segunda-feira, 18 de março de 2013

O contínuo inesperado

Na última quarta-feira, no caminho do escritório para a parada de ônibus, me vi quase hipnotizado por uma árvore. Nos dez anos que trabalho aqui, sempre andei pelos mesmos lugares. Nunca nem pensei em descobrir outra rota. De segunda à sexta, as mesmas sombras vindas dos edifícios, o velho da padaria, os ruídos do metrô.
Era quarta, e como na segunda e na sexta, eu me preparei para sair antes das dezessete horas. Desliguei o computador, abri a gaveta, juntei caneta, celular, carteira, um exemplar da revista Piauí, e me despedi. Esperei oito minutos pelo elevador, até decidir descer pela escada. Desci, animado, doze andares, mas perdi o fôlego nos últimos três.
Atravessei a recepção, rapidamente, até sair à rua. O sol, ainda forte demais, fez com que eu colocasse óculos escuros. Continuei caminhando, faltando cerca de quinze minutos para chegar o ônibus que descia até o centro sem parar na rodoviária.
Até então, nada fora do normal. Estava um calor sufocante. E o movimento na minha camisa dava coceira nas costas suadas. Mas era sempre assim, quando chegava fevereiro. Permanecia “insuportável”, como muitos diziam, até o fim de abrir. Insuportável, mas todos sobreviviam. Pelo menos a isso, sei que sim.
O alarme do meu celular tocou às dezoito horas. Por trinta e cinco minutos, sem perceber, eu fiquei encarando a árvore. E ela, assumidamente, encarando em resposta. Um estranhamento mútuo. Tanto eu quanto ela nos assustamos a notar nossa presença. Não tínhamos sequer suspeitas da existência um do outro.
Ela era dotada de vivacidade incomum, ainda sendo inanimada. Suas folhas transitavam desde o verde mais escuro, até um quase amarelo. Um arco-íris em tons de paz. Eu nunca fui muito de árvores. Nem de flores - o que é mais comum. Na verdade, nunca tive ligações muito fortes com a natureza como um todo. E nem tive interesse em tentar estabelecê-las.
Só sei que os galhos longos dela estavam ali. E que, de repente, eu me senti ali também. Como se eu pudesse, finalmente, dar fim a uma busca que nem sabia ter começado. Eu me fiz presente. E nem os ponteiros do relógio foram capazes de medir o tempo.
Ela não possuía flores, também não identifiquei se daria frutos. Era uma majestosa imagem, me olhando lá de cima. Cerca de vinte metros distantes de mim: era lá onde você se escondia.



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quinta-feira, 7 de março de 2013

"Sobre estar sozinho acompanhado"

Meu problema está, justamente, em ser razoável demais. Em ponderar demais o que digo. Me preocupar demais com o que os outros sentem. Estar tempo demais à disposição. Errei porque qualquer coisa, por melhor que seja, faz mal quando em excessol. Errei ao imaginar que existissem razões para tentar acertar em tudo. Meu problema, aliás, está em achar que o tempo dá conta de tudo. Quando ele, na verdade, mal dá conta da gente. Errei porque quando escutei pela primeira vez que "a gente vem para esse mundo sozinho, e vai embora do mesmo jeito", não me preocupei com o que acontecia no espaço entre uma coisa e outra. "A gente foi feito para acabar". A gente foi feito para ser só. A solidão? A solidão é outra coisa. A solidão não é um estado de espírito. Não é uma sensação com o qual você se deita em uma noite, e acorda sem no dia seguinte. Não fica um vazio ao seu lado na cama. A solidão não amassa seus lençóis, e nem beija seu rosto sonolento antes de partir. A solidão chega ao mundo do mesmo jeito que o coração: pulsando dentro do peito. Ninguém tem controle sobre ela. Mas existem inúmeras maneiras de torná-la mais leve. Se estamos sozinhos, é para sermos acompanhados. "Sobre estar sozinho acompanhado", é disso que estou falando. É isso que esperei por muito tempo. Tentando, razoavelmente, trilhar meu caminho ao lado de quem quis/quero bem. Mas as pessoas se ocupam demais com coisas que, definitivamente, não morreriam com elas. Coisas que sequer teriam mãos para dar em seus leitos de morte. Pessoas temem olhar para o lado. Como temem o desconhecido. Sussurram quando querem falar algo profundo, algo que se refira a escuridão do corpo, ou da alma. Mal sabem que é tudo, tudo, negro. Um blackout. Que para atravessar, só tateando. Sem enxergar as próprias mãos. É negro o amor. É negra a felicidade. É negro tudo, e sendo essa cor tão linda, só quem tem coragem de tocar, consegue realmente enxergar. Ver o que mais existe no mundo. Além dessas pessoas que se dizem escravas do tempo. Que culpam a tecnologia ou a modernidade. Essas pessoas que se tremem só de pensar em olhar para dentro. Delas ou de qualquer outro. Que se escondem atrás de uma mesa. Que só tem tempo de ligar para escutar o "tá tudo bem, e você?" e acham que isso é amor. Que pensam saber o que é dar atenção. Eu vim e vou sozinho. E até então, considerava razoável esperar por uma companhia neste meio tempo...





