segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

C'est La Vie.

Estamos com tanta raiva, que nunca mais nos olharemos olho no olho. Nunca mais face à face. Nunca mais boca à boca. Nunca mais nos salvaremos. Nos deixaremos morrer. Como morrem as flores, ao decorrer das estações. Seremos cruéis, unha por unha. Olho por olho. Porque tudo que fomos antes, uma hora se transformou. E não faz muito tempo. Então ainda ardemos, ferozes, querendo sangue. Visto que tudo endureceu. E se endureceu tanto, não há mais solução. Solução nenhuma se não nos trocarmos por lapsos de violência e agressividade. Já fomos muito felizes. Em um tempo no qual nossos defeitos ainda eram charmosos, e nossos problemas ainda eram contornáveis. Quando sabíamos perdoar. Quando fingíamos saber, pelo medo de perder. Tanta coisa ficou guardada, tantas palavra que prefirimos não falar. A explosão não foi conjunta, foi individual. Porque as mágoas minhas eram minhas. E os rancores seus eram seus. E nós não sabíamos o que o outro sentia. E já sentíamos coisa demais para saber. No começo, tudo fluiu ao som das mais belas canções. Com direito a flores, e beijos, muitos beijos. E tudo era completamente amor - ao menos caminhávamos para isso. E foi. Foi só amor. Foi amor e desejo. Foi amor e desejo e paixão. Foi amor e desejo e paixão e ciúme. Foi virando uma coisa negativa. Um amor embalado aos sons do desgosto. Dançávamos no ritmo das músicas. Outras vezes, no nosso próprio ritmo. Deixamos levar. Eu sendo levado por outras. Você sendo levada pelo tempo. Houve uma desritmia na forma como concordamos amar. Sem limites. Nem para o amor, nem para nós. Eu ainda lembro do dia em te vi pela primeira vez. Por acaso, você apareceu perante meus olhos. Que olhavam em busca de outros. Mas acabou por serem os seus. Os seus que me acompanharam crescer por anos, que repousaram sobre os meus, que me acalmaram, que me enlouqueceram. Não dávamos certo, era o que diziam. Desde o começo, desde a primeira troca de saliva. E não escutamos. O que hoje, é reconhecido como um erro. E, na época, como um desafio. Que não conseguimos enfrentar, não até o final. Pois hoje estamos separados, vivendo outras aventuras - para não confessar que estamos estagnados na memória de quando éramos dois, e dois somente. Ninguém teve culpa, só nós mesmos. Que deixamos outros entrarem, nos deixando escapar. No simples espaço que separam os dedos - mesmo juntos -, espaço em que sempre cabe mais um. Não há forma fixa para um par de mãos dadas. E ainda que houvesse, são muito tentadores os riscos. O risco que era ela, o risco que era uma outra, o risco que eram todas. Todas pelas quais eu te troquei, ainda que por uma noite só. Para completar minha solitude. Minha existência tão só, que não dependia só de você. Que, na verdade, não dependia sequer delas. Era uma dependência minha em mim. Mas fazia bem sentir o calor de outro corpo. Mais bem ainda, me sentir em outro corpo. Ainda mais em tempos em que você se esquecia do meu. Quando você não via nada mais de belo, nem de terno, nem de seu. Perdemos a ternura, e por isso, perdemos o amor. Ou nunca sequer o tivemos, e foi tudo um engano. E nós dois caímos. Hoje, eu tenho raiva. E sei que você também. Não pelo que passou. Mas pelo que está passando agora: nós. Nós estamos passando um para o outro. E não há nada que possamos fazer. Já tentamos de tudo para nos manter juntos. E agora estamos passando. Como se nada nunca tivesse acontecido. E você está com alguém. E eu também. Mas não parece certo. Não parece porque essa idéia me inquieta. Não que eu não esteja feliz, não que de vez em quando eu não seja convidada para jantar, não que os braços que me confortam não sejam o suficiente. É só que eu e você, eu e você éramos nós. Apesar de tudo, acima de tudo, éramos, e sabíamos como ser. Sabíamos tão bem. Eu me apaixonei por outra. Despretenciosamente, sem achar ter uma chance. Tudo muito sossegado, no tempo certo. Ainda somos eu e ela, sem nos excluirmos em uma palavra. Estamos quase lá. Mas a idéia me assusta. Eu já estava tão acostumado a nós, e levamos tanto para sermos, que tenho medo do caminho. Eu sei que estamos com raiva, e que, por agora, ela talvez seja nossa melhor companhia. Devemos mesmo nos manter afastados. E somente nos presentear com faíscas. Mas existem muitas coisas que eu deveria te dizer. Não são essas que eu te disse agora. Elas virão depois. Depois, quando tudo já estiver curado. E eu puder te olhar nos olhos sem querer te matar. Às vezes penso que melhor morto, se não seu.

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