domingo, 26 de dezembro de 2010

Noite Feliz.

Muita loucura para uma vida só, pensei nisso voltando para casa. Quer dizer, não sei se pensei naquele momento, não me lembro exatamente quando. Mas pensei, e estou pensando de novo agora. A vida vai tomando uns caminhos. Uns caminhos quase próprios, me parece. E a gente a vai perdendo de vista. Vai ficando de mãos atadas, para trás. Esse caminho próprio da vida, talvez seja o que nos leve à morte. Mas qual delas? Quem morre no final? Eu? A vida? O passado? Eu não sei. Eu não sei porque não sei mesmo. Pensar nessas coisas me dá cólica. E eu me contorço. Um corpo minúsculo na cama. Não quero falar de amores, a gente passa tanto tempo falando neles. Nunca estamos livres dos nódulos do amor. Seja paixão ou perda, a gente fala. Vou acender um cigarro. E respirar fundo. E falar profundo. Um cigarro sem filtro. Porque meu pai fumava assim, e a gente guarda essas manias para quando sente saudades. Vou falar da perda. Tenho essa mania de confundir as palavras: perda ou falta ou ausência. Se perder para, enfim, se encontrar. Porque encontro é desencontro e, também, é reencontro. Não sei demarcar limites. Nem os meus próprios. Tenho vivido uma vida tão imunda que, às vezes, sinto ânsia de pensar em mim mesmo. Pois eu tenho me enfiado em cada buraco, e me escondido tanto nas sombras. Sabe quando você só quer jogar para o alto e deixar ser levado? Pois é, joguei e estou sendo levado com a maré. E só vejo água água água. Que visão mais repetitiva. Só de pensar nela, já me vem o jantar à garganta. Mentira, não vem, não jantei. Tenho dispensado as coisas boas da vida. É a pressa. Preciso ver alguma coisa apontar no horizonte, talvez a salvação. Outro cigarro, estou trêmulo. Me sinto enfermo. Não era o objetivo, mas claro que eu acabaria nisso. Você me disse, eles me disseram. E repetiram. Meu Deus, como repetiram que eu iria acabar nisso se seguisse em frente. Mas é preciso lutar contra os próprios demônios. E, meu Deus, são tantos! São tantos, pequenos, grandes, enormes. Todos tem a mesma feição: a minha. Estava me guardando para isso, e machuquei a tantos. Eu pediria desculpas, se fossem válidas, se eu realmente me arrependesse. Mas foi preciso sair atropelando, e ferindo, e falando. Tenho marcas de queimaduras nas mãos. Elas me levam a pensar que eu não estava pensando em nada. Quando deveria. Estou tentando me enganar, dizendo que não posso sair disso. E acendendo um cigarro atrás do outro, fingindo que posso viver com isso. Estive bêbado, e drogado, e apaixonado. Estou tentando experimentar de tudo. E caminhar pelas esquinas. E me esconder nos becos. Tenho tanto medo de toda essa busca ser justamente o meu encontro. E tanto medo de ser justamente esse cara do qual todos falam, que não tem eira, nem beira, nem conserto. Que se esconde por detrás dos cabelos planejadamente bagunçados, e dos lábios avermelhados. E que sai para matar, e volta morto. Sempre morto. Porque não se lembra do que fez, do que sentiu, do que viveu. Porque jogou tudo fora à procura de algo novo. Esse cara que precisa de cuidados, mas recusa quando lhe oferecem. Mais um cigarro. Acho que esse cara sou mesmo eu. Inútil procura que fere tanto. Porque tenho arranhões nos braços e nas costas. Tenho me enfiado em cada buraco, em cada buraco rosado e precioso. Porque você sabe, todo mundo é pedra rara. E eu poderia tanto tirar a brutalidade, e fazer uma jóia. Escolher uma, só uma, lapidar, para ser minha. Mas tenho preferido acender um cigarro atrás do outro, e virar um copo atrás do outro, e me enfiar nos buracos, e depois sair calçando os sapatos, sem fazer barulho. E vagar pela noite. Vestido de escuro. Tudo tão escuro. E eu só me assusto comigo. Eu vim parar nesse beco. E nem becos deveriam existir aqui. Mas eu inventei. Porque sou um destruidor compulsivo. Que fere as feridas. As próprias e as alheias. Porque nada me basta. Absolutamente nada. Não tenho eira, nem beira, nem conserto. Estou afastando a felicidade para abrir caminho. Não sei aonde quero chegar. Não vejo nada à minha frente. Nem luz, nem um raio sequer. Tudo anoiteceu, assim, de repente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Te vejo jogado na cama, um corpo minúsculo. Olhos moribundos, cílios expressivos, corpo suado, frio e desnudo. Você acende um cigarro. Levanta-se e respira fundo. Profundo. E parece até querer abrir a boca, e me dizer o tanto que te falto, o tanto que me amas, e me gritar, exigindo perdão, por ter ido embora - e por não te ter casado, nem te ter feito filhos, nem prometido netos, ou velado nossos planos.

Perambulas, sonâmbulo, e acende um cigarro atrás do outro. Olheiras são teu único figurino. E parece que a exaustão passou a te rodear como decorativo. E a cada trago, parece te passar uma memória minha, ou tua, ou nossa.

Teu olhar permanece velado - e, por isto, não há nada em tua frente. Teu silêncio é constante e teu anseio, amargo - mas tudo acontece assim, repentinamente.

Julianna Motter disse...

Obrigada.