quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Oito.

Despencou aqui, vindo lá da última curva depois do fim do mundo. Trouxe nas mãos alguns anéis, nos bolsos alguns buracos e na bolsa...bem, bolsa ela não trouxe não. Da primeira em vez que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la pronunciar "fiado", não porque fazia um biquinho como quem falasse francês pela primeira vez, mas porque no mundo de cá ninguém falava fiado mais não. Era o mesmo de dizer que sairia sem pagar a conta, ou pegaria um pacote de biscoitos e guardaria na calcinha. Aqui todo mundo pagava pelos seus pecados, problema não era dos outros se não tinha mais dez centavos para completar a fatia de bolo. Da segunda vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la desamassar os dois reais que havia ganhado, como se a notinha lisa disfarçaria seu cheiro de cachaça. Da terceira vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la de mãos dadas com o bisavô de algum moleque bem perdido. Ela segurava a mão dele como se segurasse a mão de Deus, só que esse Deus era provavelmente mais rechonchudo, e diferente do Deus lá de cima, usava umas correntes de ouro com uns dizeres em inglês que nem ele mesmo deveria entender. Da quarta vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la pedindo vodka importada, dessa vez porque ela fez um biquinho como se "importado" fosse palavra em francês. Da quinta vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la saindo de um carro roubado, como se ninguém soubesse que o Deus dela estava em condicional. Da sexta vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la toda vestida de preto, fingindo lamentar-se por Deus ter morrido acidentado, mas na verdade por ter sido perda total do carro. Da sétima vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la pedindo trocado. Da oitava vez em que a vi, lembro-me de gargalhar ao vê-la na memória falando "fiado", se tivesse pagado, incondicional que teria conhecido, seria amor, não um Deus abandonado.

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bom