terça-feira, 3 de novembro de 2009

Café e Cigarros / Explicação.

Em um dia nublado, dividiríamos o mesmo pedaço de teto para protegermo-nos da chuva. Trocaríamos um ou dois olhares, depois três ou quatro palvras. E então pediria por meu número. Eu agiria como se achasse estranho, fingiria hesitar um pouco, mas depois entregaria o cartão - que um dia virei a ter. Ele diria que ia ligar-me em breve. Eu fingiria que não ia ficar contando os segundos para isso. Despediria-me dizendo que a chuva tinha diminuído - até mesmo se tivesse aumentado -, e sairia, elegante, para cumprir meu trajeto. Grudaria-me ao telefone, fingindo estar esperando uma ligação do trabalho. E toda vez que ele tocasse, meu coração encontraria minha boca. Quando eu não reconhecesse o número, deixaria que tocasse três vezes, enquanto eu ensaiava minha voz mais esnobe e sensual. Eu atenderia e fingiria não saber de quem tratava-se. Pediria que aguardasse um minuto, pois estaria, imaginariamente, ocupada com alguma coisa. Depois retornaria ao telefone, falando com pressa, parecendo desinteressada. Ele iria propor que saíssemos para jantar, eu diria que para mim era melhor um café no fim da tarde. Eu desligaria no meio de sua última frase e partiria para o shopping, tendo acabado de notar que precisava de roupas novas. Estouraria meu cartão de crédito com apenas um vestido e um par de sapatos. Iria ao salão, tendo acabado de notar que meu esmalte estava desbotando. Faria as mãos, os pés, um novo penteado. Sairia de casa mais cedo. Ficaria sentada no carro até ver no relógio meus vinte minutos de atraso. Ele estaria esperando ansiosamente na porta do café. Extremamente tímido e arrumado. Cumprimentaria-o com um beijo rápido na bochecha, fingindo estar em uma ligação importante. Sentaría-mos na varanda, e faríamos, sem olhar no cardápio, o mesmo pedido. Tomaríamos um capuccino com leite desnatado e raspas de chocolate meio-amargo. Descobriríamos que fumávamos o mesmo cigarro, e quando os dele acabassem, eu cederia alguns dos meus. Demostraríamos interesse pelos mesmos livros e filmes. Reconheceríamos a música que tocaria ao fundo, comentaríamos ser uma daquelas impossíveis de viver sem. Nossos goles coincidiriam. Avisaria-o que estava com um pouco de leite no canto esquerdo da boca, ele não entenderia e eu teria que tomar o gigante passo de limpá-lo com a própria mão. Ele agradeceria meio sem graça. Eu comentaria de suas bochechas rosadas e logo meu celular tocaria. Eu atenderia a ligação, riria na altura certa, com toda graça e cuidado para não parecer escandalosa. Ele ficaria a encarar-me, eu fingiria não perceber. Desligaria a ligação e guardaria o celular na bolsa. Retornaria meus olhos aos dele que, com receio, diria-me que minha risada era a coisa mais bela já vista. Eu discordaria por educação e mudaria de assunto. Ele retomaria o assunto depois, quando eu risse de seu desconcerto. As horas passariam na velocidade da luz, a noite logo surgiria e despediríamos contra vontade. Eu iria para um lado, mesmo que meu carro estivesse para o outro. Ele assistiria-me indo embora. Eu não olharia para trás. Reencontraríamos todos os dias depois daquele no mesmo café. Encontraríamos novos assuntos, beberíamos o mesmo capuccino, dividiríamos os cigarros. Um dia ele decidiria parar. Eu decidiria parar junto. No dia seguinte desistiríamos e compraríamos um maço para os dois. Ele levaria-me para sua casa. Desta vez, dividiríamos o mesmo teto e o mesmo cobertor para protegermo-nos da chuva e de nós mesmos. De começo amaríamos com curiosidade e cuidado. Depois tornaría-mos ousados e agressivos. Ele convidaria-me para morar junto. Eu fingiria não saber a resposta para não parecer fácil e carente. Ele fingiria não ter todo o tempo do mundo para esperar-me, mas esperaria duas ou três semanas. Quando, com uma caneca daquele capuccino na mão, eu aparecesse em sua porta, avisando que ficaria ali até que nosso para sempre se esgostasse. Passaria um ano, o café ficaria para os fins de tarde de Domingo. Passariam dois anos, e na correria do cotidiano esqueceríamos como amávamo-nos. Discutiríamos, ameaçaríamos, até que a cafeteira exalasse o aroma de nosso romance. Eu então engalfinharia-me na pelugem de seu peito, ele enrolaria-me em seus braços. Cairíamos na cama, planejaríamos um futuro, desconversaríamos sobre filhos e casamento. Lembraríamos do café pronto, usaríamos a mesma caneca. Eu estaria vestida com sua camisa, ele estaria a observar-me com desejo. E então teríamos a sensação de estarmos sufocados, não pela monotonia de nossa vida, mas pela grandeza tão simplória de nosso amor.

Um comentário:

Anônimo disse...

arrepiei