sábado, 22 de janeiro de 2011

Que Dia?

Os berros de uma criança, o incansável latido de um cachorro, os pneus cortando as poças d'água,
Hoje fará sol a maior parte do dia, com chance de pancadas de chuva no fim de tarde em algumas áreas da cidade.

Acordei, rosto inchado, costas doloridas. Sala, e casa, vazia. Mais um dia.
Mais um dia, e o que haverá de especial?

Andei até o banheiro, dando de cara com o espelho, nele o rosto deformado, resultante de um sono, há tanto, acumulado.
E a casa vazia.

O coração vazio. O gosto do esquecimento, do abandono. O frescor da calma. Da falta de alma. Que deixa passar o vento.
O vento.

Que invade pelas janelas, e levanta os papéis na mesa, e os carrega para longe.
A distância.

Não te enxergo de onde estou. Mas sei que aí você está. Pensando em mim, no que aconteceu comigo, no monstro que você acredita que me tornei.
As figuras disformes.

Sombras no escuro das cortinas. Assustadoras. Sombras da solidão.
Foi.

Foi escolha minha. Ter deitado com outro homem. Ter desistido de você, de mim, de tudo.
A consequência.

Um dia eu acordei e já não éramos mais os mesmos. Não existia mais na gente aquele desejo de fazer companhia, carinho, amor. Deixamos que tudo se esgotasse, e não restou mais nada. Mais ninguém para contar nossa história. Não restou uma história. Foi apagada, transferida para outros corpos. Nós, que um dia amamos tanto, viramos nós, que um dia se soltaram. E fomos embora. Você e seu ciúme doentio. Eu e minha sede de mundo. Uma hora já não nos saciávamos mais. Insistimos. Porque é isso que fazem os verdadeiros amores. Lutam, inclusive a pau e pedra, quando acabam os instrumentos de destruição em massa. Não digo que, hoje, sinto sua falta. Não a mesma falta que senti quando te percebi ir embora. Quando isso aconteceu, ainda dormíamos e acordávamos juntos. Mas não estávamos mais lá. Os pensamentos, os desejos, as tentações, tudo nos levava para longe. Nos transportava para outro lugar. Na qual novos braços esperavam abertos. Foi triste e, também, doloroso. Porque apostamos tanto naquilo. Nos achando maiores e especiais. Porque ninguém entendia nosso amor - nem nós mesmos. Se é que aquilo foi amor. Às vezes penso que foi carência, uma dependência, um vício. Era difícil estar perto, mas tão mais difícil estar longe. Lembro das tantas vezes em que nos dispersamos e juramos que iríamos seguir nossos próprios caminhos, sozinhos. Tentativas inúteis de nos afastar. Sempre voltávamos, sendo os portos mais seguros. Fazíamos amor, para apartar as discussões sem fim. Para disfarçar o cheiro de outros, a falta de sintonia nos beijos. Você voltava acostumado a mim, eu voltava acostumada a outro. E era um recomeço. Outra vez, outra chance. Mas não disfarçávamos as mágoas. Porque um dia você me abandonou, e eu te abandonei em resposta. Eu pisei nos seus calos, em todos eles, porque um dia você se esqueceu do meu. Eu te culpava por tudo. Como ainda devo te culpar, mas tento não pensar nisso. Já não posso te guardar com carinho, então te guardo como um pensamento vago, abstrato, distante. Não posso te guardar com carinho ou estarei resgatando tudo. Aquele amor que não deu certo porque não cabia em nós. Porque não cabia a nós dois amar aquele amor imenso que extrapolava os limites da sanidade e do perdão. Perdemos o controle. O tal amor tomou dimensões monstruosas, e vivia na tênue linha que o separava do ódio e da violência. Era grande demais para dois corpos miúdos. Que se agonizavam em posição fetal. Um amor com falência completa de órgãos. Que nos matava mais do que nos deixava vivos. Que deveria ter perdurado por toda a eternidada, mas nós não soubemos dosar. Uma overdose de amor. Tendo como resultado dois corpos separados e mortos. Épico, heróico, morremos juntos de nosso próprio amor. E você seguiu adiante. E eu também. Com meus mortos, pelos meus caminhos tortos. Ou não. Você ainda espera que eu volte. Sendo outra. Eu não te espero mais. Cansei de te esperar. Resolvi pisar fundo na realidade, e você com os dois pés no freio, para ter a certeza de que não se moveria um milímetro sequer. Porque um dia eu poderia voltar, e você ter mudado de lugar, e então nós dois não estaríamos lá. Então estaria sim tudo perdido. Mas tudo se perdeu tão antes. Bem no começo. E o resto foi só persistência. Porque era tão bonito, então não haviam motivos suficientes para o fim. Um erro. O que veio depois foi sempre muito feio, só disfarçava. Eu disfarçando com minhas palavras, e você com seu sorriso santo e compreensivo. Foi tudo uma mentira. Mas nós dois acreditávamos, porque existia o amor. Só não a estabilidade daquilo que o segura. Não tínhamos forças, o que era, às vezes, até bonito. Ver o nosso esforço para fazer daquilo alguma coisa grande, única. Sabíamos, tínhamos ciência, de nossa capacidade - que era pouca perante aquilo tudo. E mesmo assim tentávamos, tentávamos, tentávamos. Mas acabou. Acabou, assim. Em uma palavra só. Eu diria fim. Mas é melhor começo, porque nos dá esperança. De que um dia, um dia, haverá algo de especial.
Que dia é hoje?

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