domingo, 4 de outubro de 2009

Que Dó.

Ele andava por aí carregado de esperança. Entretia-se planejando futuros. Ao dormir, sonhava com o amanhã, e o amanhã depois do amanhã, e os amanhãs depois desses. Era compromissado com o presente, mas deixava-o para trás quando virava passado. Era uma pessoa de café com leite e duas colheres exatas de açúcar refinado. Não corria riscos, corria deles. Seu paladar era limitado à simplicidade. Sua audição era voltada aos clássicos. Gostava do cheiro das damas-da-noite e sua cor favorita era o bege. Desacreditava na espontaneidade, mas um dia seus batimentos por minutos foram, pelo menos, o triplo dos sessenta e oito de sempre. Ela tinha os olhos dourados e arregalados. Seu longo cabelo era feito um punhado de fios de ouro arrancados de um baú de tesouros encontrado no fundo do mar. Ela era imprevisível em sua existência, como uma chuva em dia de céu aberto. Dava para ver que a felicidade dela vinha de tudo que não pudesse prendê-la. E era justamente isso que ele quis. Guardá-la entre páginas de um romance, marcando alguma parte bonita ou importante. Guardá-la como se ele fosse seu anjo. Deu a ela felicidade quando mostrou o ser tão excêntrico que era. Cheio das manias e vazio de novidades. Ela ria da forma como de tanto lutar pelo certo, ele tornava-se desconcertado. Quando percebeu que a intenção dele não era apenas divertí-la, ela escondeu-se. Ele tentou enxergá-la entre as taças que ela atirava em direção dele, entre os cacos e as cinzas caídas no chão, mas não reconhecia a forma que ela havia tornado. Enviava-lhe bouquets e recados. Recados e beijos. Beijos e sorrisos. Sorrisos esgotados. De tanto apertar, ela-passarinho escapou-lhe pelos dedos. Ele escapou para à tristeza. Um dia viu-a sorrindo em uma foto. Posando abraçada por braços novos. Sorriu de volta para ela. A felicidade que tinha naquele momento, era a de vê-la feliz.

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