terça-feira, 24 de julho de 2012

Rabisco.

Das fitas aos laços. Aos nós. Aos eus. Vocês. Aos ninguém.
Do amor à ausência.
Do sentido que levam as coisas.
Das coisas que são levadas embora.
Eu, que amava Maria. Que me amava também. Mas que me amando de um lado, também amava João, de um outro. Que a amava em resposta, mas que preferia jogar bola. E que numa pelada de Domingo, quebrou o joelho esquerdo e teve que operar. E então ficou de cama por três, quatro, meses, e mais uns dois anos sem jogar. Mas que nisso conheceu a Ana. Que lhe acendia mil vezes mais estrelas que Maria. Que logo depois abortou do Lucas. Que ninguém sabe como surgiu na história. Mas que depois foi preso por tráfico de drogas e o mundo quase todo ficou sabendo que existia.
O que importa, enfim, é que houve muito amor. Amor sendo atirado por todos os lados. Rebatido ou acolhido entre os braços. E algumas mágoas, um monte de brigas. Centenas de promessas que permaneceram sendo só o que se espera: mudanças de planos.
Nisso da vida ser justamente aquilo do qual ninguém nunca sabe, as coisas tão certas logo se revelam em rumos completamente inesperados.
Nos conhecemos agora. Nos amamos logo depois. Amor à primeira vista não foi, mas teve sim algo de estranho. Uma coceirinha na barriga, risadas longas demais. Ficaríamos juntos para sempre. Mas, dez anos depois, estávamos nos deitando para dormir com pessoas que surgiram neste caminho, de repente. Pessoas alheias, que nunca sequer teríamos imaginado. O oposto do que éramos um para o outro. Mas pessoas que nos abraçaram, e nos ninaram, e que tomaram conta das juras e dos lugares.
Eu padeço de saudades quando percebo a gravidade da sua ausência.
Quando lembro das suas mãos, dos seus abraços, verbos, sonhos, olhos.
Minimamente morro quando me ocorrem lembranças de seus versos.
Ao perceber que você se foi, é que se dá a real partida. Dez anos depois, é quando eu, finalmente, a sinto, e me despedaço.
Ainda assim, amei outras. Mesmo assim, amo agora. Como se pela primeira vez. Amor infantil, em alguns momentos, nitidamente doentio. Juras de eternidade. Mas acredito que desta vez dê certo. Eu te imagino a pôr a mesa e vestir as crianças. Pergunto se não faria melhor do que ela faz por aqui. Não, não...
As coisas que devem ser, simplesmente são.


segunda-feira, 16 de julho de 2012

O Retornar Tardio.

Estive ausente, mas não faltou vontade. É que surgiram calos, e por vaidade resolvi poupar meus dedos das canetas, lápis, teclas, e todos os outros instrumentos do tipo. Por vaidade, também, prolonguei o "descanso" e deixei que sentisse minha falta. Que sentisse tanta, mas tanta, falta minha, que depois eu pudesse vir até aqui e dizer: segure as águas, voltei. E isto então fosse possível. Segure-as então. Sem choro, sem violência, sem rancor algum. É assim que precisa se realizar nosso reencontro. Muita calma. Pois é da ausência que nascem os sentimentos mais sinceros. É na falta que os sentimentos se tornam menos dependentes uns dos outros e, assim: mais claros.  Ao contrário do que pensam, a reclusão não me causou náuseas, e nem arrepios. Houve sim muita melancolia. Muitas noites de insônia, e algum descontrole. É que eu tenho sim esse espírito de poeta. Essa vontade de ser livre, de ser dispensado das explicações. Eu não trouxe muita coisa comigo. Só a vontade de fazer desta, uma carta única.
Boa tarde - é, normalmente, o horário em que os carteiros passam por aí, correto? Como vai? Melhorou das dores de cabeça? Enjoou de tanto comer doce? De tanto se sentir insatisfeita consigo mesma? Tomou coragem e procurou ajuda? Foi de algum uso? Diminuiu o número de cigarros? Sentiu falta de acabar escondida com meus maços? Melhor que tudo isso, sentiu minha falta?
Tem uma coisa que eu nunca te disse. Uma coisa que eu sempre soube, mas que meu egoísmo camuflou nas noites em que nos debulhávamos entre taças de vinho e fados. O problema não era você, nunca foi. Nem eu. Quem era eu? Além de um corpo certamente disponível para estar, sem dúvidas, completamente nu ao seu lado na cama? Eu era a certeza de que você nunca precisaria cair no sono sozinha, a menos que desejasse isso. Voltando, o que eu nunca te disse, é uma das coisas mais básicas para uma sobrevivência, pelo menos, justa. Você não precisava comprar Merlot, se preferia Pinot Noir, só porque eu não gostava de Merlot. Antes de tudo, você não precisava tomar vinho só porque eu não suportava cerveja. Você deveria ter me dito, de primeira, que tudo o que havia na geladeira era cerveja, e se eu não estivesse satisfeito com isso, que eu fosse buscar um vinho. E caso você mesma trouxesse um vinho, por espontânea vontade, e este não fosse da uva que prefiro, me fizesse bebê-lo assim mesmo, sem frescuras. E ainda me humilhasse o suficiente para que eu achasse este vinho o melhor do mundo. E, eventualmente, eu acharia. Porque o humano é o ser da adaptação. E você nunca deveria ter se deixado anular tanto só para me deixar satisfeito. Que eu aprendesse a me satisfazer só por estar vivo. Só por estar na presença de alguém que me queria satisfeito - mesmo que em meios práticos, não tenha conseguido. Que fique mais do que claro o conselho que te escondi por todos esses anos, só por idealizá-la meu amor e minha "súdita": ser prioridade na sua própria vida. Mas claro, nunca deixe de ajudar os outros. Contanto, obviamente, que ajudá-los não te atrapalhe consideravelmente.
Deve estar pensando que o tempo ocioso me proporcionou a leitura de auto-ajuda. Já antecipo que não toquei em nada disso. Cabeça vazia é oficina do coração. E por isso voa e alcança planos tão altos que, às vezes, perdemos totalmente a lucidez.
A culpa não foi sua. Eu precisei ir, e fui. Mas te acompanhei de longe. Eu te vi perder o rumo, mas correr atrás. Se tem algo que eu quero pedir, é para que não se destrua, ou descabele, por ninguém não. Dê sempre um jeito de encontrar a calma, ou alguma forma de paz.
Quem veio primeiro, o amor ou o medo?
Não custa fingir que tudo tem resposta, para reduzir a ansiedade que dá só em estar vivo.
Sendo amor, ou medo, sendo um primeiro, o outro segundo, ou os dois de uma vez, eles sempre encontram a saudade. Já viu isso? O amor dá saudade até mesmo na presença. O medo dá medo até da saudade - medo de que ela só se sinta na ausência.
Melhor diminuir logo as luzes e aceitar que já é noite. De alguma forma estas palavras chegarão a você, e de alguma forma você as receberá. Com susto ou felicidade. Com qualquer outra coisa que não me ocorra agora.
Só vim para dizer que nunca fui.
Só vim para mostrar que estive aqui.
Será se ainda se lembra?
Será se percebeu?
Que continue sendo belo.
Eterno.
Que tenha sido amor.
Que nunca tenha medo.
Que não perca esta pureza.
A pureza do amor prematuro - que nasce antes do tempo certo.
A pureza do amor prematuro - que nasce antes do tempo certo. E que, às vezes, sobrevive.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Roda Gigante.

