terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Amanhecer.

Meu amor,
apesar da distância, e do sumiço, e do rompimento, e de tudo isso que veio lentamente e foi embora na velocidade do som. Apesar de mim, de você, de nós, e dos outros, eu preciso que você escute a minha história. Não é preciso responder, nunca foi.


Entre dois dedos, um cigarro. Entre outros cinco dedos, uma lata de cerveja. Sobraram mais três, para apoiarem-se naquele espaço que separa o respeito das costas para a indecência do que vem abaixo. Fuma que nem uma puta velha, eu teria julgado, se não acompanhasse seu ritmo quase frenético. Me olha com seus olhos escuros, mal delineados por um lápis preto, protegido por seus cílios endurecidos e destacados. Sorri meio envergonhada, querendo soltar umas palavras há tanto presas. Me olha pedindo por respostas para as perguntas que não sabe fazer. Dá uma agonia sentir pelos olhos o fardo que carrega. E que tenta esconder, sem muito sucesso. Tem um quê de abandono e descrença. Que também, sem sucesso, tenta esconder. E de vez em quando se perde nos próprios pensamentos, e olha para o teto, e olha para a rua, e olha para chuva, e olha para o nada. Dá um trago, e me puxa para perto. Mais perto do que isso, só se eu entrasse na vida dela. E fizesse parte, e partilhasse disso tudo que ela carrega. E então me beija. E eu sinto um mistura de saliva, menta, tabaco, e tristeza. E me dá uma vontade tão grande de cuidar dela. De colocar para dormir e encostar meus lábios em sua testa. Porque não dá para fingir o tempo todo ser tão dura. Não dá para se esconder atrás de um escudo que só ela vê. Ninguém pode proteger alguém de tudo. Mas eu poderia não medir esforços. Porque seu coração pesa tanto, minha menina, eu posso sentir quando você me beija. Seu coração pesa tanto, e você poderia dividir isso comigo. E certas feridas, às vezes, ainda doem tanto, que é preciso de alguém em quem descontar. Me beija de novo, e larga o cigarro, e derruba cerveja. E se atrapalha, e se desconcerta. Ninguém está partido para sempre. Eu prometo. Dá uma aflição ficar tão perto dela, eu me sinto imóvel, incapaz de qualquer movimento bruto. Tão delicada, mesmo com as sobrancelhas arqueadas e o sorriso escondido. Não entende é de nada. E isso é medo de correr perigo acompanhado. Isso é descuido. É tão preocupante se perder por aí. Andar à deriva sozinho. Achando que já viu de tudo. Que vontade de abraçar forte. Mesmo que não goste de abraços. É que parece que vai se desmanchar a qualquer minuto. E sumir com o vento. É tão bela de se olhar. Acho que tudo que tenha tanta carga em si, é belo. Que vontade de prendê-la aqui comigo. Eu tenho tanto isso de cair pelos mais fracos, acho que é a semelhança entre as histórias. Eu lembro quando você fez o mesmo por mim. Trocou meu sorriso e minhas roupas. Tantas, tantas, tantas vezes me pôs para dormir. E me carimbou com um beijo. Eu tinha o mesmo rosto desfeito. A mesma nuvem em cima da cabeça. A mesma vontade de acabar com tudo - porque afinal não havia mais nada. Foi preciso que você me puxasse forte pela mão, e chegasse perto. Tão perto que entrou na minha vida. E fez parte daquilo tudo que me abaixava os ombros. Agridoces lembranças de um passado não tão distante. Eu encontrei, por aí - por aí mesmo, andando sem rumo - esta mulher que te descrevo. E então pensei que pudesse ser forte como você foi. Tão determinada a me fazer melhor e mais leve. Tão desligada daquilo que poderia despencar sobre você. Me escondendo por detrás dos seus braços finos e brancos. Pensei que pudesse. Eu posso, pior que é a verdade. E eu sinto vontade. Eu sinto uma vontade tão grande de cuidar dela como você cuidou de mim. Cuidar mesmo, entregar as pontas e deslocar o centro do mundo para ela. Mas, por um momento, enquanto ela me beijava e eu puxava as pernas dela para mim, me ocorreu que eu não quero. Eu não quero me apaixonar de novo. Eu não quero me apaixonar de novo não sendo por você. Agora vem a parte mais triste: talvez eu mesmo ainda precise de cuidados. Uma toalha quente sobre a testa e uma massagem nos pés caleijados. E um abraço preciso, no qual só dois, somente nós dois, caibam. Ela me olha com uma cara de mulher que não é de ninguém. De mulher que não precisa de ninguém. Mas é só uma menina. Uma menininha assustada com o barulho dos fogos de artifícios, e com medo dos monstros que possam sair do armário. Você se lembra? Eu era exatamente assim, um menininho. Você me fez crescer tanto, e depois eu te abandonei. Porque restaram em mim aqueles sonhos imaturos de mundo imenso e tanta gente. Não é que existe tanta gente por aí? Mas tanta gente desinteressante e desinteressada. Ela foi a primeira mulher - menina - para qual eu olhei - realmente olhei - depois de você. Foi como se eu olhasse para mim numa foto antiga. Até eu perceber que eu ainda era quase o mesmo. Precisei ir embora. Dela, daquilo. Estava cedo demais para mim. Eu ainda não saberia como cuidar de alguém.
Meu amor, um dia eu vou saber?

Um comentário:

Anônimo disse...

Espero que não.