sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Libido.

Parou de correr, quis respirar. Com calma e cuidado. Os anos longe do oxigênio aumentavam as chances de engasgar-se. Flutuou por tanto tempo no universo, fazendo visitas aos mundos dos outros. Quando voltou para o seu, esperando sentir-se em casa, sentiu-se atordoado. Tinha deixado a barba crescer, o cabelo tinha tomado um tom chuvoso e os olhos estavam abastecidos. Sua voz grave acentuava a aspereza das palavras que dizia, e que ela fingia não escutar. Ele tinha voltado, como ela tinha previsto. Por mais que negasse, era dependente. Dependia da forma como ela ignorava sua brutalidade, fazendo-a parecer apenas uma mania ruim. Dependia, também, da sutilidade com a qual ela fazia seus braços furiosos tomarem a forma certa de um abraço. Quando ela cansava-se de sua voz, pedia por mais, discutiam, elevando suas vozes ao infinito. Vez em quando atiravam coisas um no outro. Palavras, pratos, promessas esquecidas. Atiçavam rancores. O rosto pálido que ela vestia tomava cor própria. O tronco dele inchava-se. Trocavam juras de ódio debaixo de um céu que não viam. Ele chegava perto, ameaçando atirá-la da janela. Ela enfrentava, prometendo levá-lo junto para um passeio no inferno. Seus olhos raivosos esbarravam-se, apontando para outras partes. Ele, então, ameaçava jogá-la na cama, para cobrí-la de pancadas. Mas era ela quem jogava-o, em uma tentativa de atiçar sua raiva. Deixava-o lá. Atiçado de outra forma. Batia a porta e saía. Hesitava, mas ele corria atrás. Puxava-a pelo braço. Atirava-a no chão. Violento, cobria-a de amor.

Um comentário:

Marina Borges disse...

Ah! Réponds,
Réponds à ma tendresse
Réponds à ma tendresse
Verse-moi, verse-moi l'ivresse!