quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Então Você Quer Ser Um Escritor?


Boa noite,

como foi de viagem?
Ontem eu assisti uma cena muito curiosa. Que teria feito você chorar. Digo, assim, desse jeito que você esteve. Desse jeito que, talvez, ainda esteja. Estava passeando com os cães, pelo mesmo caminho de sempre. Aquele que você não acha o melhor. Mas enfim, estávamos os três lá quando um gavião capturou um bem-te-vi. Mas não foi só isso. O grupo que estava com ele começou a perseguir o gavião. Acho que eram todos da mesma família. Ou amigos. De qualquer forma, tinham algum tipo mais forte de afeição. E eles se esforçaram tanto! Não adiantou nada...mas você entende a força dessa decisão? O gavião era bem maior, bem mais ágil, um predador perigosíssimo para eles. Mas estava sozinho. Enquanto o bem-te-vi, miúdo, inofensivo, estava munido de companheiros prontos para defendê-lo custe o que custasse. Isso tudo aconteceu perto do presépio na praça XI. Perto de um presépio! A cena ainda me conseguiu impressionar mais por ter sido na véspera do Natal...
Sei, como sempre você tenta se colocar à frente e já vai achar que estou falando bobagem. Já deve estar desviando o olhar e procurando algo mais para fazer. Eu sou seu bem-te-vi. Você é meu bem-te-vi. E por mais que as coisas sejam feias, agressivas, fortes, eu não posso não lutar contra elas. Eu não posso deixar que a tristeza te engula. Eu sou seu bem-te-vi! Eu tenho medo de te perder para as dores do mundo...
Entende, agora, minha vontade de tentar? Ou incapacidade de desistir?
Não é fácil. Tem quem viva vinte, trinta, quarenta, também tem quem já encontre aos oito. Ou direto na maternidade! Eu levei muito tempo, pareceu que não chegaria nunca. Mas eu te encontrei. Entende? Eu me forcei a enfrentar esses anos todos, esse tempo todo, às vezes quase a ponto de desistir, sem perspectivas ou garantias. Eu não parei!

Dezoito e trinta de uma terça-feira chuvosa. Em um pós-feriado. A cidade toda às moscas. Quem diabos sai se enfiando debaixo do guarda-chuva de um desconhecido? Só podia ser você. Havia de ser.
Não, não jogue isso contra mim. Não estou dizendo que demorou demais e que daí precisei me contentar contigo, por não aguentar mais esperar. Eu não aceitaria que fosse nenhuma outra, ainda mais sabendo da sua existência. Eu sei quantas vezes me disse que isso de destino é balela, construção midiática para nos controlar. Respeito, não vou insistir mais. Embora não possa acreditar nesse seu ceticismo todo. Para mim, é só pose. É só você, outra vez, lutando para não se entregar. Como uma criança morrendo de sono que não quer perder o que está passando na televisão.
A esperança é o que dá sensação de movimento às coisas. 
Eu acredito. Acredito não que tudo passe. Muitas coisas, na vida, ficam travadas entre a garganta e o coração. Acredito que tudo se modifica, se desmaterializa e, então, se reconstitui. A sua dor parece te deixar surda. Não consigo imaginar. E sei, você não é capaz de qualificar, quem dirá quantificar, o que estoura do lado de dentro. Mas eu sei que as coisas não precisam escurecer. Há sombra, há sim, e muita. Mas para isso, antes de tudo, o sol. O céu. As árvores. A relva. O som dos pássaros. Cheiro da chuva. Arranjo de flores sobre a mesa. Bolo saído do forno.
Você sabe, mais que ninguém, que nada na vida é banal. Nada deve passar despercebido. Devem ficar rastros de tudo. Com exagero, até saudade. 
O barulho das persianas em dia de chuva. A buzina dos carros. As crianças saindo da escola ao meio-dia. A dor. Tudo o que dói. Tudo o que se sente. Absolutamente tudo que existe, ou é imaginado, no mundo.
Não posso te salvar. Não tenho essa pretensão. 
Sentado em uma cadeira amarela de plástico, assistindo os carros passarem, pararem, buzinarem, percorrerem a avenida em direção ao centro. É véspera de Ano Novo, e o comércio fechará quando der oito horas. Preciso tomar coragem para voltar ao meu apartamento, um conjugado, a um quarteirão de distância de onde, agora, deixo esquentar um copo de cerveja. Não tenho, sabe, mais tanta certeza de quem aqui precisa de salvação. 
Minha lembrança te traz saudade? Quando você pensa no rumo que toda a coisa tomou...em algum momento você já pensou que poderia ter sido de outra forma? Você poderia ter ficado. Eu te oferecia compressas de água quente antes de dormir...
Sentei aqui na intenção de te enviar um beijo. Ou um poema. Foi quase isso. E quase nada, também.

Sou uma pessoa de quases.
De muito pouco, ou coisa nenhuma.
Preciso ir andando. Logo, logo, ficarei preso aqui. Morro de medo dos fogos.
O céu que você vê é o mesmo daqui. Ele explode de saudades.
Neste ano que vem, que já está aí: realize-se.




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2 comentários:

Anônimo disse...

Que texto mais lindo! Há dias que venho dar uma espiada aqui no teu blog... Estou encantada! Tu escreve com alma. Parabéns!

María José H. disse...

Voce me surpreendeu! Jogo de palavras atrapante, desafiador e carregado de ternura.