quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Menina Moça.

Movimentos circulares, a cada hora do dia os mesmos. Migalhas de pão preto, pão integral, alguns gergelins. Umidecia aquele balcão vermelho, deixava-o escandalosamente brilhante. Não era isso que havia desejado para sua vida, mas fazê-lo era inevitável. De Segunda à Segunda estava ali de pé, saudando os que entravam, explicando a obviedade do cardápio. Paciência havia sido a dádiva com a qual fora presenteada pelo Deus no qual insistia acreditar. Não sonhava com uma casa de madeira na beira de uma praia, ou um carro conversível. O máximo que queria era estar próxima de pessoas, proximidade limitada pelo jornal posicionado rente aos olhos. Servia o café fraco, repunha o conteúdo dos saleiros, comemorava a conquista de um agradecimento e algumas moedas. Como havia chegado ali...como? Saiu de casa com dezessete abandonos, foi recriar-se da forma como queria. Quando miúda, assistia o pai lustrar os copos de requeijão, servir neles um café ralo, reclamar de quem pagava fiado, e depois embriagar-se com uma pinga barata, quebrar os tais copos, queimar-se com o café. Escapou de um destino para acabar em um que, de longe, parecia o mesmo, mas lustrava copos de marca européia, e curava a inaceitação de estar ali desejando não estar em outro lugar. Não, não podia dizer que era feliz, mas também não era triste. Apenas lustrava seus sonhos, com um pano alaranjado de realidade.

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