quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Quinta.

As mãos calejadas lembravam-no da juventude. Tomaram forma tão bruta pelas tantas vezes que tocou seu violino, pelos tantos corpos que acariciou. Seus dedos permaneceram fortes, mas seus movimentos tornaram-se trêmulos e lesados. O toque de veludo tornou-se incômodo e áspero. Não agradava aos próprios ouvidos ao dedilhar a 9ª Sinfonia. Perdia a companhia toda vez que tentava acariciar seu gato. Vivia só, mas esta condição só incomodava-o ao entardecer, quando seus olhos estavam cansados demais para folhear um livro, e seus ouvidos estavam doloridos demais para escutar o velho toca-discos. Gostava tanto dos agudos, dos graves, dos arranhões que separavam-nos. Gostava tanto de sentar-se frente à Cecília, rememorar alguma frase de Joyce. Tinha todo o tempo para degustar um café, devorar seus cigarros. Tinha tanto tempo para lembrar-se de sua vida. Mas o maior tempo que tinha era para arrepender-se. Viveu na velocidade da luz, desintegrando-se pelo espaço. Sua coleção de momentos era única, mas falhava ao ser revista. Acompanhado de seu gato, toda noite sentava-se à janela, reparava nas estrelas, outras vezes na ausência delas. Escolhia uma nuvem, e acompanhava-a com os olhos. Via-a desaparecer, como via a si mesmo. Tão branco e passageiro. Fazendo sombra, mas não fazendo falta a ninguém, a não ser a si.

Um comentário:

SOFIA ETCHEVERRY disse...

Gostei MUITO do final.