Quantos conselhos podem nos dar? Quantas maneiras de seguir em frente? E quantas distrações para não olhar para trás? Nunca, em hipótese alguma, olhar para trás. Vai, segue, tome aqui seus sapatos, suas camisetas que estavam para lavar. O resto? Deixe ele ali. As coisas se reconstroem de dentro para fora. E assim se tornam firmes - até fraquejarem outra vez. Leve somente o necessário, se quiser eu te ajudo, te empresto o carro, carrego a mochila. Mas a dor é toda contigo. Você quem aguente. Posso te ajudar a virar uma garrafa, duas, ou quantas mais forem necessárias, para que passe. Até o dia seguinte. Algumas coisas custam a passar, mas passam. Demoram, mas parecem nem ter existido. O mundo é muito grande, e se precisar, eu corro ele todo contigo. Mas, esquece, não posso neste Domingo. Você vai ter que almoçar sozinho. E jantar também, aconteceu um imprevisto. Você vai ter que dormir e acordar sem mim, mas agora é só por uma semana, depois por três meses. É que recebi uma promoção na empresa. Você ainda pensa nela? Mas você não ligou, né? Aquela mulher não presta. Aquela mulher nunca prestou. Eu sabia! Eu sabia! Só fingia que tínhamos algumas coisas em comum. Eu queria te ver feliz. Mas ei, levanta esse ânimo. Mais tarde tem uma festa! E tem tanta mulher no mundo! De repente hoje você vai dormir com uma atriz de teatro! Dizem que elas são boas de cama! Ah, não me venha com esse papo de que não sabe mais paquerar! É claro que sabe! Você já quer ir embora? Mas eu trouxe a Gabriela para te conhecer, ela é amiga da Teresa, lembra dela? Já tem falei tanto...tem certeza que quer ir embora? Tá bom, então vamos, vou só me despedir. Ou, você pode ir na frente? Depois eu vou de táxi, é que elas insistiram muito. Tá bom, fica bem, amanhã eu te ligo. Eu sei que desapareci por meses a fio, mas é que eu e a Teresa nos demos tão bem que quando eu vi, eu não prestava atenção em mais nada além dela. Que saudades! Como você anda? Calma, depois você fala. Eu preciso te contar uma coisa: nós vamos nos casar! SIM! Vamos nos casar, daqui uma semana, em Lisboa! Eu esperava que você fosse...não, dinheiro não é um problema, estou aí pra isso, mas trate de fazer a barba, você está um trapo, e eu não posso admitir que vá assim à cerimônia. Como foi de viagem? Quero que você conheça a Teresa! Quero que você conheça uns amigos! Desculpe não ter te convidado para padrinho. Mas a Teresa achou que, pelo conflito de interesses, você não entrosaria bem com os amigos dela...um dia você vai encontrar alguém assim, você sabe, né? Eu acredito. Mesmo você tendo se permitido envelhecer tão precocemente. Mesmo tendo optado por uma vida mais calma, mas sem luxos. Mesmo tendo se tornado muito mais calado e misterioso. Um dia a mulher da sua vida vai aparecer. E eu vou estar esperando contigo no altar. Essa é sua esposa? Como assim você casou? Como assim você casou com uma mulher que nem essa? Ela é muito bonita para você! Digo, muito nova. Mas ela sabe dos seus problemas com álcool e de sua mania de depressão? E te ama mesmo assim? Nossa, nem parece que já me casei há oito anos...parecem oitenta. Mas as coisas estão bem. Digo, estão mais ou menos. Ela tem outro. E eu não sei o que fazer.