domingo, 16 de maio de 2010

Ora!

Foi em um Sábado à tarde que ela deu seu ar de graça pela primeira vez. Estávamos todos sentados, quase que derrubados, à mesa, com pratos, copos, garrafas e mentes vazias. Ela chegou toda malemolente, exibindo suas pernas magricelas e enrolando as pontas do cabelo. E aí, cara!, como se fôssemos possuidores de uma intimidade gigantesca. Era toda dotada de minúsculos detalhes: as mechas loiras escondendo - e escondidas - na nuca, um pequeno sinal no canto do olho, um dizer em francês - supus - no pulso. E no momento em que sentou-se começou a falar, e não parava. E falava, e falava, e falava, e cutucava as cutículas, e mordiscava os lábios, e falava, e falava, e falava. E conhecia Buenos Aires, mas odiava os argentinos. E estava há dois anos sem comer carne, cheirar pó e acender um cigarro. E acendeu um cigarro. E considerava Niestzche um cínico. E não gostava nem de queijo e nem de azeitona. E espremia o limão na cerveja. E tinha esquecido-se do almoço, por isso havia chegado atrasada. E culpava o filhote de labrador que havia ganhado na semana passada. Um descontrolado, repetiu várias vezes. E fazia com que todos rissem com sua voz aguda e sua fala apressada. Não descuidava da boa gramática. E dizia já ter lido um dicionário. E o Carlos? Bom, o Carlos era um imprestável. E eu sem saber quem lá era Carlos. E as cabeças todas concordando. E os corpos eretos na cadeira, os olhos fitados nela. E falava, e falava, e falava, e aquela minha vontade mesquinha de fechar sua boca. Quem era ela e por quê não estava comigo? Ela sequer gastava seu tempo notando meu interesse. E desce mais uma! E desce mais outra! E eu querendo descer ela toda. Dá aqui seu número, a gente se fala. Mas fui eu que liguei, dez minutos depois de sair. Ela ia para a praia, eu fui correndo atrás, de terno e gravata. Mas como seus olhos são lindos, eu disse: que nada, obrigada. E ela puxou meu rosto - e também meu tapete -, e aquele cheiro da gelada já quente. E a fala tornou beijo, e beijava, e beijava, e beijava. E não parava, e eu também não queria. E foi aí que parou. Talvez eu te ligue mais tarde. Não, por favor, liga sim. Pensei, mas só disse que estava tudo ok. Ligou nada, fui eu que liguei um dia depois. Vamos sair, saímos, saímos, até sairmos do sério. Ela dispunha de muitos talentos, como encostar a língua na ponta do nariz e fazer-me sentir como um merda.

Nenhum comentário: