segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Calle.

Quando desembarquei em Buenos Aires pela primeira vez - nesta vida -, deparei-me com um céu cinzento. Achei, primeiro, que minha visão estivesse corrompida pela fumaça de meus pulmões. Achei, segundo, que deveria parar de fumar. E entre achismos e nuvens tristonhas, acendi meu primeiro cigarro em território estranho. O céu dizia-me que já havia passado das seis da tarde, mas o relógio entregava o erro, duas horas e alguns quebrados. Carregava uma mochila nas costas, e nela, uma muda de roupas para entregar-me a vida. Resolvi sair a desvendar o cinzento preso ao chão. Centenas de edifícios, jovialmente envelhecidos, que sussurravam passados em meus ouvidos. Ao entardecer, sentei-me na pequena escada do Cementerio de La Recoleta para familiarizar-me com as palavras que escapavam das línguas que desconhecia. Uma língua despertou-me a atenção, e sequer palavras deixou escapar. Mas familiarizei-me com ela ainda assim. Assisti-a suavizar a secura dos lábios que guardavam-na, e esticar-se um pouco para alcançar o canudo disperso em seu copo plástico. Quando desembarquei em Buenos Aires pela primeira vez - nesta vida -, fui com a coragem de abandonar a poesia que cabia a mim enxergar nos outros. Mas chegando lá, percebi que talvez, a poesia tivesse sim aqui ficado. Mas na muda de roupas que levei comigo, ainda restava uma mancha insistente de solidão.

Nenhum comentário: