quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É Osso.

"não ter mais nada o que dizer, foder para preencher o vazio, perder até a vontade de foder, se afastar, mas ficando mesmo assim junto, brigar, se reconciliar escondendo que no fundo tudo está morto, ir foder com outros, e depois mais nada".

Vá embora. Já está tarde. Não, não está. O dia está amanhecendo e unindo nossas pálpebras. Mas já está tarde demais para mim. E para você. Para nós dois, quando juntos. Está mais do que tarde. Passamos dos limites. Seu corpo aninhado ao meu torna tudo tão mais difícil. Está difícil de respirar. Embora eu não me sinta sufocado. Estou levando umas pancadas nas costas. E estamos chegando cada vez mais perto. Parece ser a primeira vez. Embora tenha tudo para ser a última. Deverá ser. Eu gosto da proximidade, mas está ficando perigoso. Não podemos regredir agora. Nem assumir nosso encontro. Porque somos um segredo. Por isto estou sussurrando, quase falando em códigos. Não podem nos descobrir. Eu não quero. Eu não deixo. Tenho toda uma vida que construí em volta de ti. E agora arranquei uns tijolos para te ter comigo outra vez. Para te olhar me olhando e te assistir dormir. Não estou me sentindo sozinho. Não é isso, é outra coisa. Coisa que eu não sei. E nem vou ficar para descobrir. Está ficando perigoso, repito. Sinto meus órgãos trabalhando para resgatar aquilo que, um dia, eu deixei para trás. Todo aquele amor, e desejo, e carinho. Nada disso pode voltar. Porque tem gente me esperando do lado de fora. Pessoas que eu encontrei, e que me despertaram de novo. Coisas novas e singulares. Hoje vai fazer sol. Daqui a pouco eu preciso sair. Tenho um encontro. Segui em frente. Você também. Mas ainda assim estamos aqui, enrolados nos cobertores. Passando a ponta dos dedos pelas curvas de nossos corpos. Porque nos sentimos sós e lembramos um do outro. Não, não é solidão. Pode ser saudade. Mas andamos nos encontrando tanto por aí. Estamos andando com umas pessoas tão diferentes das de antes. E andando por caminhos tão distintos. Eu estou acelerando. E você não tira mais o pé do freio. Eu conheci tanta coisa nova. Acho que me tornei mais aberto. Abri mais meu peito. Mas ninguém tem entrado nele. Perdi a disposição para reviver esse tipo de coisa. "Nós procuramos o amor e achamos que o encontramos. Depois vem a queda. De muito alto. É melhor cair do que ficar sempre no chão?" Estou ficando no chão. Tudo bem por aqui. Cada noite é uma novidade. Estou aguçando meu paladar. Cada qual com seu próprio gosto. Você, você continua azeda. Acho que é a idade. Estamos envelhecendo. Já tem, em si, algumas rugas, mas tranquilo, ainda posso contar nos dedos. Parece já ter sofrido tanto. Só não me culpe por isso. Nunca falei que seria seu para sempre. E se falasse, também nunca seria. Existem umas por aí tão mais doces. Tenho cuidado para não ficar viciado. Estou fugindo dessas coisas. Por enquanto só a bebedeira e os cigarros. Tentei experimentar umas coisas diferentes. Mas nada tem funcionado. O que funciona mesmo é o calor de dois corpos. Tipo esse calor que estamos sentindo agora. Mas estou queimando mais por dentro do que por fora. Acho que estou apreensivo por te ter de novo tão perto. Parece mesmo a primeira vez. E seu corpo parece novo. A gente muda tanto com o tempo. E olha que foi pouco esse tempo que passou. Daqui um tempo nós nem nos reconheceremos mais. E terão de nos apresentar de novo. Eu preciso mesmo escutar seu nome. Ainda me dá uns calafrios estranhos. Você me assusta um pouco. Saber tanto de ti me assusta. Não tenho mais nada para decifrar. Somos bons e velhos amantes. Acho que estou de ressaca, meio zonzo. E escuto um zumbido incessante. Está tarde, mesmo cedo. E estou ficando atrasado. Tudo tão frágil. Tudo, absolutamente tudo. Esse espaço pequenino que nos afasta, tão frágil. Estou sentindo o peso do mundo nas costas. A madrugada foi perigosa. Parece que cometemos um crime. Uma selvageria. Um genocídio. E parece que esmaguei as estrelas com meu novo par de sapatos. De repente, sou culpado de tudo. Acho que está na hora de você ir embora. Toma aqui suas roupas, e a minha saudade. Estou tenso com isso. Se nos pegarem aqui, estamos mortos. Deixa que eu arrumo a cama e fecho a porta. Não olhe para os lados, finja que nunca mais esteve aqui, e que nem sabe como anda minha vida. Vai, vai logo. Mas, honey, I miss you. Você pode voltar logo? Não sei aonde guardei minhas cuecas, ando perdendo tudo. Já me atrasei oito vezes para o trabalho só nessa semana. E olha que estou há um ano desempregado. Para você ver, as coisas estão ficando sérias. Um dia desses pulei do sétimo andar porque achava que era um pássaro. Sem você, é osso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caramba. Hoje,passamos pelo mesmo episodio. Cada palavra,cada linha,o texto toda... Que coisa estranha.