segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Sonhado.

Ele, quando sozinho em casa, vivia a picotar folhas de jornal para entreter-se. Fechava os olhos, segurava algumas folhas em sua mão, e saia a rasgá-las com a outra. Jogava os pequeninos pedaços no chão, e punha-se a procurar pedaços iguais de folhas diferentes. Com sorte, reconhecia os pares que separaram-se no espaço de suas mãos até o chão. Aquele ritual dava-lhe uma felicidade tão pobre, ainda que enriquecesse sua esperança. Aquelas folhas, quando ainda inteiras, eram somente notícias velhas. Porém, quando picotadas, eram o protótipo do trabalho de quem fez cada uma das pessoas. Acreditava terem sido feitas com descuido e olhos trancados para que não houvesse prioridade ou preferência. Um pedaço da parte de esportes poderia muito bem combinar-se com a programação cultural. Para ele, essas combinações eram tais como os pares românticos, as almas gêmeas. Com dizeres e figuras diferentes, mas iguais na forma. Na forma de sentir, não de ser. Ele tinha toda a paciência do mundo para colocá-los juntos, desconhecendo quem é que teria a paciência para colocá-lo junto ao pedaço dele. Diferente da folha, ele e seu pedaço perderam-se no espaço de ser e estar, no espaço da vida. Ele, quando sozinho em casa, vivia a picotar-se, remoer-se, criticar-se. No espaço da vida, perdeu seu pedaço. E no espaço daquelas quatro paredes, chegava a cogitar se seu pedaço havia ficado para uma outra vida...

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