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Tipo Hollywood.

A intenção era passar despercebido. Foi como se me agachasse de madrugada para atravessar o corredor. Quase deslizando da cama, assim que nasce o sol, e saindo, indo embora, na ponta dos pés. Eu não quis que sim. Mas você soube, logo depois. É, eu estive lá. Ficou no ar, um peso: minha presença se fazendo ausente. Eu te assisti enxaguar o rosto logo pela manhã. Chutar a lixeira. Reorganizar uns papéis. Eu vi uma garrafa vazia encostada, prestes a cair, na parede. Eu senti saudade e, ao mesmo tempo, percebi que a mesa vinha sendo colocada para dois - a prova eram rastros de pão que não coincidiam. Eu percebi que eu mesmo não estava ali. Que o casaco pendurado atrás da porta não era meu. Que os cabelos claros fazendo volume sobre o ralo eram mais claros e, portanto, também não me pertenciam. Vi que trocou os quadros. Pintou as paredes, os armários, as unhas. Entendi, pelo menos, que o sentido das coisas está nos movimentos circulares que algumas outras coisas, da vida, fazem por nós. Os planetas, os relógios, as bailarinas, os discos de vinil, o liquidificador. Saudade das suas mãos arrepiando minhas costas. Os ruídos que emitia mastigando cenoura. Para onde é que as coisas que se perdem vão? Se não há tanto espaço no peito. Se já não há porque carregar na memória. Onde podem ser achados os perdidos da vida? Como podemos perder o que, um dia, nos fez encontrar? Eu não quero te ver abrindo a porta para outro. Nem vê-lo se deitar em seu colo. Não quero imaginar que os botões de seus vestidos ainda podem ser abertos. Não consigo aceitar qualquer coisa que chegue ao fim. Eu quis sair e ver o céu - que dizem, é infinito. Eu quis pular no mar - mas dizem que pode, uma hora, secar. Eu quis descer da forma que fosse mais rápida: eu quis pular destes exatos doze andares que te impedem de ter os pés no chão. Mas a morte é safada: pode ser um fim em si mesma. Se não tem continuidade, não quero nem saber. Subi toda aquela estrutura de metal. Fui me carregando por cada um dos degraus. Em um dia em que o frio era tão grande que sequer sentia meus pés. Aquele cenário bucólico. Que nós dois, anos atrás, fantasiaríamos depois de sair de uma sala de cinema. Ainda muito impressionados com o restante do mundo. Estávamos pisando mesmo ali, em uma outra cidade, em um país estrangeiro. Uma língua que, só com muita dificuldade, conseguia encostar nas nossas. Eu, finalmente, podendo subir uma escada de emergência "tipo Hollywood" - como você disse e seus olhos brilharam, quase saltaram, tendo dificuldade em acreditar. Todo o caminho que construímos para, depois, nos orgulharmos de nossas mãos calejadas. Mãos cheias de espinhos, de farpas. Mas agora, mãos cheias de pó. De muitas coisas muito próximas de quase nada. Saudade de poder dizer que senti. Fez-se ausência. Uma vez, e outra, logo em seguida. Repetindo-se ao longo dos dias. O ar pesado: não me esqueci do caminho de volta.


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