segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Cor-de-Sol.

O filme da nossa vida. Ele começa assim, com um narrador ao fundo, algum ator fingindo ser eu, e dizendo: o filme da nossa vida. E eu começo andando sozinho, pelas avenidas e ruelas de uma cidade qualquer - que não aquela. Porque para aquela cidade, eu não volto nunca mais. Cada traço no asfalto, cada pedra no chão, cada árvore - sobretudo as árvores -, me lembra você. E sua lembrança me fere - porque da sua ausência eu não me esqueço. Então estou eu, embriagado, na presença dos meus melhores amigos. Onipresente, para ser sincero. Pois estava em um daqueles momentos em que um homem foge de tudo - inclusive de si, incluindo o próprio corpo. Então está meu corpo embriagado caminhando com os amigos. Todos falando sobre as delícias da vida. E eu degustando o silêncio - que sabor amargo ele tem. Então estamos todos levando a vida - principalmente sobre os ombros. E eu caminho sentindo um peso enorme querendo me empurrar para o chão. Piso cada passo sem rumo. E vamos caminhando, por essa noite e por outras próximas. E em um dia eu te vejo passar pela porta do escritório. Seus cabelos dourados, mais do que dourados, reluzentes. Seus passos leves, tão leves que eu só consigo te imaginar vestida de branco. E eu acordo naquele momento, de um sono que eu não tinha conhecimento. Achava que aquilo ali era a vida mesmo. Mas não era. Então você passa e eu vejo as folhas despencarem da mesa, eu tremo na cadeira, e o mundo vira outro. O narrador diz não acreditar em amor à primeira vista. E eu diria o mesmo. Os dias passam, e a gente se reencontra. Seus olhos encontram os meus e aí sim temos o começo de tudo. Não me recordo dos detalhes. Não me recordo de muitas coisas. Mas eu lembro do seu sorriso presente pelos corredores - junto à sua risada doce. E eu te encaro, eu te encaro sem parar, por jurar que você era o que havia de mais belo em todas as faces de todas as terras de todos os mundos e universos: nada existia como você existiu. E ainda existe, mas isso fica para depois. Você me olha, e eu te olho. E ficamos entreolhares olhando cada detalhe sem nos aproximarmos. Porque eu era um grande babaca. E você era a realeza. E eu andando com umas pessoas insignificantes. E você parada, porque tudo ia até você. Você tinha um poder de sugar tudo. De uma forma prazerosa, não destruidora. Eu não consigo me lembrar do que veio depois dos nossos primeiros olhares. Então passemos por essa parte - até porque passar muito tempo tentanto lembrar me dá uma angústia desumana. Um dia meu celular toca, e eu te escuto do outro lado da linha. E eu reconheço sua voz. A voz que eu nunca ouvi, mas que anseei por duros invernos, por todos os infernos que vivi. E você me chama para sair, mas eu não posso. Não posso porque muitos dependem de mim. E você não acredita, porque eu sou um ser tão magro e tão desfeito. E por umas horas ficamos nisso. Mas eu tento resgatar seu convite e eu tento resgatar aquela mínima chance que você me apresentou: a chance de me fazer feliz. Mas as horas passam, e um ou dois dias também. E então nos reencontramos. Desta vez eu sei o seu nome e sei a sua voz. Mas não me aproximo. Por me sentir tão pequeno, eu não consigo ainda te ter por perto. Mas você insiste, e eu sem saber o que você viu em mim. E acho mesmo que não viu nada. E foi esse nada que te deu vontade de fazer alguma coisa. Seguem os epsiódios de desconcerto e uma oportunidade de viagem. Nós dois conversando em segredo, e eu te conto. E milhares de falas fofas e pedidos. E eu arrumo minha mala, apenas uma semana, talvez duas, estou indo atrás do meu futuro. E você aparece minutos antes do avião partir. E nos escondemos em um corredor escuro. E nossos olhos se encaram. E nossos lábios se beijam. E meu corpo todo treme em cima do seu. E ali eu me apaixono perdidamente, e conto para todo mundo. E todo mundo fica tão feliz, porque você era tão impossível para mim, que não tinha nada de especial. E eu vou. E o tempo se arrasta - tudo em segredo. E eu retorno. E mais outro reencontro. Em segredo, perto das latas de lixo, onde você me beija e eu te desejo. Mas