segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Liberté.

Eu quero que você siga em frente. Como se não fosse tão difícil. E não precisa olhar para trás. Alguém ainda vai aparecer. Mesmo que eu não queira. Algo não nos quis juntos. Mesmo nós ainda querendo. Algo nos afastou. Então não é de se assustar que, de repente, alguém apareça. Bem na sua frente, e logo depois, ao seu lado. Nas fotos que você pendurará nas paredes da sala. E exibirá para seus filhos, e netos. Alguém que saiba ser o que você precisa. Que eu nunca soube. Então foi tudo um engano, um equívoco. E nós não fomos o que pensamos. Porque não cabíamos. E haviam os outros. Muitos além de nós mesmos. E houveram os encantos, os esbarrões. Então não era de se assustar que, de repente, alguém acontecesse. Eu não mais escrevo, não consigo escrever. É como se não me restassem lágrimas. Como se eu nunca tivesse sabido como chorar. Por aqui, tudo indolor, incolor. Foi assim sua partida. Depois de já ter partido. Eu me olhei, e estava sofrendo. Eu me virei de costas, olhei de novo, e você não estava mais marcada em mim. Eu não pude mais sofrer, nem mais um pouco. Eu não estava preparado, mas aconteceu. Eu não te vi indo embora de mim. Mas sei que, antes, doeu tanto. Doeu sem fim. Pareceu até que eu rumava à morte. Tudo tão trágico, e desesperador. Em nenhum lugar eu cabia sem você encaixada em mim. Não sabiam me consolar. Eu não queria consolo. Eu só queria você de volta. Eu quem fui embora. Quando estive cansado. Desisti de lutar por você, por nós. E passei a lutar comigo mesmo. Foi duro, grosseiro. Estive desorientado, mesmo estando no mesmo lugar. Eu esperava que você voltasse. Eu esperei, por muitas noites, sentado na poltrona próxima a porta, fumando meus cigarros. Eu tinha te prometido que iria parar. Mas eu queria que, mesmo assim, você me aceitasse. Porque assim saberíamos o que havíamos achado saber por tanto tempo: que éramos, éramos um do outro. Você nunca voltou. Muito pelo contrário, foi para ainda mais longe. Não restaram nem sombras, nem uma sombra sequer. Eu te escrevo agora, depois de ter parado por muito tempo. Porque eu queria me lembrar. Queria reconstruir tudo, até encontrar o segundo exato em que você fez as malas e partiu de mim. Se partiu em mim, em micromoléculas de amor e saudade, que foram expelidas pelos meus poros, muito depois de serem expulsas por minhas lágrimas, muito depois de você ter se tornado ausente. Sei do dia em que te conheci, ainda que eu misture com muitos outros rostos. Teria sido um dia como qualquer outro, mas não foi. Você apareceu na minha frente e, logo depois, ao meu lado. Nas fotos que nós penduramos nas paredes da sala. E exibiríamos para nossos filhos, e netos. Um dia, todo o nosso castelo-sonho de futuro se desmoronou. Não quero voltar a falar nisso. Apagaria a lembrança de felicidade que restou. Um dia, você se foi. E ficamos nisso, por enquanto. Enquanto ainda éramos dois seres existindo juntos, era bonito. Funcionava bem, eu sendo inquieto, você sendo brisa. Nós sendo o perfeito incompleto. Sendo juntos, e tudo ficando bem. Você não tinha nada de magnífico, só quando estava em mim. Porque me dava uma calma que não era de minha natureza. Era impossível não gostar de você. Não olhar para você e querer ser seu. Ainda mais quando você olhava com aqueles olhos que não eram de ninguém, mas que precisavam ser. E eu os quis. Foi como aprender a andar de bicicleta. Levou um tempo, foi mudando um pouco a forma, a gente foi tirando as rodinhas, e o negócio foi ficando mais emocionante, mais arriscado, suscetível a quedas. Pareceu, inclusive, a parte em que a gente nunca esquece como pedalar, porque eu tinha a certeza de que nunca me esqueceria de como era ser com você. As certezas se perdem com o tempo. É o que acho, agora. Não sei mais como era. Não sei mais como seria agora. Não consigo pensar. Ao mesmo tempo que quero. Você se foi, é a última coisa da qual me lembro. Sem ter uma visão clara da situação. Você se foi e eu não pude, sequer, insistir mais uma vez para que voltasse. E eu não sofri. Não poderia, porque não percebi. Estava imerso, em algo que eu talvez não saiba o quê. E quando fui sentir sua falta, ela já não estava mais lá. Foi embora junto com você. Em uma tarde quente de verão. Ou não. Em mais uma noite de profunda solidão. Na qual eu percebi que não me sentia mais só, mas sim, liberto. Ainda penso em você, como uma memória turva, uma imagem prestes a ser apagada. Ainda penso em você, como pensarei por vários anos. Como algo que foi embora sem que eu pudesse perceber. Pensarei um pensamento que perdurará por toda a eternidade. Eternidade esta que acabará um dia. Um dia, quando eu me for, você se for, quando nós formos. Ficará uma saudade, que será guardada em segredo. Porque ninguém soube quando você se foi, muito menos eu. Eu ainda te sinto aqui, como um corpo que esquentou a cama, e se pôs a dormir entre outros braços. Eu ainda te sinto aqui como falta. Aquilo que foi, e não voltará mais. Aquilo que foi, e foi apenas. Porque não sobraram formas de definir a perda, nem muito menos a partida. Eu não mais te amo, mas ficou um carinho. Só peço que o deixe comigo. É tudo que me resta de nós.

2 comentários:

Anônimo minado disse...

Às vezes, perde-se o que nunca se teve. E o que nunca se teve pode, sim, não significar nada. Porém, isso não impossibilita que o que nunca se teve pudesse a vir significar tudo.

Anônimo disse...

Estou em lágrimas agora, muito profundo, coloquei uma música de fundo, pois a poesia merece e deu certinho com o tema do filme tudo por amor!!!