído muito bem, e eu tenho ficado de pé.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Então Você Quer Ser Um Escritor?


Boa noite,

como foi de viagem?
Ontem eu assisti uma cena muito curiosa. Que teria feito você chorar. Digo, assim, desse jeito que você esteve. Desse jeito que, talvez, ainda esteja. Estava passeando com os cães, pelo mesmo caminho de sempre. Aquele que você não acha o melhor. Mas enfim, estávamos os três lá quando um gavião capturou um bem-te-vi. Mas não foi só isso. O grupo que estava com ele começou a perseguir o gavião. Acho que eram todos da mesma família. Ou amigos. De qualquer forma, tinham algum tipo mais forte de afeição. E eles se esforçaram tanto! Não adiantou nada...mas você entende a força dessa decisão? O gavião era bem maior, bem mais ágil, um predador perigosíssimo para eles. Mas estava sozinho. Enquanto o bem-te-vi, miúdo, inofensivo, estava munido de companheiros prontos para defendê-lo custe o que custasse. Isso tudo aconteceu perto do presépio na praça XI. Perto de um presépio! A cena ainda me conseguiu impressionar mais por ter sido na véspera do Natal...
Sei, como sempre você tenta se colocar à frente e já vai achar que estou falando bobagem. Já deve estar desviando o olhar e procurando algo mais para fazer. Eu sou seu bem-te-vi. Você é meu bem-te-vi. E por mais que as coisas sejam feias, agressivas, fortes, eu não posso não lutar contra elas. Eu não posso deixar que a tristeza te engula. Eu sou seu bem-te-vi! Eu tenho medo de te perder para as dores do mundo...
Entende, agora, minha vontade de tentar? Ou incapacidade de desistir?
Não é fácil. Tem quem viva vinte, trinta, quarenta, também tem quem já encontre aos oito. Ou direto na maternidade! Eu levei muito tempo, pareceu que não chegaria nunca. Mas eu te encontrei. Entende? Eu me forcei a enfrentar esses anos todos, esse tempo todo, às vezes quase a ponto de desistir, sem perspectivas ou garantias. Eu não parei!

Dezoito e trinta de uma terça-feira chuvosa. Em um pós-feriado. A cidade toda às moscas. Quem diabos sai se enfiando debaixo do guarda-chuva de um desconhecido? Só podia ser você. Havia de ser.
Não, não jogue isso contra mim. Não estou dizendo que demorou demais e que daí precisei me contentar contigo, por não aguentar mais esperar. Eu não aceitaria que fosse nenhuma outra, ainda mais sabendo da sua existência. Eu sei quantas vezes me disse que isso de destino é balela, construção midiática para nos controlar. Respeito, não vou insistir mais. Embora não possa acreditar nesse seu ceticismo todo. Para mim, é só pose. É só você, outra vez, lutando para não se entregar. Como uma criança morrendo de sono que não quer perder o que está passando na televisão.
A esperança é o que dá sensação de movimento às coisas. 
Eu acredito. Acredito não que tudo passe. Muitas coisas, na vida, ficam travadas entre a garganta e o coração. Acredito que tudo se modifica, se desmaterializa e, então, se reconstitui. A sua dor parece te deixar surda. Não consigo imaginar. E sei, você não é capaz de qualificar, quem dirá quantificar, o que estoura do lado de dentro. Mas eu sei que as coisas não precisam escurecer. Há sombra, há sim, e muita. Mas para isso, antes de tudo, o sol. O céu. As árvores. A relva. O som dos pássaros. Cheiro da chuva. Arranjo de flores sobre a mesa. Bolo saído do forno.
Você sabe, mais que ninguém, que nada na vida é banal. Nada deve passar despercebido. Devem ficar rastros de tudo. Com exagero, até saudade. 
O barulho das persianas em dia de chuva. A buzina dos carros. As crianças saindo da escola ao meio-dia. A dor. Tudo o que dói. Tudo o que se sente. Absolutamente tudo que existe, ou é imaginado, no mundo.
Não posso te salvar. Não tenho essa pretensão. 
Sentado em uma cadeira amarela de plástico, assistindo os carros passarem, pararem, buzinarem, percorrerem a avenida em direção ao centro. É véspera de Ano Novo, e o comércio fechará quando der oito horas. Preciso tomar coragem para voltar ao meu apartamento, um conjugado, a um quarteirão de distância de onde, agora, deixo esquentar um copo de cerveja. Não tenho, sabe, mais tanta certeza de quem aqui precisa de salvação. 
Minha lembrança te traz saudade? Quando você pensa no rumo que toda a coisa tomou...em algum momento você já pensou que poderia ter sido de outra forma? Você poderia ter ficado. Eu te oferecia compressas de água quente antes de dormir...
Sentei aqui na intenção de te enviar um beijo. Ou um poema. Foi quase isso. E quase nada, também.

Sou uma pessoa de quases.
De muito pouco, ou coisa nenhuma.
Preciso ir andando. Logo, logo, ficarei preso aqui. Morro de medo dos fogos.
O céu que você vê é o mesmo daqui. Ele explode de saudades.
Neste ano que vem, que já está aí: realize-se.




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