domingo, 21 de março de 2010

Poeira.

Quinas, haviam muitas quinas. Haviam quinas em tuas palavras, e esquinas em teu modo de falar. Afiava e logo desviava. Diria beco sem saída, se não soubesse como voltar. Ou não diria nada, já que não sabia exatamente o que dizer. Meu coração agora sofria de escoliose, pesava para um lado, talvez de todos o mais escuro. Minha coluna agora sofria de problemas cardíacos, e quando não era de meu agrado, parava de funcionar. Sobrava-me a velha relação com a poesia, nunca amena. Dela usei para escrever-te uma carta, na qual nunca mais encostei. Minha parte intocável era a parte na qual a tinta escorria pelo papel, e era também minha parte louca. Sanidade nunca estivera nos planos. Tu nunca estivera nos planos! Rasgo-os, como no passado rasguei a tantos. Uma vez tocastes-me o intocável, na ousadia de abrir minhas gavetas. Assustei-lhe, querida? Se não ousastes tanto, nunca saberias que eu era poeira.

Um comentário:

Hanna disse...

Há poeira que se acumula nas calçadas e esquinas da W3. Há quem de posse de uma vassoura, loucura na cabeça e vazio nos bolsos e estômago, a varra dali. Há poeira que se acumula sobre os paletós guardados no fundo do armário-aqueles que o tempo quente não permite usar. Basta, contudo, uma sacudida e ar condicionado para livrar-se dela. Há a poeira que se acumula sobre as lembranças guardadas – cartas, metais, fotos, sonhos... Uma sacudida, um pouco de ar fresco e o vento a leva embora. Há a poeira que se acumula nas estátuas, nos órgãos não utilizados e debaixo dos tapetes. Poeira cobre e encobre. Mas poeira vai embora com um simples sopro, um simples giro. Vai embora, se desfaz , se perde no vento – no tempo. Melhor não ser poeira, melhor ser pó. O pó é mais denso, tem volume e corpo. O pó ocupa espaço. Pode ser posto em vasos e deixado de enfeite. Pode ser posto em caixa e guardado na gaveta. Pó não faz espirrar. Há, contudo, alérgico a tudo neste mundo. Então, melhor que ser poeira ou ser pó é ser carne e osso.