quinta-feira, 7 de março de 2013

Tipo Hollywood.

A intenção era passar despercebido. Foi como se me agachasse de madrugada para atravessar o corredor. Quase deslizando da cama, assim que nasce o sol, e saindo, indo embora, na ponta dos pés. Eu não quis que sim. Mas você soube, logo depois. É, eu estive lá. Ficou no ar, um peso: minha presença se fazendo ausente. Eu te assisti enxaguar o rosto logo pela manhã. Chutar a lixeira. Reorganizar uns papéis. Eu vi uma garrafa vazia encostada, prestes a cair, na parede. Eu senti saudade e, ao mesmo tempo, percebi que a mesa vinha sendo colocada para dois - a prova eram rastros de pão que não coincidiam. Eu percebi que eu mesmo não estava ali. Que o casaco pendurado atrás da porta não era meu. Que os cabelos claros fazendo volume sobre o ralo eram mais claros e, portanto, também não me pertenciam. Vi que trocou os quadros. Pintou as paredes, os armários, as unhas. Entendi, pelo menos, que o sentido das coisas está nos movimentos circulares que algumas outras coisas, da vida, fazem por nós. Os planetas, os relógios, as bailarinas, os discos de vinil, o liquidificador. Saudade das suas mãos arrepiando minhas costas. Os ruídos que emitia mastigando cenoura. Para onde é que as coisas que se perdem vão? Se não há tanto espaço no peito. Se já não há porque carregar na memória. Onde podem ser achados os perdidos da vida? Como podemos perder o que, um dia, nos fez encontrar? Eu não quero te ver abrindo a porta para outro. Nem vê-lo se deitar em seu colo. Não quero imaginar que os botões de seus vestidos ainda podem ser abertos. Não consigo aceitar qualquer coisa que chegue ao fim. Eu quis sair e ver o céu - que dizem, é infinito. Eu quis pular no mar - mas dizem que pode, uma hora, secar. Eu quis descer da forma que fosse mais rápida: eu quis pular destes exatos doze andares que te impedem de ter os pés no chão. Mas a morte é safada: pode ser um fim em si mesma. Se não tem continuidade, não quero nem saber. Subi toda aquela estrutura de metal. Fui me carregando por cada um dos degraus. Em um dia em que o frio era tão grande que sequer sentia meus pés. Aquele cenário bucólico. Que nós dois, anos atrás, fantasiaríamos depois de sair de uma sala de cinema. Ainda muito impressionados com o restante do mundo. Estávamos pisando mesmo ali, em uma outra cidade, em um país estrangeiro. Uma língua que, só com muita dificuldade, conseguia encostar nas nossas. Eu, finalmente, podendo subir uma escada de emergência "tipo Hollywood" - como você disse e seus olhos brilharam, quase saltaram, tendo dificuldade em acreditar. Todo o caminho que construímos para, depois, nos orgulharmos de nossas mãos calejadas. Mãos cheias de espinhos, de farpas. Mas agora, mãos cheias de pó. De muitas coisas muito próximas de quase nada. Saudade de poder dizer que senti. Fez-se ausência. Uma vez, e outra, logo em seguida. Repetindo-se ao longo dos dias. O ar pesado: não me esqueci do caminho de volta.


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