domingo, 13 de junho de 2010

Desnivelado.

Sofria calado. Todo dia sentava-me debaixo do prédio, atrapalhava a rotina de algum formigueiro, e desenhava a mesma pilastra - numa tentativa estúpida de trazê-la a vida. Num desses dias, sua arrogância veio pedir-me para que desse licença. Minha arrogância maior ainda ensuderceu-me. Oras! Passe por cima! - atropelamento voluntário. Mas foi só porque a ressuscitação da pilastra captava-me o olhar. Se eu tivesse visto antes seus olhos...ah! se eu tivesse visto antes seus joelhos...ah! se eu tivesse visto antes seus lábios, teria dito: Oras! Passe por cima! E volte, e passe de novo, e continue indo e vindo, mas não vá embora não. Não também que você chegasse a ser tão enlouquecedora assim. Mas que deixou-me mudo, ah! isso é verdade. Tentei pensar em algo para dizer-te, mas de repente só vinham-me palavras em francês, língua que eu mal conhecia. Talvez romances necessitassem dessa elegância meio blasé, ou eu tivesse enlouquecido. Não soube o que era, não entendi o que meu corpo todo quis dizer. Mas juro, juro que se eu precisasse mostrar agora para que vocês entendessem-me, eu pediria para que fôssemos todos assistir a virada de Ano Novo em Copacabana. E eu pediria para que vocês todos tampassem os olhos e apenas escutassem os estouros - é que o amor é cego, não é? Mas então, aí então vocês entenderiam-me, ou teriam uma idéia. Acho que precisariam, na verdade, escutar os fogos do Forte. Ou melhor, de seu ponto de estouro, lá do céu. Porque aí, aquelas luzes e cores todas, assemelhariam-se a dela naquele momento, e aí sim eu falaria para que vocês não fechassem os olhos. Eu não fechei, fiquei vidrado. Antes eu tinha uma dor no peito, uma dor toda acostumada, já de casa. Mas eis que naquele momento, a dor cessou e eu, sem ela, já não parecia mais nem o mesmo. Engraçado como ela fora a cura. Engraçado como toda cura em excesso, nada mais é do que veneno. Engraçado como hoje eu estouraria os fogos no rosto torto dela...

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