domingo, 28 de março de 2010

Roxo.

Passou com a cesta de pães, foi direto para a cozinha. Observou-a, respirou-a, enquanto sentado na simplicidade de suas vidas. Em tempos, que pareciam sequer terem existido, estariam sentados em um gramado, esticando uma toalha, suspirando-se. E ela acenderia uma vela, e ele tragaria um poema. E naqueles tempos, estariam os dois sentados em uma vida que fugia dos dicionários, e das línguas, e de todo o corpo. Ela voltou da cozinha, penteado mal feito, migalhas na gola da blusa, sentou-se ao lado dele. Mornos, eram mornos agora. Ele olhou para Drummond despencando da estante, e a poeira que cobria Bandeira. E então voltou-se a observá-la, e ali, na mesma estante, estava emoldurada a certeza daqueles tempos. Enquanto cutucava as cutículas, pediu que ele ligasse a televisão, obedeceu. Observou as cores refletidas na retina dela e forçou um aconchego. Ela não queria, o calor era demais, mas este, só do lado de fora. Desiludido, cedeu algumas palavras: "Quando foi que perdemos o romance?".

Um comentário:

Hanna disse...

Trocariam domingos por segundas- feiras. Dividiriam o dia como quem divide o útimo gole de coca. Substituiriam o café por uma batida de frutas da estação - tudo para conservar o sorriso branco.Trocariam o açúcar por beijos.Seguiriam com sombra na cabeça e Sol nos olhos. O céu despencaria em egoísmo, mas amparariam seu choro - ele com o corpo e ela sob a capa de chuva. Disputariam pelas palavras, guerreariam no silêncio da fusão de seus corpos. Partilhariam bom-dias e o pão com geleia toda manhã. Escolheriam pratos de profundidades e conteúdos diferentes no almoço. De noite, alimentariam-se do mesmo céu estrelado. Caso fizesse frio, refulgiariam-se nos braços um do outro. Caso o escuro estivesse morno, prenderiam-se pelas mãos e pelo olhar , apenas. Apenas.. Diriam não ao intemperismo do tempo. Diriam não às fotos sem cor e ao desbotamento do sentimento. Revogariam o direito de estar só e vazio. Criariam suas próprias leis. Leis válidas de segunda a segunda, sem brechas para multas. Porque tudo inicia-se no primeiro dia da semana -trabalhos, começos e recomeços. E viveriam assim, com os passos próximos, feito uma dança em linhas .Fariam-se feliz, dia após dia,até que completassem uma vida e suas próprias pernas não fossem mais o suficiente. Dia após dia.. Até que não fosse mais possível dizer não ao efêmero - a passagem do tempo. Só não saberiam , nunca, a validade da vida que queriam. Jamais saberiam a data do fim. Seria num domingo longinquo? Seria amanhã? Seria quando as pernas titubeassem e não aguentassem mais o peso um do outro.