segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Bom Senhor.

O dia já amanheceu escuro, nublado, nebuloso, preparando-se para um choro. O sol recusou-se a aparecer. Sequer quis deixar-se subentendido. Escondeu-se. Venal como era, negociou um dia de descanso. O céu estava de luto quando ele acordou. Esperançoso, checou o relógio. Não, não tinha acordado em plena madrugada por engano de seu organismo já tão falho. Tinha acordado na mesma hora de sempre. A hora de encarar-se no espelho e negar que aquela era mesmo sua imagem, e não um pesadelo. Naquele dia, resolveu assumir-se. Era sim aquele borrão de linhas tortas, aquelas camadas de pele amotoadas no mesmo rosto. Não era motivo de vergonha, pelo contrário, muito tinha dado e sido roubado para que seu rosto tomasse aquela forma abstrata da velhice. Vivia só, mas vivia bem, bem melhor do que aqueles em coma, aqueles derramados, estagnados em suas camas. Tinha a saúde de um rapaz...um rapaz tuberculoso, paraplégico, aidético. Mas era feliz, feliz como a cesta de frutas em cima da mesa. Todas murchas e mofadas. Tinha a certeza de que o sono da noite anterior poderia ter sido extremamente conturbado. Não foi. Graças a Deus e aos corajosos estudantes de Farmácia. Algo em seu coração pontilhado dizia-lhe que era a hora. Era a hora de aumentar a dosagem de seus calmantes, antibióticos, antialérgicos, anti-vidas, pois algo ruim estava a caminho. Era véspera de algum desastre. Previa o apocalipse. Não queria estar lá para ver, e mesmo se quisesse, as cataratas de seus olhos impediriam-no. Na véspera do começo - de sabe-se lá o que -, terminou-o. Na véspera de sua morte, matou-se.

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