quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cotidiado das partes

O chão que o tempo treme/o teto que o tempo teme - 

o tremor do tempo
e alguma explicação
que distancie
os laços
dos nós
os outros
de nós
e o que tivemos de especial?
a ambição de normalidade
sextas e sábados vinho cinema parque cerveja quente apoiada na barriga cócegas transas café na cama beijos no pé do ouvido transes banhos quentes preguiça
lençol sob edredon
braço esquerdo sob o pescoço
braço direito sobre a cintura
para que não caíssemos de barriga dos sonhos
para que não caíssemos de cara na realidade
de que, logo, seria segunda outra vez
e os corpos cansados
que mal se perceberiam nas próximas noites
e os corpos cansados
um sobre o outro
peso mole
peso morto
amor que, estranhamente,
não abria em dias úteis
paixão morna de finais de semana
doeu
aceitar
separar
desencontrar
subtrair um de dois
mas fomos, acima de tudo, soma:
fomos concreto e qualquer coisa que pulse


Conto já pela metade do que te apanha depois bate -

A vontade, primeira, foi pular em seus braços. Nem sabia seu nome, só queria, de alguma forma, estar em você. Me aproximei e elogiei seus olhos. Você me olhou com eles estranhos. Me atravessou, com o eles, até o outro lado. Me vasculhou com os olhos. Antes estranhos, depois familiares, à procura de algo esquecido por ali. A sua não estranheza me fez estranhar: me olhou ao avesso e nem um susto, nem sinal de disritmia. Você teve - e isso eu vi porque vi, antes, em mim - a mesma vontade de pular em meus braços. Ainda que eu fosse duas vezes menor que o seu tamanho, você teve vontade de pegar impulso e pular em meus braços. Seus olhos estranhos, familiares e, agora, risonhos, me diziam que você queria, de alguma forma, estar em mim.
Eu tive certeza: não tem como errar com as coisas tão certas. E te carreguei comigo. Ou você me carregou contigo. A verdade é que não importa a ordem. O tanto que ventava nesses dias teve relevância: éramos um par de penas escrevendo nossa história no gramado da praça municipal.
A história do meio - o desenrolar - é feia e bonita. É tão real que nem difere do que imaginei - durante e depois. É tão real que posso tocar nela. Está guardada no vão entre os seios. Às vezes, acho que é de pelúcia. Em outras, sinto estar tocando num carpete sujo. É estranho quando digo em voz alta, mas eu fico, todo dia, me lembrando de esquecê-la.
Olhos, vez ou outra, se dissimulam. Os seus estranhos, familares, risonhos, paravam, de repente, de rir. Pareciam animais famintos, destes que te seguram pelos braços e te prendem pelo pescoço. Que me apertavam contra a parede, vasculhavam atrás de algum segredo oculto: eles queriam me tirar tudo, me despir toda, até que não restasse mais nada. Nada trazido da rua, nada que já fosse meu. E me atiravam ao chão.
A vontade, de repente, era de pular dos braços para qualquer lugar, qualquer precipício.
A vontade final, e afinal, um poeminha que se despede e que se dispensa:
a vontade era de ir embora
pegar o sol
o trânsito
a chuva lá fora
e ele dizendo:
você não consegue viver
sem mim,
para agora e pensa


Sou céu, sou seu -

O céu que a gente vê
é reflexo do céu

que há na gente.

O céu que a gente vê
é reflexo da imensidão
que a gente sente.

Amor do cerrado -

amor tem que ser
que nem ipê:
florescer
toda vez
que parecer morrer


Por onde seguir - 

o caminho claro para o amor é solidão
o caminho claro para o amor é escuro 

o caminho
é claro
para o amor:
escuro
aéreo
é passarinho
que não precisa
passar

um caminho
quando esbarra
em um outro
é claro-escuro
e solidão -
a dois

o caminho claro para o amor
é não cansar de caminhar
mesmo quando
os pés
precisarem
retornar ao chão


Na ponta da sua língua -

viver de palavras
sentí-las
mastigá-las
apertar
engolir
lamber
dançá-las
transar-me
transá-las
transcender-me
atravessá-las
viver
ser palavras
uma parte
de desejar-ser eternidade
que nos toca
mas que não pode
ser tocada


Quimera -

que a poesia nos complete onde a esperança falta

que a poesia nos empurre onde a realidade falha


Glossário e fragmentos -


suscinto:
nada sinto
só escrevo
(e minto)

amor:
a poesia que os olhos vêem,
o coração sente,
e a palavra desmente



poesia:
é aquilo
que nos abraça até
em lugares
que nem sabíamos
existir

sem poesia,
nada rima com alegria

feito num poema de amor,
te encontro
quando o verso
acabou

sinto muito,
só não sinto mais nada

saudade é que nem coração de mãe:
sempre cabe mais uma

Um comentário:

Anônimo disse...

Poemas poemas - te achei, te achei!