sábado, 20 de março de 2010

Spring.

- Já esteve apaixonada?
- Não sei.
- E o frio na barriga?
- Cubro com um casaco de lã.
- E o para sempre?
- Acaba.
- E as borboletas do estômago?
- Nunca.
- Nunca sentirá?
- Nunca.
- Acreditas que um dia há de sentir?
- Nunca.
- Por quê?
- Não quero.
- E o que há de ser sem elas?
- Eu.
- Você?
- Tão somente.
- Nunca quis sentí-las?
- Nunca.
Calaram-se. Olhou-a, apático, estava perplexo. Ela não sentiu incômodo. Sofria de insetofobia portanto, morreria sozinha.

2 comentários:

Anônimo disse...

Quem é homem de bem não trai
O amor que lhe quer seu bem
Quem diz muito que vai, não vai
Assim como não vai, não vem
Quem de dentro de si não sai
Vai morrer sem amar ninguém.

Hanna disse...

Reconstruirão o prédio de concreto que o tempo e o acúmulo de chuvas ácidas fizeram ruir. Faria 50 anos que o terreno e as ruínas continuavam ali, intactos. A memória física – os escombros- continuam presentes como se fosse necessário impedi-la de esquecer. Como se fosse necessário impregná-la com um misto de dor e saudade do que já não existe. Como se fosse necessário cobri-la de pó. Mora na rua de cima e todo dia, desde sua última dança, faz o mesmo percurso. Quem vive de passado é museu, já diria o ditado. Ela, contudo, é o museu mais vivo possível. O é por necessidade, pois todos os seus sonhos e sorrisos ficaram presos ao ontem, junto com os passos que não soube dar. Atou-se ao que foi, com tanta força, que desaprendeu a viver o hoje. Às 18h, de todo adeus do Sol, sentava-se em frente ao terreno baldio. Deixava escapar uma lágrima- a segunda caia por dentro, caia pelo abismo que formara-se nela. O silêncio ali era tão intenso, tão dono do espaço, que sua gota perdia-se sem fazer eco. A sua última noite naquele prédio havia sido também sua última noite com ele. Tocava uma música esquisita, cuja coreografia não conseguia assimilar – tão acostumada com o romantismo do tradicional. Ele, contudo, dominava o gingado, mas não teve paciência de esperá-la aprender. “Perdão, perdão! Não consigo acompanhar seu ritmo, seus pés movem-se rápido demais para os meus...” Foi o que disse à ele. Não o sensibilizou, longe disso. Ele trocou de parceira como quem troca de meias. E ela... Ela jamais quis dançar novamente. E de frente para o banco o barulho de máquinas, o movimento de homens, cimento, tijolos e areia no chão anunciam a retirada do velho para construção do novo. Aquele cheiro novo a faz pensar que, talvez, nunca é tarde para um recomeço. Passara sua vida dividindo silêncio consigo mesma. Uma vida sem utilizar-se de neurônios, sangue ou coração. Uma vida inteira sem conhecer os lábios,as mãos, o pescoço – dela e de outro alguém. Uma vida em que simplesmente arrastara-se e deixara secar todas as flores de seu jardim . Ficava da janela assistindo aviões cortarem o céu ácido, ao invés de olhar as borboletas que a rodeavam. Pois é, passara um vida em silêncio e sem música. Não sabe se foram as máquinas ou a conversa alta que vinha do canteiro de obras, mas algo a fez lembrar que ,duas quadras abaixo, existia uma academia de dança. Música e balanço, para fazer eco dentro de si.