domingo, 13 de setembro de 2009

Fantasma.

Era possível ler o cansaço ao tocar seu rosto, as chamativas olheiras formavam "desistência" em braile. Sua maquiagem borrada, soma de madrugadas desfrutadas em cantos da cidade. Sua boca, seca e rachada, exalava o cheiro de café e cigarros, contornado por lábios cujo vermelho assemelhava-se ao de uma rosa prestes a murchar. Nem um tapete de veludo poderia livrá-la da sensação de estar pisando em cacos de vidro. Sua cabeça latejava, seu corpo pesava, seus pulmões pediam por socorro. Parecia um fantasma vagando por aí. Carregava seus sapatos nas mãos, e no resto do corpo, saudade. Perdia-se por aquilo que um dia havia encontrado. A feição ainda estava guardada, aquele corpo nu contrastado pela luz da lua. Corpo que adorou com fervor, como se visse nele uma figura santa. Ajoelhava-se perante a ele. Inventou rezas e poemas. Colocou-o sob um altar. Encaixou-o ao dela, desejando nunca separar-se dele, pois para ela, nenhum quebra-cabeça teria tanto sucesso no encaixe. Era um desejo ímpar, acima de qualquer outro. O toque de suas peles parecia o badalar de um sino, começava com um susto, terminava com arrepios. Explodia por dentro. E contagiante, andava pelas ruas achando que estava a desfilar por um tapete vermelho. Seus olhos brilhavam mais que o sol, seus lábios eram primavera em pleno outono. Quando a noite apontava na linha do horizonte, largava o trabalho, as pessoas, o tempo, e ia de encontro à felicidade. Em um dia encontrou-a já encontrada. O corpo nu agora estava coberto por outro, acenando adeus. Adeus. Adeus. A Deus. Culpava a ele, e a todo resto. Abandonada, abandonou-se. Pela primeira e última vez. Certeza?

Nenhum comentário: