terça-feira, 31 de maio de 2011

Pupilas.

Nos humanos - e em outros seres vivos -, foi comprovado que as pupilas dilatam quando colocadas em frente a um estímulo prazeroso. Primeiro, os seres humanos, desde pequenos, são levados a irem em frente e evoluírem em razão dos estímulos - os primeiros passos e sorrisos, a repetição de palavras. Segundo, entende-se - quer dizer, é entendido por esta vulgar pessoa que vos escreve - "prazeroso" como qualquer resposta positiva a um estímulo - cuidado: aproximando-se ou não do campo do prazer sexual. Então, supostamente, bastava que ela sorrisse - ou melhor, bastava que aparecesse - para que minhas pupilas se dilatassem. As duas, instantaneamente, como se dissessem: você está, finalmente, aqui, agora posso abrir os olhos e me importar com o mundo. Digo "supostamente" pois, por hora, prefiro me manter distante das palavras que redijo aqui. As respostas aos estímulos - reações, por assim dizer -, na maioria dos casos, têm o mesmo peso que os estímulos em si. Por exemplo: a palavra que mais foi repetida por mim durante o período de aprendizagem foi "merda", que, na época, era a mesma palavra mais usada pelos meus pais. E, também, era a coisa mais feita por eles: merda. E era em volta disto que eu via minha vida girar, pois tratava-se basicamente disso: um carro alegórico feito de merda - construí esta imagem em cima do conceito de Carnaval para deixar claro que, obviamente, havia uma fantasia em volta de toda a bosta. E não preciso sequer adicionar a parte de que todo Carnaval - aliás, toda festa - acaba. E mesmo toda a merda tendo desabado em cima de mim, prefiro não me prolongar com detalhes agora. Só precisei de um exemplo. Voltando, é claro que existem estímulos que geram respostas opostas a eles: mesmo cercado daquele ambiente insalubre - para não dizer mal-cheiroso, escroto, grotesco - eu cresci para me tornar um homem de férias de fim de ano em um resort na praia - praias privadas, é claro -, cinco carros empoeirando na garagem, e todas as cartas e todos os naipes na manga. Quanto ao estímulo do meio, então acho que respondi e me desvencilhei bem - e rápido, visto que, já aos 23 anos de idade, eu ouvia dizer que tinha o mundo aos meus pés -, e o que eu tinha, por mérito próprio, era extremamente limpo e invejável. Mas do que adiantava respirar um ar tão puro sem encontrar reais motivos pelos quais, repetidas vezes, inchar os pulmões? A felicidade - aquilo que eu chamava assim - me levou à exaustão. Os tantos estímulos e as tantas áreas de reação - o corpo, a alma, os sentimentos, os ambientes - desencadeiam uma série de variadas - e mutáveis - respostas. Que se sequenciam - e, às vezes, se atropelam ou se atraem - numa espiral. Vejam, comecei a escrever aqui sem grandes prentensões, e agora percebo que desvendei toda a estrutura que sustenta a vida. Suponho assim que, deve ter sido sentado na cozinha, lambendo os dedos - ou em qualquer outro momento particular - que Shakespeare percebeu que dois amantes mortos - em razão de serem "amantes" em seu significado real -, fariam um fiel retrato do amor verdadeiro. Ou que Einstein formulou a Teoria da Relatividade. Ou que Deus decidiu criar Adão e Eva. A verdade, é que eu cambaleei do quarto para o escritório, e me sentei aqui, e cacei umas folhas utilizáveis, e forcei a caneta até que saísse tinta, para que eu pudesse encontrar maneiras de contar uma história. Tem a ver com a dilatação das pupilas, a criação do universo, os estímulos, o momvimento dos pulmões, a sobressalência da merda, as respostas: a vida, no final das contas, tudo acaba na vida. Tendo passado os primeiros estímulos, bem depois dos primeiros sorrisos, passos, da repetição de palavras, do começo do Carnaval, do cheiro de merda, da válvula de escape, das tentativas falhas, do fim do Carnaval, da revolta, seguida da fuga, e depois a reviravolta, e então branco, clareza, bom cheiro, felicidade, água quente, oceanos, coquetéis, crise de meia idade: era Fevereiro, eu deveria estar, mais uma vez, na praia. Combinando cervejas com coquetéis excessivamente coloridos e tropicais, sentindo o sal, o mar, o sol, e a areia, abrirem meus poros. Mas era Fevereiro e, pela primeira vez, eu me questionava: do que adiantava respirar um ar tão puro sem encontrar reais motivos pelos quais, repetidas vezes, inchar os pulmões? E, também pela primeira vez, eu percebia que, aquilo que eu chamava de felicidade, havia me levado à exaustão. Pois, em algum trecho do caminho entre os amontoados de bosta e as mesmas mulheres bêbadas em cima dos mesmos lençóis impecáveis, eu confundi geometria proporção cautela cuidado exatidão com felicidade. Em menos de dois minutos eu percebi que nunca havia sido, realmente, ou por mais de um momento solto no tempo, feliz. Eu estava escorregando do controle da minha própria vida quando a