segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Decreto.

O que devemos falar? Agora que estamos olhando um na cara do outro. Olho à olho, cara à cara, boca à boca. Eu te agradeço por tudo? Muito obrigada? Seja feliz? Pensarei em você com carinho? Eu quero te dar um tapa, e ver se você acorda. Porque seu semblante sonolento está me dando nos nervos. E eu quero que você pare de assoprar o café, e queime logo estes seus lábios pálidos, e sua língua afiada, cruel, insensível. Porque, neste momento, eu apenas te odeio. Simples assim. Só isso. Que vontade de te puxar pelos cabelos e te perguntar se você só se fez de cego ou realmente não me viu durante esse tempo todo. Tudo bem, pode acender seu cigarro. Mas, ao menos, me ofereça um. Sim, eu aceito. Agradeço por dividir seu maço comigo, ainda mais depois de termos dividido uma vida. Já pensou nisso? Foram tantos, e tantos, e tantos anos, que eu perdi as contas. Melhor, parei de contar. Eu prefiri fingir que não existia tempo. Nada de horas, nem meses, joguei no lixo os calendários. Porque o tempo é coisa inventada. E quando a gente ama, e se entrega, ele não existe mesmo. Não existia para mim, mas você precisava me lembrar dos seus compromissos, das horas extras no trabalho, dos diferentes perfumes nas golas de suas camisas. Você acha que só você conheceu o outro lado? É por isso que você respira esse ar superior? Pois o ar é o mesmo, meu querido. Também senti outros perfumes. Tão menos suados e enfumaçados que o seu. Tão desejosos, e tão pretenciosos. Mas eu nunca desejei nada mais do que um afago noturno. Porque depois de um tempo, nem de longe eu te avistava. Eu poderia ter te abandonado, você sabe. Muito antes, muito antes disso tudo. Muito antes de você ter me entregado as chaves, e pendurado a toalha. Mas eu sentia pena, porque você me olhava com aqueles olhinhos de cão perdido toda vez que sentia medo. É, eu sempre disse que olhar para fora assusta. E eu também te amava, não escondo. E me pergunto se um dia você vai encontrar outro amor desses por aí. Porque eu fiz de tudo. Mas você não viu, estava muito ocupado com suas aventuras. E passaram tantos dias, e eu não sei o porquê deste encontro. Mas eu precisava te ver de novo. E sentir o seu cheiro. Agora, tão mais podre. E essa barba mal feita? E esse roxo debaixo dos olhos? Eu precisava de uma oportunidade dessas, para sentir nojo, e fingir que você nunca existiu. Que ódio desses seus olhinhos, lá vem eles de novo. Eu deveria fazer o quê agora? Te pegar no colo? Não seja tão cínico. Por quê você não fala nada? Está mesmo com medo? Acho que você nunca me viu do lado de fora. Dá medo olhar para as sombras, tão desfiguradas. Fala alguma coisa, estou ficando com raiva. Não? Vamos continuar nisso? Porque é, sempre fomos um grande monólogo. Pode falar, eu juro que te escuto. Vai ver o problema for isso, eu nunca ter te escutado, e todo aquele papo de indiferença. Você me dá nojo, é tão pequeno.
- Quero voltar.
Não, vamos deixar assim: silêncio eterno. Porque, enfim, estamos mortos. Um para o outro.

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