quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Nome da Saudade.

Se eu pudesse dar outro nome pra saudade, sem que fosse nome de flor - mesmo que esta tenha cheiro de uma -, ou nome de estrela - mesmo que esta brilhe mais que qualquer outra. Se eu pudesse dar outro nome para a saudade, eu daria nome de mulher. Um nome que eu não revelo agora, porque seria como abrir minha vida inteira para as metades que me lêem. E eu não vivo de metades, ninguém vive. Nem de leituras, é preciso cavar mais fundo. Naufrágio. É disso que eu preciso, de alguém que naufrague, de alguém que se afunde, comigo. Porque a realidade é grotesca. E de nada adiantam os enganos. De nada adianta se enganar com uma moça bonitinha que exiba um sorriso de lado. De nada adiantariam as moças, nem mesmo as moças! À noite, quem cobre é o escuro. Não há nenhum calor ou odor corporal. Só uma superfície macia para ser tateada pela cegueira da noite. Não te vejo há muito tempo, e é esse tempo que mata. Que dilacera. Que é cortado e estrangulado pela saudade. Tentei me enganar com uma moça sorridente, e bela. Tentei, como tentei. Mas eu menti. Não havia um traço de sorriso sequer. Era apática, indiferente. Poderia jurar que estava morta. Mas não, não estava. Pois um dia eu a vi sorrir com outro. Isso mesmo antes de termos nos acabado. Nós nos acabamos sem nem mesmo termos durado. Foi breve, nada intenso, nada marcante, nada inesquecível. Passou, supersônica. Se me doeu? Bem mais do que deveria, como uma rasteira. E eu bati com a cabeça no chão. Estava tentando me enganar, tentando te esquecer. Eu tinha me esquecido de como se encantar é bom. A gente sempre se esquece das melhores coisas da vida. Eu quase me esqueci de você. Quando vi esse fim trágico, eu estava sendo a maior piada. Dei de cara comigo mesmo. Um talentoso criador de fantasias. Estive tão ocupado tentando viver. Viver para poder anotar cada traço, gravar cada imagem, e enfim colocá-los aqui. Somente para ter algo para narrar, contar, acusar. Se sofri foi por escolha. Por solidão. É deveras triste depender do sofrimento para viver. Pior ainda, é admitir tal vazio. É esse vazio que carrego. Feito um fardo, que veio desde a infância. Desde aquele momento distante em que meu avô me pôs de frente à máquina de escrever e me pediu para inventar uma história. Ali, eu contei a história de um cachorro que viveu sozinho até não aguentar mais, e se jogar na frente de um carro, na Avenida Paulista, com os faróis já acesos, na hora rush. Eu nunca contei minha história. A do rapaz por detrás dos óculos de hastes pretas, do sorriso alinhado, e com o charme tentador dos perdidos. É muito fácil cair nos meus enganos, nas minhas palavras e nos meus romances. Tão agridoces e misteriosos. Não há mistério. Está tudo escrito. Todos os acentos e acenos. Principalmente os adeus. Tudo que foi embora, principalmente o que ficou. Pois revelo agora que não houve drama, nem lágrimas, nem flores ou amores para anteceder. Se trata de uma bela atuação. Na qual eu sou autor, causa, consequência e personagem, de todas as histórias. Todas medidas com antecipação, para haver o devido preparo, a tamanha cautela com a qual eu calculo qualquer gesto. Não existem impulsos. E as paixões não foram violentas, nem degradantes. Todas eram mulheres, devastadas pelo meu egoísta desejo de torná-las musas. Musas de um pintor sem tela, de um músico sem ritmo. Pediram-me sinceridade e eu a entrego enfeitada. Em letra cursiva, com minha assinatura ao final. E um beijo doce e longíquo. E também, indiferente. Aqui estou eu, fumando um cigarro, completamente despido. Não há luz do luar invadindo as frestas da cortina, nem uma mulher nua na cama. Só tenho comigo uma ressaca desumana e uma reflexão à respeito da vida. Que eu nunca vivi, satisfeito em desenhar cenários de perdas e encontros. Eu sou o homem dos encontros. Extremamente desencontrado e que, nem homem mais é. Pois perdeu toda a virilidade e todo o encanto da pele macia e das palavras ousadas. Eu falava da saudade quando resolvi falar de mim. Pois é dela que eu vivo, me alimento, me aqueço. Saudade daquilo que não foi pelo simples fato: eu não quis. Pois saudade para mim tem nome, de flor, de estrela, de amor - o verdadeiro e não o rabiscado aqui -, tem nome de mulher. Porque ela seria, para mim, tudo isso em uma coisa só. Um ser pequeno, quase minúsculo. De cabelos quase longos. E sorrisos quase duros. De outra cidade. Talvez de outro mundo. Um ser real, de carne, osso e de mim. Às vezes eu me pego pensando que talvez ela não exista. Que ela seja mais uma das projeções da minha imaginação que surgem na cabeça e descem até a ponta da caneta. Talvez ela seja alguma coisa entre tudo isso que eu escrevi aqui. E talvez eu esteja sofrendo de tantos males que me peguei apaixonado por uma das minhas personagens. E ela seria a mais bela e mais humana de todas elas. No fundo, eu sei que ela existe. Quase em outro continente, mas existe. Numa ilha de dimensões mínimas. Cercada por oceanos e outros. Muitos outros. Menos pecaminosos que eu. Que não tentam se enganar por pequenas moças de saias rodadas, com cheiro de frutas e de ervas. Que não se alucinam com qualquer troca de olhares que poderá se tornar fruto de uma obra prima. Minha saudade tem o mesmo nome que ela, e origem, e endereço. Minha saudade é toda ela. E ela é toda minha. Ou quase.

2 comentários:

Bianca B. disse...

Nessas horas eu me pergunto: por que duas pessoas assim não estão juntas? E me vem a resposta (que não me convence): erro geográfico do destino.

Diego Nathan disse...

Pois é Bianca. Eu durmo com essa mulher todos os dias, mesmo estando a um milhão de metros de distância.
Acho que a geografia não tem o que fazer quando a pessoa tá dentro da gente. Um mapa de escala 1:1?
Julianna, case-se comigo?? Oh deus, quanto sofrimento..