visão foi, certamente, a mais inesperada. Se, até então, eu jurava que meu coração havia sido destruído junto a uns outros brinquedos quando eu estava beirando os nove anos, ali eu o percebi ainda comigo. Supersônico, na velocidade da luz, tanto faz, bateu. Da forma que bateria de novo, e de novo, todas as vezes que aquela imagem apontasse no alcance de meus olhos. Não vou citar nomes. Nem dizer que, mesmo com todas as sensações teatrais incontestáveis, eu acreditei desde o primeiro momento. Nem negar que permaneci cético pelo máximo de tempo que pude. Não vou dizer que foi amor à primeira vista. Até porque, só neste momento eu dei vida à minha imagem. E ainda dou mais, aliás, devolvo: aqueles longos cabelos de uma cor que nem Deus sabe, formando pequenas ondas que desciam por pouco mais abaixo dos ombros brilhantes de sardas, o par de olhos perfeitamente encaixados sobre...provavelmente, tudo mais belo por encanto do que por verdadeira beleza. Mas eu ainda prefiro acreditar. E quando, enfim, veio o amor, eu mal podia diferenciá-la dos deuses. O amor tem esse poder de enfeitar o pouco para, no final, só nos fazer feios. Foi vivendo por ela que eu descobri o que era a vida. Assim como foi tentando escrever sobre ela, que eu pude desvendar a estrutura desta vida que ela mesma me trouxe. Ou reafirmar o que ela tantas vezes repetiu. Que eu havia me tornado um louco. Eu entendo este julgamento dela, pois meu amor tomou formas ridículas, desleixadas e compulsivas. Mas quando minha genialidade fizer de mim louco, não se preocupem, eu vou ser o primeiro a lhes alertar - até então, podem continuar medíocres. Enlouqueci por acreditar no amor. Mas ele se transforma e é difícil reconhecê-lo. Mas não quero falar da escuridão. Clichê, mas se ela nunca tivesse me salvado, eu nunca teria a chance de ter me perdido - e deliciosamente - de novo. Depois do primeiro encontro, eu não pude deixá-lá escapar - ao menos não fui capaz até nos percebermos completamente lascivos um ao outro. E não foi preciso muito para mantê-la ao lado: nenhuma extravagância, nem excesso de perfume, nem elaboração de outra perfeita e compatível personalidade. Ela soube quem eu era desde o primeiro desvio de assunto, e nunca foi preciso disfarçar. Acho que amor é isso, esse entendimento mútuo. Ela foi a única pessoa a me fazer entender que o mundo não precisa ser só redondo. Que não há um mundo que seja só meu. Ela limpou a poeira do meu Universo. E bastava que ela sorrisse - ou melhor, bastava que aparecesse - para que minhas pupilas se dilatassem. As duas, instantaneamente, para dizer de forma que só ela escutasse: você está, finalmente, aqui, agora posso abrir os olhos e me importar com o mundo. Agora que, tudo aqui, faz um pouco de sentido, eu consigo rever, nitidamente, o primeiro ato. A raiz de toda emoção. O primeiro olhar, a primeira palavra, o primeiro toque, o primeiro beijo. Estiveram, desde o começo, claros os desejos. E com o amadurecimento - e a sequência dos atos -, também claros os sentimentos e, pior, os pensamentos. Quando o amor se torna absurdamente grande, é difícil diagnosticar e controlar qualquer tipo de psicose. De repente, de amantes - hoje em dia, melhor "amores" -, nos tornamos até videntes. Foi de tanto medo que eu te fiz ir embora. Era tanto medo de te perder, te ver saindo às escondidas, de te perder de vista na multidão, ou de ser abandonado por outro, que acabei por te sugerir tudo isto. Maior era o medo de que você descobrisse que ainda era pouco amar assim. Que o mundo era maior do que podíamos imaginar - fiz uso das suas lições. Eu nunca quis que você se assustasse. Mesmo tendo enlouquecido - para você -, no final parece que eu fiquei com o "são" do "salvo" - se houve entre nós esta separação tão regrada. Até as coisas mais lindas acabam. Aliás, principalmente as coisas mais lindas acabam. A beleza tem o dom de sufocar as coisas. Era tão linda a espontânea como nos pertencíamos um ao outro. Tão lindo como parecia estar predestinado. Como parecia que éramos predispostos geneticamente a isso: sermos um par. Como parecia que não existiam, no mundo, forças suficientes para, mesmo somadas, nos separarem. A imagem que tenho de nós agora, depois do fim do último ato, é a de que havíamos tomado controle de um trem transcontinental e, depois de termos passado por longas e prósperas vegetações, depois de lagos e beira-mar, encontramos com o deserto. Entre escolher um ou outro caminho, cada um puxou mais para um lado. Você sabia que nunca teriam nos alcançado, mas teve medo. Um medo que eu te dei. E eu sabia que tudo iria explodir logo depois. Como fogos de artifício, caixas de dinamite, como um par de pupilas se explode toda vez que se ama.
Como é natural a todos os amores que, mesmo explosivos, dilatam-se e acabam.

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