quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Meu Amor,

Meu amor,
passei a noite debruçada sobre a privada. Quebrei o salto de minha sandália nova - aquela que falei pra você que economizaria o tempo que fosse para comprar. Deixei a maquiagem escorrer pelas curvas do rosto, e pingar no colo. Fui perfeita para você. Você que tem essa mania de querer consertar qualquer coisa que apresente a menor falha. Nesta madrugada, eu fui perfeita para você. Eu estava debruçada sobre a privada - e sobre a minha vida -, toda despedaçada. De dar dó. Você, se me visse daquela forma, me pegaria pelos braços, e me faria cafuné - ou me daria umas palmadas e me chamaria de vagabunda prostituta bêbada drogada fodida. Nunca sei qual reação esperar de você. Mas se você me visse daquela forma, tenho certeza que te despertaria alguma coisa. Alguma coisa qualquer, fosse carinho ou fosse pena. Porque fui eu quem despertou as melhores coisas da sua vida. Antes de mim, você não acreditava em nada, em nada que não fosse em si mesmo. Todo cheio da razão e das palavras cheias de sabedoria. Uma sabedoria fingida. Porque você não sabia de nada. Aquilo me dava um ódio. Aquele seu nariz arrebitado, seu andar superior. Quando você passava a mão pelos fios do meu cabelo e me chamava de pequena, e mordia os lábios e começava a contar das suas experiências: aquilo me despertava um ódio. Um ódio tão grande que se eu fosse um pouco menos sã, eu te bateria com a bolsa, ou com uma vassoura, ou com minhas próprias mãos. E você era tão esquelético que eu provavelmente acabaria com algum dos seus ossos e, consequentemente, com a minha vida. Porque você não pouparia esforços para me ver acabada. Só para depois você retornar e me consertar de novo. E me salvar daquilo que diria ser eu mesma. Porque, para você, eu sempre fui uma porra-louca descontrolada inconsequente infantil e imatura. E eu acreditaria nas suas palavras, e ia querer me ver morta. Porque Deus! como você fazia questão de me dizer como eu era um monstro. E eu achava até que era mesmo. Naquela época, eu não era cega, mas você tampava meus olhos sem deixar restar nenhuma fresta. Saber disso me dava um desespero, saber dessa força que você exercia sobre mim. Eu era um gatinho assustado. E você me cuidava. Ao menos dizia que sim, e eu acreditava que sim. Eu era um gatinho assustado e adestrado, porque eu sempre dava as costas, mas logo voltava. Eu sempre voltava para você. Assim me descobri extremamente fraca. Díficil dizer o que tínhamos um com o outro, esse amor doentio paixão desejo incessável carnal de alma de pele de tudo. Cansei de escutar as milhares de vezes em que nos perguntavam os motivos para não conseguirmos ficar um longe do outro. Nosso amor-estrangulamento. A gente mal se suportava, mas era ainda mais difícil encarar a vida quando estávamos separados. Eu precisava de você. Você precisava de mim. Uma dependência de dar medo. E, por mais que você acabasse com qualquer brilho em mim. E eu acabasse com qualquer força em você. Nós éramos nós, se fodendo o resto. Se fodendo com o resto. Nós acabamos com nossas vidas, né? No momento em que nos encontramos e nos entrelaçamos, não era preciso nem ter olhos para ver, nós sabíamos que seríamos um do outro daquele momento em diante. E assim começaria a merda. Porque você mandava, e eu fazia. Porque eu fodia, e você perdoava. Porque nós íamos inventando problemas e maneiras só para nos mantermos juntos. E não importava quantas vezes eu errava, você sempre encontrava uma maneira de me consertar. E de, depois, acabar comigo. Porque as mágoas existem para serem remoídas, e não esquecidas. Você me mostrava as falhas e eu te mostrava os caminhos. Porque eu te amava sem fim e você me amava sem fundo. Acho que estávamos loucos. Loucos por tudo à nossa volta. E, principalmente, loucos um pelo outro. Que delícia. Vivíamos acuados. Um escondidinho na vida do outro. Quando eu realmente fui embora, foi quando nossas vidas tomaram rumos mais certos. Eu dei para beber, e era tudo previsível, certo, e garantido. Tinha uma média exata de reais para gastar por noite, de litros a ingerir por dia, de lugares para capotar de madrugada. Você deu para beber do outro lado da cidade, e era tudo previsível, certo, e garantido. Eu também dei para dar para todo mundo. E era sempre a mesma monotonia. Vai e volta, e tira e coloca, e procura e não acha, e grita e geme e chora. Eu não te encontrava. E admito: a procura era incessante. Você deu para dizer para todo mundo o que estava dando de mim. Acho que isso era orgulho ferido. Ou inaceitação da ausência. Ou um pedido de atenção e retorno. Todo mundo sabia que eu faria de tudo para retornar. Mas para isso seria preciso que fôssemos outros. Ou que mandássemos se foderem os outros. Porque a gente precisa de um horizonte só nosso. Sem olhares curiosos e bocas para dar pitaco. Porque ninguém entende nosso amor. E nos amaldiçoam por isso. Porque era maior do que tudo que já tinham visto. E nos julgavam por isso. Meu amor, se você realmente soubesse aonde eu tenho passado minhas madrugadas, eu não sei como você reagiria. Eu já tenho deixado uma mala atrás da porta, para facilitar a viagem. Eu tenho voltado lá no passado, para me garantir de que ainda te tenho comigo.
Abraço apertado de quem não quer largar mais, nunca mais.

2 comentários:

Anônimo disse...

uau. ruim com ela, pior sem ela. ne?

Julianna Motter disse...

Quem saberá?