sinto medo. Porque você é tudo que seria demais para mim. Nos olhares curiosos vemos os outros pensando que nada em nós fazia sentido. E eu me sinto mal, quase acuado. Mas você me diz que tudo bem, e então fica tudo bem mesmo. E nós frequentamos lugares diferentes. Sempre desejando a presença do outro. E você vai começando a me amar, e eu já perdido de amores. Um dia, em lados opostos da cidade, bêbada, você me liga, e jura amores, e fala "amor", e fala que ama. E eu caio, meu Deus! naquele momento eu me despedaço! E não consigo acreditar, porque ninguém acreditaria se eu contasse. E tudo acontece tão rápido. E nós dois namorando, enamorados. E eu incrédulo. Depois, impiedoso. Porque não entendo sua embriaguez e sua necessidade de contato - ingênuo - com partes dos outros, e me jogo numa aventura passada. Retomo minha origem cretina e, até, maléfica. E, de repente, nas noites em que nos afastamos, começo a dormir em outros braços. E pensar que são outros amores. E pensar que você me engana. E pensar que eu não te mereço. E escutar tudo que me diziam, sobre suas viroses, sobre seus amantes, sobres seus amores e, especialmente, sobre sua falta de amores por mim. E eu acredito naquilo tudo. E me afasto, vou para tão longe que chega ser difícil que você conquiste um alcance. Mas você consegue, de vez em quando. E me puxa, e eu acredito em tudo que você me diz. E é inacreditável, porque nada no mundo poderia ser tão perfeito como era você, como era te ter. E você era minha, e eu era completamente seu. Mas um dia eu me escondi tão bem, que você desistiu de me procurar. E me ligou, às duas horas da madrugada, e me disse que não dava mais, que já estava cansada, que sabia de tudo. E você não sabia de nada. E eu quis pular, mas não tinha altura. E eu quis morrer, mas também não tinha mais vida. E ali tudo acabou. Tudo acabou e nosso filme termina em tragédia. Porque eu pulo do precipício que existe em mim e começo a ingerir, inalar, de tudo. Absolutamente tudo. Eu passo a viver de vento e tristeza. E vejo que a vida sem você não tem sentido. E chega o fim de ano, e você não chega mais perto. E eu nem te vejo mais. E a gente se afasta, e tudo volta ao normal, menos eu. E a gente se reencontra - desta vez sem sermos efusivos ou apaixonados. E a gente se evita. Você me evita, e eu demoro a perceber que preciso de você. E quando percebo resolvo correr atrás, e escrevo poemas, e mando flores, e te puxo pelo braço, e te ligo, e marco encontros, e escrevo um livro. Um livro que vira filme, este mesmo do qual te falo. Eu te perco para sempre. E estou para sempre perdido. E quando menos espero, você está com o outro. Um outro tão mais são e bonito. E eu tenho a certeza de que ele pode te cuidar direito. Mas eu não consigo engolir nem um gole da sua felicidade. E não é inveja, é porque eu só te aceito se for comigo. E eu encontro novas paixões, e novas mulheres. E são todas tão desequilibradas. E você sabe de tudo. E você me olha como se eu tivesse te abandonado, e eu tento te resgatar, mas você não quer, você não deixa. E eu te deixo ir embora, finalmente. Minto, não deixo. Não consigo. Passam os anos, e os novos amores. Vai tudo passando, acho que até eu mesmo passei com isso. Eu vejo suas fotos, e seu sorriso nunca foi tão grande. Não digo que nunca mais fui feliz, pois eu fui. Eu sou. Tenho tudo que queria, menos você. Que deve ter sido a parte mais importante da minha vida, acima de qualquer outra. Tanto que todos os meus outros amores competiam para ver quem chegava mais próximo de você. Mas nenhum deles, nenhuma delas. Ninguém, ninguém foi capaz. O filme da nossa vida se passa assim. Eu passando a vida inteira me arrependendo por, um dia, ter perdido você.

2 comentários:

Anônimo minado disse...

Oi.
Não andei comentando e lendo o que você tem escrito por aqui. Digamos, por motivos de natureza maior. Você viu como está a região serrana do Rio, né? Pois é. Triste. Mas voltei aqui, e tenho uma pergunta. Como foram a exposição das palavras e as declamações

Julianna Motter disse...

Pois é, estou ciente do que está acontecendo. Bem triste mesmo.
Bem, a exposição foi um sucesso!